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Gestão de crise no contexto de ataques a escolas: uma lição de casa multissetorial, multidisciplinar e integrada



Por Jones Machado (Professor de Relações Públicas da UFSM, Autor do livro “Gestão Estratégica da Comunicação de Crise” e Coordenador-geral do OBCC)

 

A gestão de uma crise começa bem antes de um evento crítico se instaurar. Não basta tratar o problema já em andamento. É preciso agir antes. Por isso, impõe-se a gestão de riscos, ainda pouco implementada no Brasil. É a partir dela que se dá o mapeamento de sinais que o entorno emite e que podem indicar riscos, culminando em crises como os ataques a escolas. É através dela que cenários são antecipados no intuito de se chegar a melhores respostas de ação. Nessa direção, a contenção dos ataques a escolas passa pela gestão de riscos com vistas à prevenção e não apenas ao gerenciamento do fato já consumado.

 

Forni (2023) alerta que “Esse tema das escolas não comporta espasmos que acontecem quando barragens se rompem, edifícios, boates, museus incendeiam e se anunciam ‘medidas rigorosas’ que não se efetivam”. Sendo assim, policiais armados, botões anti-pânico, portas com detector de metais e muros altos não irão resolver a problemática. A triste experiência norte-americana nos mostra isso. É muito mais complexo, profundo e delicado. Por isso, precisam ser levados em conta os riscos detectados, as causas dos acontecimentos e os sinais que estudantes, pais e professores dão para as autoridades e especialistas, a saber, conflitos e bullying no ambiente escolar e disseminação e consumo de discursos de ódio na ambiência da internet. Além disso, há de se levar em conta os efeitos psicológicos da pandemia, a política armamentista em curso até pouco tempo e a cultura de violência propagada em redes sociais digitais sem regulação.

 

A gestão de riscos começa em casa, com a atuação de pais, tutores e responsáveis no acompanhamento das atividades dos filhos na internet e na escola. Continua com a escola cumprindo seu papel através da educação formal e do exercício da convivência coletiva. Passa pela mídia, que atravessa todas as esferas da sociedade ao pautar a opinião pública. Ainda depende da atuação governamental e do Poder Público os quais devem garantir segurança. Em suma, a atuação para prevenir eventos críticos como os ocorridos no Brasil neste início de 2023 requer ação conjunta, integrada, multidisciplinar e multissetorial. Envolve pais, responsáveis, escolas, creches, Secretarias de Educação, Polícias, Imprensa, influenciadores digitais, Governos, Poderes da República e Sociedade.

 

Diante desse contexto, somamo-nos a esta “força-tarefa” que busca evitar novos ataques ou, ao menos, diminuir seus impactos, especialmente no que se refere à preservação de vidas. A comunicação é apenas um dos componentes envolvidos e imprescindíveis à gestão e ao gerenciamento de crises. No entanto, em face deste cenário desafiador para todos os setores e governos, para várias áreas e para a sociedade, propomos orientações no sentido de fornecer subsídios para a elaboração de protocolos de prevenção e de ação. Tais norteadores foram organizados com base em notas técnicas, pesquisas, guias e manuais compilados e referenciados ao final deste texto e que contribuem para o esforço conjunto da gestão de riscos e de crises na área da Educação.

 

Orientações sugeridas:

 

Pais e/ou responsáveis:

– Observar comportamento de isolamento e/ou de agressividade;

– Monitorar sites, redes sociais, aplicativos e jogos online que os filhos acessam;

– Não compartilhar boatos sobre possíveis ataques;

– Revisar materiais escolares dos filhos diariamente;

– Conversar com os filhos sobre temas (religião, raça, gênero, sexualidade, etc.) comumente presentes em práticas de discriminação, intolerância e bullying (homofobia, misoginia, xenofobia, racismo, transfobia, machismo, gordofobia, etc.);

– Observar o interesse por armas e explosivos, casos de massacres e/ou idolatria a figuras violentas;

– Monitorar a qualidade da saúde mental dos filhos e, se necessário, buscar ajuda especializada;

– Em caso de conhecimento de suspeitas de ataque, contatar a Escola, a Polícia ou denunciar em canais oficiais.

 

Escolas, creches e secretarias de Educação:

– Identificar e tomar medidas em casos de bullying;

– Identificar e tomar medidas em conflitos entre estudantes ou entre estudantes e professores;

– Não compartilhar boatos sobre possíveis ataques;

– Desenvolver atividades para a educação midiática e “alfabetização digital”;

– Manter equipe multidisciplinar para monitorar e auxiliar na saúde mental dos estudantes;

– Ter ações de acolhimento e escuta ativa;

– Identificar estudantes com comportamento violento e monitorar;

– Prevenir a violência por meio de atividades educativas;

– Realizar treinamento e capacitações para situações de emergência e de primeiros socorros para estudantes e professores;

– Desenvolver e divulgar para a equipe da escola/creche um plano de emergência contendo mapa de riscos, protocolos de ação, sistemas de alerta e de resposta;

– Ter porta-voz preparado para a comunicação com pais e imprensa;

– Em caso de suspeita/ameaça de ataque, contatar a Polícia.

 

Imprensa e influenciadores digitais:

– Evitar compartilhar boatos ou tentativas de ataques a fim de não promover medo e pânico;

– Evitar divulgar nome e foto dos envolvidos em ataques para não contribuir com o “efeito-contágio”;

– Evitar divulgar nome e foto de vítimas, principalmente se forem crianças;

– Evitar divulgar os casos de ataques de forma sensacionalista ou espetaculosa;

– Evitar descrever as táticas e estratégias das forças de segurança;

– Levar em conta o impacto das informações sobre a dignidade e a segurança das pessoas;

– Buscar desconstruir rumores, discursos de ódio e teorias conspiratórias;

– Divulgar informações de utilidade pública e didáticas, no sentido de auxiliar na prevenção, na mitigação de danos e da perda de vidas.

 

Executivo, Legislativo e Judiciário:

– Manter canal de denúncias específico permanentemente aberto, a exemplo do recém-criado Escola Segura;

– Propor políticas públicas voltadas ao desarmamento;

– Empreender a regulação de aplicativos de mensagens, mídias sociais digitais e sites de redes sociais digitais;

– Propor políticas públicas relativas à cultura de paz e contra o discurso de ódio;

– Exigir das Big Techs (Twitter, TikTok, Whatsapp, Facebook, Discord, Telegram, etc.) a remoção de conteúdo que faça menção à violência contra escolas, estudantes e professores e/ou incentive ataques;

– Identificar e responsabilizar pessoas que postam mensagens e imagens de ameaças a escolas ou de incentivo a ataques;

– Exigir das Big Techs a reprovação de conteúdos nazistas, fascistas, homofóbicos, transfóbicos e racistas, proibindo sua publicação e impulsionamento pago;

– Aplicar as leis existentes e propor novas leis que deem conta da complexidade do tema.

 

Sociedade em geral:

– Não espalhar boatos sobre ataques a fim de evitar medo e pânico;

– Denunciar suspeitas em canais oficiais dos governos e para a Polícia;

– Denunciar o compartilhamento de fake news às plataformas em que foram publicadas;

– Não compartilhar imagens e nomes de quem comete massacres;

– Não clicar ou compartilhar links contendo imagens de algum ataque.

 

Ressalte-se que tais sugestões de medidas não encerram em si as possibilidades e estratégias de gestão desta questão especialmente complexa e delicada, até porque o assunto exige medidas de diversas áreas de forma integrada. No entanto, diante do contexto de incertezas, medo e pânico buscamos – através do compartilhamento de informações e de conhecimentos produzidos na área da Comunicação Organizacional e da Gestão de Riscos e de Crises – contribuir para a discussão e o amadurecimento do tema que ainda é bastante incipiente no Brasil.

 

Referências e fontes:

Canal de Denúncias Escola Segura. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/escolasegura

 Comunidade escolar na prevenção e resposta às violências contra crianças e adolescentes. Unicef. 2022. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/relatorios/comunidade-escolar-na-prevencao-e-resposta-as-violencias

Escolas à beira de um ataque de nervos. Observatório da Comunicação de Crise. Disponível em: https://ufsm.br/r-880-218

 Grupo Globo muda política sobre coberturas de massacres. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2023/04/05/grupo-globo-muda-politica-sobre-cobertura-de-massacres.ghtml

Guia de resposta a emergência em escolas: foco em situações de ameaça à integridade física, saúde e segurança. Cosafe Latam. Disponível em: https://cosafe.com.br/guia-de-resposta-a-emergencia-em-escolas/

 Guide for Developing High-Quality School Emergency Operations Plain. Fema (Federal Emergency Management Agency). Disponível em: https://www.fema.gov/sites/default/files/2020-07/guide-developing-school-emergency-operations-plans.pdf

How To Stop Shootings and Gun Violence in Schools. Everytown for Gun Safety Support Fund. Disponível em: https://everytownresearch.org/report/how-to-stop-shootings-and-gun-violence-in-schools/

Nota técnica #15 – Extremismo violento em ambiente escolar. Monitor do Debate Político no Meio Digital. Disponível em: https://www.monitordigital.org/2023/03/29/nota-tecnica-15-extremismo-violento-em-ambiente-escolar/

Terrorismo e a mídia: um manual para jornalistas. Unesco. 2018. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000265479

Veículos de imprensa mudam política de cobertura de ataques a escolas. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-04/veiculos-de-imprensa-mudam-politica-de-cobertura-de-ataques-escolas

 

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