Por João José Forni (Autor do livro “Gestão de Crises e Comunicação – O que Gestores e Profissionais de Comunicação precisam saber para enfrentar Crises Corporativas”)
O Brasil foi surpreendido nas últimas semanas por dois ataques covardes em escolas para crianças, em São Paulo. O primeiro, na escola Escola Estadual Thomazia Montoro, em 27 de março, que resultou na morte de uma professora, além de três alunos feridos. O autor seria um aluno problemático, com passado de problemas em outra escola, e que no dia anterior teria se desentendido com outros colegas. O segundo ataque teve como protagonista um paranoico, de 25 anos, também com diversas passagens pela polícia. Ele pulou o muro de uma creche, em Blumenau-SC. E ainda usou um meio cruel, com uma machadinha, para atacar as crianças, assassinando quatro delas, entre 5 e 7 anos, e ferindo outras três. Os dois atentados causaram uma comoção nacional, pela forma gratuita e absurda; e colocou pais, professores e autoridades em estado de alerta, por se sentirem inseguros, ameaçados e vulneráveis.
Não é a primeira vez que maníacos ou ex-alunos invadem escolas no Brasil e cometem crimes, com mortes, nos últimos anos. É uma contrafação estúpida dos atentados nos EUA, que acontecem quase todos os dias e já se tornaram uma ‘doença psicossocial’ dos americanos, para os quais só o desarmamento geral da população poderia funcionar como remédio. Mas esse desvario não é exclusivo daquele país. Países adiantados como Nova Zelândia, França, Noruega (1), Canadá e mesmo a China, também são vítimas de psicóticos.
No Brasil, ataques violentos, com armas, em escolas, não são novidade. Basta lembrar o da Escola Tasso da Silveira, Realengo, RJ, em abril de de 2011, quando um ex-aluno invadiu as salas de aula, armado com revólver, resultando na morte de 12 alunos. Posteriormente, em Suzano, em São Paulo, em 2019: dois ex-alunos atacaram a escola Prof. Raul Brasil, após terem assassinado um tio deles, fora da escola. No tiroteio dentro da escola morreram cinco alunos e duas funcionárias. Esses casos mais emblemáticos ocorreram ao mesmo tempo em que creches e outras escolas sofreram invasões e atentados por alunos ou fanáticos, também com o registro de mortes.
Nova onda precisa ser contida
Ataques recentes, seguidos de ameaças, tentativas frustradas de invasão com armas nas escolas, posts com conteúdo de violência, são ações que aproveitam o momento para causar pânico na população e dar vazão a grupos de ódio, que vivem de provocar conflitos, seja no ambiente de trabalho, no meio político, quanto, agora, nas escolas. Eles aproveitam momentos como esse, de eventos lamentáveis, para agravar o clima de insegurança. Tudo isso com a força das redes sociais e de plataformas das chamadas Big Techs (Facebook, Instagram, Twitter, Tik Tok, etc), que estão sendo pressionadas pelo Ministério da Justiça, para administrarem e expurgarem esse conteúdo tóxico. Não sem alguma resistência.
Segundo César Felício, em artigo publicado no jornal “Valor Econômico”, (2) “Escola não é banco e nem aeroporto”, “parte do pânico é o chamado “swatting”: comunicação falsa de crimes pelo puro deleite de sobrecarregar sistemas de emergência e atrapalhar investigações”. Além da “malandragem”, como utilizar algoritmo em certas redes sociais, que monetiza pelo total de visualizações, por meio de ameaças inexistentes apenas para faturar mais. Ou seja, uma ação criminosa com um tema tão sensível quanto a segurança das escolas. Para a professora Rosângela Florczak, em artigo publicado nesta semana, no site “Cultura para o Cuidado“, o uso das redes sociais para estimular o terrorismo é “um tema árduo que governos e sociedade precisam enfrentar com rigor e celeridade, afinal, a comunicação gerenciada pelos algoritmos nas mídias sociais não é nem livre, nem democrática. É um negócio com fins lucrativos que usa os conteúdos dos indivíduos como matéria-prima e produto.”
Só para dar um exemplo de como esse material online faz mal: na semana passada, um aluno tentou agredir colegas numa escola de Salvador, tendo sido apreendido, por ser menor. Antes, a secretaria de Segurança da Bahia havia conduzido cerca de 20 pessoas entre adolescentes e adultos por envolvimento com produção e disseminação de boatos sobre ataques em instituições de ensino. Em Nota, a SSP informou que o estudante de 20 anos alegou ter sido orientado e instigado, por meio de um aplicativo, baixado em seu celular, para ameaçar colegas e professores. Ele utilizou uma faca para causar pânico no ambiente escolar. Ou seja, um jovem com 20 anos não é uma criança. Como pode justificar que foi ‘orientado’ a provocar violência em escolas e, como menino obediente, invadiu a escola? Ele não tem a dimensão de que está sendo cooptado para um crime? Alguma coisa está errada na gestão dessas redes, para permitir que fatos como esse aconteçam.
É Rosângela Florczak que alerta: “No horizonte das esperanças possíveis, há uma pista concreta para compreender como o medo assume esse lugar tão significativo na sociedade, especialmente no caso brasileiro. Não temos mecanismos de cuidado e prevenção. Nos sentimos desprotegidos porque nossa cultura reativa não permite que tenhamos um sistema de proteção confiável. Governos e organizações de todos os portes e todas as naturezas não investem em conhecimento e capacitação das pessoas para o cuidado de si e da coletividade.”
No Brasil, governos, autoridades policiais e educadores reagem a esses atentados ou ameaças na base da tentativa e erro. No âmbito federal e estadual, os governos literalmente não sabem o que fazer, pressionados pela opinião pública. Em Santa Catarina, por exemplo, o governador, sem qualquer estudo de viabilidade de segurança ou financeira, anunciou que irá colocar um policial armado, em cada escola (mais de 1.000 estabelecimentos), como se isso fosse a solução nesse momento, e como se já não tivesse sido testado nos EUA. Onde não deu certo.
Como disse César Felício, no mesmo artigo citado, “a estratégia de criar esquemas ostensivos de segurança nas unidades escolares é capaz de trazer uma sensação momentânea de tranquilidade, mas transformar escolas em agências de banco ou terminais de embarque em aeroportos não é uma solução estrutural e não impede novos ataques, do contrário os Estados Unidos seriam blindados contra situações assim”. Para crianças de uma creche, que estão começando a entender o que significa sair do aconchego do lar e ir para um ambiente estranho, imaginem o que pode representar um policial armado, sempre presente, naquele lugar.
Na linha da gestão por espasmos, o governo liberou também R$ 150 milhões para segurança das escolas. Mas esses recursos vão ser empregados como? Em quê? Isso ainda não ficou claro. Todos querem mostrar serviço, num momento extremamente delicado para os estudantes e professores, quando a educação, o cumprimento do calendário, do programa escolar, do curriculum deveriam ser o principal foco da escola. Se desde 2020, a pandemia atingiu em cheio a educação brasileira, como um míssil em cima do que já era ruim, agora, quando estava na hora de recuperar pelo menos parte do que se perdeu, aparece essa nova ameaça, tão perigosa para o futuro de crianças e adolescentes, como foi a pandemia.
O ministro da Justiça anuncia uma pressão e penalidades aos portais da Internet que disseminam ‘fake news’ relacionadas a ameaças e risco de mortes em escolas. Uma delas, o Twitter, estava resistindo a tirar conteúdos tóxicos do ar, mas com a pressão das autoridades brasileiras parece que resolveu ceder. Essa cruzada tem que ser feita, mas principalmente punir alunos ou maníacos que, de qualquer forma, cometam crimes de ameaças a professores, pais e colegas, como está acontecendo. Alunos deveriam saber que envolvimento nesses atos, caracterizados como terrorismo, implica penalidades pesadas, como a expulsão da escola. A UnB estuda se cabe a expulsão de um aluno do curso de Comunicação que plantou ameaças terroristas em banheiro da Universidade. As penalidades precisam ser duras e exemplares. Não dá para passar a mão na cabeça de quem se envolve em terrorismo escolar, como se fosse natural brincar com a vida dos outros nesse mundo conectado. Não é.
Não há dúvidas de que as medidas anunciadas foram gestadas no calor dos atentados e de ameaças, sem grandes debates, seja com a sociedade, seja com o mundo político, policial ou com especialistas em educação. O governo quis mostrar serviço rapidamente. O pacote de medidas foi aprovado como reação aos atentados ou centenas de ameaças de ataques. Apesar dessa ação proativa, isso não é bom, num momento em que o tema está sob pressão da população e ainda no calor do debate sobre o que realmente precisa ser feito. Esse tema das escolas não comporta espasmos que acontecem, quando barragens se rompem, edifícios, boates, museus incendeiam e se anunciam ‘medidas rigorosas’ que não se efetivam.
O que os Estados Unidos têm feito
Recente artigo, publicado no jornal The New York Times, admite que “por décadas, tratamos a violência armada como uma batalha a ser vencida, e não como um problema a ser resolvido – e isso nos deixou pior do que em lugar nenhum. Em 2021, um recorde de 48.000 americanos foram mortos por armas de fogo, incluindo suicídios, homicídios e acidentes.”
“Essa realidade é o que permitiu que um jovem de 18 anos obtivesse um fuzil de assalto e matasse 19 crianças e dois professores em uma sala de aula de uma escola primária em Uvalde, Texas, em 2022 (3). E é isso que torna os Estados Unidos uma exceção global quando se trata de violência armada, com mais mortes por arma de fogo do que qualquer um de seus pares.”
“Leis mais rígidas sobre armas parecem ajudar. Elas estão associadas a menos mortes por armas de fogo, tanto no contexto doméstico quanto global, enquanto leis mais brandas sobre armas estão associadas a mais mortes por armas de fogo.”
Mas nem as autoridades americanas têm a receita de como frear ou reduzir essa permanente saga de atentados a bala, dos EUA. Para se ter uma ideia, até o fim de março deste ano já foram registrados 146 tiroteios naquele país, muitos deles com mortes. No ano passado, foram 647 atentados desse tipo, nos mais diversos lugares, de escolas a casas de diversão.
Recentemente, a Federação Americana de Professores (AFT) e a Associação Nacional de Educação (NEA), que representam milhões de professores, administradores e empregados, em função do atentado em Uvalde, se debruçaram num trabalho para tornar as escolas americanas mais seguras. As principais recomendações do relatório constam na publicação do artigo How to Stop Shootings and Gun Violence in Schools, citado abaixo.
Autoridades e políticos já se convenceram de que colocar policial ou empregados armados nas escolas pode até inibir, mas não evita problemas de segurança. Pode funcionar como uma medida inibitória, mas a simples presença do policial não impediria os atentados. O governo dos EUA preferiu oferecer recursos para as escolas melhorarem a segurança, desde a construção de muros, portões de segurança e ampla cobertura com câmeras. O FBI há anos estuda o modus operandi dos atentados, tentando reduzi-los com medidas de segurança, mas principalmente com a restrição a armas. Objetivo sempre frustrado pelo lobby da NRA- National Rifle Association, com respaldo dos Republicanos, no Congresso, e dos fabricantes de armas. Especialistas preferem apostar num programa de conscientização dentro das escolas. E num trabalho de inteligência, para estudar o perfil, monitorar e identificar possíveis atiradores.
Essa atuação do FBI foi intensificada, principalmente, após o famoso “massacre de Columbine”, ocorrido em abril de 1999, em Columbine, Colorado, quando dois alunos, com armas e bombas mataram 12 colegas e um professor, além de ferirem 21 pessoas na Columbine High School. Este atentado se tornou um ícone da violência gratuita e da vulnerabilidade das escolas, nos Estados Unidos. E, de certo modo, de tudo mais que vem acontecendo nesses 24 anos, no ambiente escolar americano, e até mesmo no Brasil e outros países. É a reprise estúpida e psicótica daquele filme de horror que aconteceu em Columbine e parece não ter fim.
(1) Noruega: em julho de 2011, um atirador militante nazista provocou uma explosão no centro de Oslo, para distrair os policiais, e se dirigiu a uma ilha, onde ele sabia que havia uma convenção política de jovens. Fortemente armado com fuzil e pistolas, ele começou a atirar nos estudantes e matou 69 pessoas, ferindo dezenas, sem que a polícia pudesse evitar. Até ser preso.
(2) Escola não é banco nem aeroporto, Cesar Felício, Valor Econômico, 14/04/2023.
(3) Em 27 de julho de 2022, um atirador invadiu uma escola em Uvalde, Texas, EUA, e matou 19 crianças e dois adultos, sendo morto em seguida. Além de 12 feridos.
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