A Polifeira do Agricultor é um projeto de extensão da Universidade Federal de Santa Maria que tem por finalidade trazer para debate as questões que envolvem o abastecimento e a produção de alimentos – dentro das características específicas do território da Região Central do Rio Grande do Sul. O propósito é trabalhar apenas com agricultores familiares, ao fortalecer manejos biológicos e sem a utilização de agrotóxicos em suas produções. A distribuição e a oferta de alimentos são marcadas pela condição de participação individual de cada feirante, o que pode afetar no número de bancas e produtos disponíveis na feira.
Um dos requisitos para participar da feira é que os interessados sejam agricultores familiares, oriundos de Santa Maria e Região, com produção própria, que tenham dificuldades de inclusão em mercados locais, e que se disponibilizem a produzir comidas saudáveis, assim como participar de atividades de pesquisa, ensino e extensão. O que difere a PolFeira de outras feiras livres é o fato de que nela a produção é somente aquela que os próprios agricultores, não atravessadores, conseguem produzir e administrar, ou seja, eles não fazem intermediação de alimentos – como, por exemplo, comprar alimentos de atacadistas para revender. Até que o alimento chegue na feira, os agricultores precisam reunir as condições de conhecimento, escolher as melhores tecnologias, dispor de mão de obra e infraestrutura física e, ainda, necessitam de condições climáticas adequadas. Nos últimos três verões, o Rio Grande do Sul sofreu com estiagens severas, e isto tem colocado os feirantes em uma situação desafiadora.
A equipe de Comunicação e Assistência Técnica da PoliFeira acompanha, há meses, a situação dos feirantes participantes. Neste ano, as condições de calor excessivo e temperatura do solo inviabilizam os transplantes e as semeaduras de hortaliças. O agricultor André Raddatz, participante da PoliFeira, salienta que mesmo no caso de ter disponibilidade de água, fazer a irrigação em tempos de calor excessivo não exclui o risco de provocar queimaduras nas hortaliças. O maior problema, no entanto, reside no fato de que os reservatórios de água estão quase todos secos, sem a disponibilidade mínima de água para fornecer às plantas.
A feirante e engenheira agrônoma Eliane Medeiros, de São Martinho da Serra, participava da PoliFeira do agricultor com frequência, no mínimo uma vez por semana, na Avenida Roraima. Com a estiagem, porém, a produtora perdeu todo o milho que plantou para vender. Mesmo que tenha alguns poucos produtos para comercializar, como a vagem, por exemplo, o custo do deslocamento não se justifica. Como a feira conta com agricultores de outros municípios afetados, a realidade de Eliane não é diferente das demais. Ela ainda salienta que toda hortaliça possui um ciclo; o da alface, por exemplo, dura 45 dias, o que significa que, mesmo que chova em um dia, a planta não ficará pronta para colher instantaneamente. Outra questão abordada pela agricultora é a realidade do desmatamento da mata brasileira, que é feito sem a medida das consequências e acaba por influenciar o regime de chuvas e a capacidade de acúmulo de águas superficiais.
O fato é que a feira tem dificuldades, em tempos de calor ou frio demasiados, de se manter com a mesma oferta e diversidade de alimentos de quando o clima está mais ameno. O resultado destes fatores também reflete na oferta de alimentos para o futuro. O agricultor André Raddatz, por exemplo, conta que em função dessa pouca disponibilidade de água, os citrus têm abortado as frutas pequenas, o que certamente reduzirá a quantidade de bergamotas e laranjas no período de safra.
Segundo Gustavo Pinto, coordenador da PoliFeira, mesmo que incomode e preocupe, este é o retrato do sistema alimentar de nossa região, assim como a invisibilidade que o alimento toma na realidade da maioria das pessoas. “As pessoas estão acostumadas a comprar somente nos pontos de venda e pouco se perguntam sobre tudo que está por trás do processo de produção até o alimento chegar a sua mesa”, comenta. Ele completa ao afirmar que fatos como esse demonstram que políticas públicas de abastecimento são necessárias.
A Prefeitura de Santa Maria, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Rural, tem realizado construções de açudes em propriedades rurais do interior do município. Alguns feirantes, como o caso de Ademir Negrini de Três Barras, são uns dos beneficiados.
Em uma visita a propriedade do agricultor participante da feira Jorge Fontana, a equipe da PoliFeira relatou diversos danos devido a seca severa. Os açudes secaram e as hortaliças não se desenvolveram, em alguns casos, como o do brócolis, o legume se desenvolveu mas ficou inconsumível por conta da rigidez causada pelo calor e pela falta de água. Jorge é um dos feirantes que precisou deixar sua banca temporariamente por não possuir produtos para comercializar, o produtor afirma que neste ano a seca foi tão forte que tem o impossibilitado de plantar.
Na propriedade da agricultora Cleusa Hans, diversas produções foram afetadas, entre elas estão os cachos de bananas, que hoje possuem frutos de tamanho reduzido e em menor quantidade, e as árvores de frutas cítricas que têm perdido as folhas por conta da falta de água e, também, abortado os frutos – o que, consequentemente, causa uma menor produção para os próximos meses.
Para a produtora Miraci Schu, a situação com a água está complicada, a família está sem água para irrigação das plantações e com dificuldades na obtenção de água para beber – os córregos secaram e os açudes estão com os peixes embaixo do nível da água. Assim como para Cleusa, o problema com a produção de frutas cítricas também tem afetado Miraci.
O feirante e produtor de morangos Nélio Kickhöfel, reflete que a Região Central do Rio Grande do Sul enfrenta atualmente a maior estiagem que ele se lembra dos últimos 10 anos. Segundo ele, os açudes de sua propriedade estão secando um a um. “Com a atual temperatura aqui em nossa microrregião, o morango, que é nosso produto principal, está apenas sobrevivendo, não tem produção”, salienta. Nélio afirma acreditar que os colegas da agricultura que vendem produtos provenientes de plantas estejam na mesma situação que ele, por conta do excesso de calor e da falta de água. O agricultor trabalha há anos para ter e manter uma reserva de água em suas terras, porém, apenas isto não adianta porque as plantas não suportam as temperaturas altas.
Além dos fatores que cercam a estiagem, o frio e as chuvas fortes também afetam as plantações. Por isso, mesmo que o projeto PoliFeira do Agricultor tente ajudar os produtores com visitas técnicas para buscar alternativas para amenizar situações de perda de produção, as condições climáticas, por sua vez, não estão sob o controle dos pequenos produtores.
O projeto também se preocupa com as questões ambientais, por saber que se deixadas de lado, afetam drasticamente o clima brasileiro, como com o desmatamento e com a poluição. Por isso, instrui os produtores a pensar em sistemas de produção que protejam os recursos naturais, como as agroflorestas. Além de incentivar práticas mais sustentáveis e não tão agressivas ao meio ambiente e a saúde do ser humano, como o manejo biológico citado anteriormente.
Os agricultores familiares brasileiros são quem abastece o país, com 70% dos alimentos sendo provenientes de suas produções, fato compreendido e frequentemente comentado pelos participantes do projeto. Em vista disso, a produtora Eliane Medeiros salienta que o debate acerca do assunto, que engloba as dificuldades nas produções destas pessoas, necessita ser discutido e entendido pelos consumidores. Por isso, a realidade do pequeno agricultor precisa ser mostrada.
Texto: Júlia Petenon
Edição: Giuliana Seerig