Foi publicado na última semana, no periódico científico The Anatomical Record (dos EUA), um estudo apresentando detalhes do esqueleto de um predador de cerca de 240 milhões de anos. A equipe liderada pela paleontóloga Bianca Mastrantonio, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), descreveu o esqueleto mais completo de Prestosuchus chiniquensis já encontrado até o momento. Coletado em rochas do município de Dona Francisca, o fóssil foi estudado por uma equipe de pesquisadores de quatro instituições e dois países. O estudo contou com a colaboração de paleontólogos do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica (Cappa) da UFSM.
“Prestosuchus é um animal icônico”, pontua Bianca. “Foi o maior predador que já habitou nosso estado, e na época em que viveu estava entre os maiores predadores do mundo.”
A espécie foi descoberta há quase um século, em uma expedição empreendida pela Universidade de Tubinga (da Alemanha) no ano de 1928, na região de Chiniquá, no município de São Pedro do Sul. Contudo, era conhecida principalmente por esqueletos incompletos e fragmentados. “Isso sempre foi um problema”, explica o professor Cesar Schultz, da Ufrgs, coautor do estudo. “Para que possamos atribuir vários fósseis a uma mesma espécie, precisamos que eles preservem os mesmos ossos. E no caso de Prestosuchus, muitos dos fósseis conhecidos eram de diferentes partes do esqueleto, sem sobreposição de elementos”.
“Essa é a beleza deste esqueleto”, comemora a paleontóloga argentina Julia Desojo, da Universidade Nacional de La Plata, que também participou do estudo. “Temos quase todos os ossos do crânio preservados, e a maior parte do esqueleto pós-craniano. Esse nosso espécime será um dos principais materiais de referência para a espécie.”
“Essa é uma das conclusões do estudo” explica o pesquisador Marcel Lacerda, do Museu Nacional. “Por sua completude, o novo material agora permite comparar espécimes fragmentários, e confirmar que a maior parte deles, coletados no último século, são todos da mesma espécie.”
Prestosuchus foi um animal quadrúpede e carnívoro. “Evolutivamente falando, ele está na raiz de uma linhagem chamada Loricata, que viria a dar origem aos atuais jacarés e crocodilos”, avalia a paleontóloga Letícia Rezende de Oliveira, do Cappa/UFSM.
A equipe ainda levou um fragmento do úmero do animal até o Museu Nacional, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde aspectos de sua biologia foram inferidos a partir de análises histológicas. “Analisando os ossos microscopicamente, pudemos identificar que o animal estava crescendo de forma lenta, além de apresentar várias linhas de crescimento, que sugerem que esse animal já fosse um adulto”, aponta o paleontólogo Brodsky Farias, da Ufrgs. “E provavelmente o animal ainda estava em fase de crescimento.”
“Isso não surpreende”, aponta o paleontólogo Flávio Pretto, do Cappa/UFSM. “O indivíduo que estudamos nesse trabalho teria um pouco mais de quatro metros de comprimento. Mas conhecemos outros fósseis do animal que eram pelo menos duas vezes maiores.”
O fóssil descrito pelo grupo de pesquisadores faz parte do acervo tombado da Ufrgs. O público pode encontrar uma réplica dele (uma cópia feita por Flávio Pretto) em São João do Polêsine, na mostra permanente do Cappa. Em seu acervo, o Cappa conta com outro fósseis de Prestosuchus, que estão sendo estudados no momento, com o objetivo de completar o esqueleto da espécie.
A pesquisadora Bianca Mastrantonio ressalta que, mesmo com quase cem anos desde a descoberta dos primeiros fósseis, ainda há segredos a desvendar sobre a biologia de Prestosuchus, e conclui: “Ainda temos trabalho pela frente”.