Não é de hoje que a agenda da agricultura sustentável tem desafiado pesquisadores e produtores a fomentar a produção de alimentos saudáveis, que ajudem a melhorar e manter os ecossistemas e proporcionem melhorias progressivas na qualidade dos solos, sem perder a qualidade e nutritividade do alimento. Ao mesmo tempo, encontrar alternativas para a incorporação dos agricultores familiares no mercado e para a ampliação da renda tem sido desafiador.
O projeto de Arroz Sem Defensivos Agrícolas entra no mercado não para competir nem conflitar com os produtos convencionais, mas para responder a um público consumidor alternativo, além de incentivar novas pesquisas no ramo, com potencial de favorecer a outros produtos diferenciados. A partir deste ponto, o Grupo de Pesquisa em Arroz Irrigado e Uso Alternativo de Várzeas, da Universidade Federal de Santa Maria (GPAI-UFSM), coordenado pelo Professor Enio Marchesan, inovou na pesquisa sobre a produção de arroz sem o uso de defensivos químicos, para atender a demanda existente no mercado e, assim, oportunizar aos agricultores familiares acréscimo de renda a partir de um novo produto com um valor agregado.
Ao longo da caminhada, as seguintes instituições se juntaram a iniciativa: a PoliFeira do Agricultor, o Instituto Riograndense de Arroz (IRGA), a Emater/RS-ASCAR, o Grupo Meta de Desenvolvimento Agrícola de Agudo, a Cooperativa Camnpal de Nova Palma, a Prefeitura de Dona Francisca, a Prefeitura de Faxinal do Soturno e a Cooperativa de Produção e Desenvolvimento Rural dos Agricultores Familiares de Santa Maria - RS (COOPERCEDRO). Os agricultores receberam visitas técnicas durante todo o ciclo produtivo, assim, na medida em que as dificuldades foram superadas, os objetivos foram readequados.
A nova safra do arroz será colhida em abril e trará novos resultados para o projeto. Os grãos serão analisados no Laboratório de Análises de Resíduos de Pesticidas da UFSM (LARP), o que permite garantir ao consumidor a certeza de que esse arroz está apto a ser comercializado como isento de resíduos químicos. No último ano, o arroz foi proveniente de 3 agricultores e totalizou 10 hectares de área colhida. Já na safra 2022/2023, o número de participantes aumentou para 5, com 21,7 hectares de área plantada. Estima-se que a produção será de 3700 sacos.
A PoliFeira do Agricultor entra como apoiadora da iniciativa a partir do momento que os ideais dos projetos são similares, como o de proporcionar uma renda de um produto com valor agregado aos agricultores, e o de ser um alimento que não prejudica a natureza. O arroz oriundo do projeto tem a feira como um dos participantes da promoção de vendas, a qual tem como propósito despertar a comunidade para este nicho de consumo.
O projeto
O projeto de produção do arroz sem o uso de defensivos agrícolas nasceu no ano de 2016, a partir da realidade dos agricultores familiares para então chegar a um sistema de produção orgânico. Nesse processo, havia duas dificuldades principais: uma relacionada ao controle de ervas daninhas – a matocompetição – e outra relacionada à nutrição de plantas, para que crescessem saudáveis mesmo que com fertilizantes orgânicos. Porém, além disso, o processo para obter o selo de orgânico foi complicado e se tornou pouco acessível. Por isso, migrou-se para o sistema chamado “sem uso de defensivos químicos”, que é destinado para outro nicho de público, aqueles que procuram por este tipo de alimento (sem defensivos químicos) mas por um preço inferior a um arroz certificado e com selo. Para atender a demanda nutricional das plantas e para alcançar uma produtividade elevada, são utilizadas as mesmas fontes minerais de fertilizantes do arroz convencional, mas não são utilizados herbicidas, inseticidas e fungicidas. Para o coordenador do projeto, Enio, novos problemas podem aparecer em qualquer tipo de produção, por esse motivo, a pesquisa para atender essas necessidades é sempre uma grande aliada, além de que, segundo ele, neste projeto especificamente, ter uma equipe preocupada com a evolução, esforçada e focada é de extremo valor.
Importância da pesquisa para a inovação das produções rurais
A pesquisa é uma ferramenta indispensável, tanto para o Ensino Técnico, quanto para o Ensino Superior, e merece ser estimulada não só pelas instituições, mas também pelos professores, que são aqueles que atuam como responsáveis pela propagação do conhecimento e pela iniciação à pesquisa científica. Já que estas desempenham papel crucial na inovação tecnológica de diversas áreas, além de proporcionarem ao país melhorias em seu desenvolvimento.
“A universidade tem o desafio de provocar ações mais completas e complexas na inovação e na solução de problemas que atingem diferentes públicos”, comenta o coordenador da PoliFeira, Gustavo Pinto. No caso do projeto do Arroz Sem Defensivos Agrícolas, de um lado está a economia circular e o agricultor, que precisa de renda, já do outro está o consumidor, que busca por um alimento alternativo, e a preservação do meio ambiente. O que representa vantagens para as diferentes ramificações do mercado, dentro da linha entre quem produz e quem consome.
Ao mesmo tempo, a tecnologia de ponta é aplicada nesta pesquisa, na utilização de bioinsumos para o mantimento da produção do arroz. Isto demonstra que a busca por soluções, na construção de um conhecimento para resolver problemas – que por vezes parecem difíceis para os agricultores familiares, é deveras importante, como a exemplo da questão do controle de pragas e doenças.
O projeto do Arroz Sem Defensivos procura, também, integrar diferentes áreas do conhecimento, ao abrigar desde a parte do manejo da cultura do arroz, da fertilidade de solos, da extensão rural, da biologia e dos bioinsumos, até o tema do abastecimento alimentar, da economia e da construção de mercados e públicos. Todas estas áreas, quando trabalham de forma integrada, conseguem atender de forma mais detalhada e sistêmica os desafios enfrentados pela cadeia produtiva do arroz.
A prática da pesquisa nas universidades, além de produzir conhecimento, ao responder perguntas e solucionar dúvidas, também é uma ferramenta importantíssima para a inovação de conceitos e, por fim, para obter um pensamento racional e mais próximo da verdade. Dessa forma, a significatividade do projeto, que é vinculado à UFSM, está na busca por uma proposta relevante e aplicável na prática, que seja uma resposta sustentável para uma demanda comercial. Além disso, o foco em um tema emergente faz com que a pesquisa seja de extrema relevância, por ter em vista a produção de alimentos limpos, que preservem a biodiversidade e que valorizem a agricultura familiar.
Como no projeto não são usados fungicidas ou inseticidas, apressou-se também a necessidade de informação, para saber sobre a participação e contribuição dos produtos biológicos para a melhora da qualidade e produtividade dos grãos. Segundo Enio, um dos legados deixados pelo estudo é que se um bom sistema de irrigação é importante para o arroz convencional, para o sistema sem defensivos se torna fundamental, além do controle da lâmina d’água e do nivelamento da área, que são essenciais para este tipo de produção.
As pesquisas na área ajudam não só na produção desse tipo de arroz, mas também auxiliam para avanços no sistema de arroz convencional, através da melhoria e precisão das práticas de manejo adotadas. Os investimentos feitos na lavoura para projetos como este são extremamente benéficos para as demais plantações, por proporcionar áreas com menos plantas daninhas. Porém, de qualquer forma, esta ainda é uma área que não possui grandes investimentos em recursos para a pesquisa e a promoção do produto, por isso necessita de apoio governamental, além de empresas e agricultores que estejam dispostos a investir e aprender com o projeto.
Pesquisar é utilizar de uma ferramenta que permite aprofundar conhecimentos em diversas áreas e, também, auxilia na criação e fomentação do aprendizado a partir de uma série de atividades, como visitas de campo e conversas com os agricultores – no caso da produção de arroz. Além disso, o despertar da curiosidade por parte dos alunos, as reflexões e a busca de solução para problemas que existem na sociedade, auxiliam na construção de novas teorias e alternativas ainda não existentes.
A aluna de Desenho Industrial, Julie Vescia, acompanhou o processo de divulgação do arroz e auxiliou na elaboração de banners e de rótulos de embalagens, além de produzir e editar vídeos sobre o projeto. Para ela, é enriquecedor trabalhar diretamente com o agricultor e ouvir como ele se sente, desde as inseguranças ao ingressar no projeto, os desafios do processo até as expectativas sobre o produto final. “Me ajudou não só a ‘me apropriar’ do projeto para desenvolver os materiais gráficos, mas também a refletir os caminhos do alimento até chegar na nossa mesa”, reflete. Ela cita que, antes, nunca tinha chegado a pensar sobre como funcionaria o processo de migração do plantio convencional para uma produção orgânica – para o agricultor familiar – ou o que aconteceria com a produção no meio desse caminho. Julie comenta que a pesquisa em torno do projeto a fez analisar as maneiras possíveis e melhores de comunicar as características desse produto, que é sem veneno, mas não tem o respaldo dos selos de certificação de orgânico como validador. “Foi feito o uso intencional de elementos que demonstrem que é um produto mais responsável, saudável e limpo, sem que pareça elitizado, como grande parte dos produtos orgânicos certificados, porque ele não é”, complementa.
Para saber mais sobre o arroz e onde ele será comercializado, acompanhe o Instagram da PoliFeira: @polifeira.
Texto: Júlia Petenon.
Edição: Giuliana Seerig.