No primeiro semestre letivo de 2017 as acadêmicas do terceiro semestre do Curso de Educação Especial do Centro de Educação visitaram a Escola Estadual de Educação Especial Dr. Reinaldo Fernando Cóser, na disciplina de Desenvolvimento Linguístico e Educação de Surdos. A visita faz parte da atividade da disciplina ministrada pela professora Elisane Rampelotto, com o objetivo de possibilitar a integração dos alunos com a realidade da educação de surdos em Santa Maria.
A Escola Fernando Cóser, fundada em 2001, é pioneira na educação de surdos na cidadee única na região central. O médico otorrinolaringologiasta Dr. Cóser, preocupado com a educação das crianças surdas, que não conseguiam aprender, empenhou-se em trazer para a UFSM, na década de 1960, a formação de professores na área da educação dos surdos. Nasce na região central a possibilidade e expansão da educação de surdos em Santa Maria-RS. É assim, fruto do trabalho conjunto com os professores da UFSM, professores do estado e comunidade surda que surge a escola, que hoje já completou 16 anos educando surdos dentro da perspectiva bilíngue – língua de sinais e o português na modalidade escrita.
A professora Elisane, que é responsável pela disciplina de Desenvolvimento Linguístico e Educação de Surdos desde que assumiu a docência em 1994 no Curso de Educação Especial Diurno no Centro de Educação, relata que é nessa cadeira que os estudantes de Educação Especial tem um dos primeiros contatos com comunidade de surdos desde que a escola foi criada. Na intenção de possibilitar um maior contato com esta comunidade que a professora leva todos os anos a sua turma na escola Fernando Cóser. Na visita os acadêmicos observam tudo o que é trabalhado em língua de sinais (abrange o ensino de crianças a adultos) onde o surdo é dotado de uma diferença sócio-linguística, interagindo com as pessoas a partir da experiência visual.
Conforme a professora, dizer que a surdez não é uma deficiência auditiva, mas é uma experiência visual, muda o pensamento sobre tudo o que se refere a esse conceito: sobre a questão da escola, sobre a questão do bilinguismo sobre as questões didáticas, etc. Constitui uma mudança radical de percepção que precisamos ter dos surdos para que se tenha a percepção da visão. Toda a compreensão é mediada pela língua de sinais, que é considerada um elemento de identidade entre os sujeitos surdos.
É por esse motivo que não podemos ver o surdo como um doente, com perda auditiva, com falta de algo ou alguma coisa. É preciso entender que os surdos se constituem como sujeito com experiência visual e como grupo que discute e opina sobre suas vidas. “A comunicação visual é um dos referenciais mais significativos, quando se trata dos surdos e da surdez, pois é ela que constitui a diferença e, desse modo também a identidade é construída a partir das relações sociais e culturais” ressalta a professora.
Elisane conta que cursou Pedagogia nos anos 80, quando ainda não existia o Curso de Educação Especial na UFSM. No último ano do curso existia a disciplina de “Psicopedagogia do Excepcional”, onde na época descobriu que poderia escolher continuar os estudos como habilitação do curso. Foi então que teve o primeiro contato com os sujeitos surdos e resolveu continuar nessa área. No entanto, a perspectiva do “outro” que aprendeu na Habilitação de Deficientes da Audiocomunicação é diferente da que tem agora e que passa aos seus alunos da Educação Especial. Segundo ela “a imagem que tinha do outro surdo, enquanto realizava o curso de formação, era a de doente que precisava ser curado da surdez, precisava falar a qualquer custo, precisava ouvir de qualquer jeito”, visão que perpassa seu modo de trabalho durante os primeiros anos de sua vida profissional.
Foi no decorrer de sua formação pessoal e profissional, tendo contato com outras áreas de estudo no mestrado, que começou a questionar a sua formação pedagógica. Passou assim a abordar a educação a partir da questão linguística como ponto central de identidade da alteridade surda – a aquisição de uma língua própria, a LIBRAS, que tornou-se pauta também da comunidade surda nesta época.
Até então ela pensava que fazer o surdo falar ou fazer leitura facial, era a língua deles, o que, segundo Elisane, permitia a criança aprender em torno de 30% do que era ensinado. Isso acarretava sérios problemas no ensino, visto que a criança ia até o segundo ou terceiro ano e depois não conseguia continuar, devido a grande defasagem no aprendizado. Assim, já se tinha perdido muito tempo tentando ensinar a criança a falar, dificultando que ela adquirisse uma língua própria.
A partir de então, a presença do surdo para ensinar a língua de sinais, é uma constante em todos os trabalhos que Elisane desenvolve. Antes de assumir a docência, Elisane comenta que trabalhou como professora de surdos no Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação Especial da UFSM durante 10 anos. Neste período, enquanto realizava o mestrado no final da década de 1980 propôs juntamente com uma professora linguista a inclusão da disciplina de LIBRAS como ACG no programa do curso.
Em 2002, resultado de grande luta da comunidade surda, foi oficializada a Lei nº. 10.436, que dispõe sobre a Libras. No entanto, foi só em 2005 pelo Decreto nº. 5.626, em seu Art. 3º que determina que a Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores.
Atualmente, no Curso de Educação Especial são ofertadas quatro disciplinas de Libras no currículo. Concomitante a primeira delas, na disciplina de Desenvolvimento Linguístico na Educação de Surdos é que a professora leva os alunos para conhecer a escola da comunidade de Santa Maria, pois acredita que seja fundamental para a formação desses estudantes, visto que em geral só é possível se tornar fluente na língua tendo o convívio com pessoas surdas e fazendo a imersão na comunidade que utiliza a Libras como primeira língua.
A professora destaca a importância de aprendermos a língua para conseguirmos nos comunicar. “A forma de acessibilidade e comunicação é o aprendizado dessa língua e é por aí que temos que pensar na questão dos surdos, para entender e ser entendido precisamos falar a língua do outro” ressaltou Elisane.
Diante disso, torna-se evidente a importância de conscientização de todas as pessoas envolvidas na área da surdez conhecer a cultura, a identidade e a comunidade surda bem como aprender a língua de sinais, de modo que possam interagir com esses sujeitos, beneficiando-os desde muito cedo nessa aquisição e aprendizagem.
Acadêmicas do terceiro Semestre de Educação Especial em visita a Escola Estadual
de Educação Especial Dr. Reinaldo Fernando Cóser
Texto por Luciana Turcato, acadêmica de Jornalismo. – Núcleo de Comunicação Institucional do CE/UFSM. Foto: enviada por Elenise Rampelotto.