Os nanomateriais estão revolucionando diversas áreas da ciência e da tecnologia, trazendo avanços que abrangem desde a medicina até a agricultura. Imagine um protetor solar invisível, que protege a pele sem deixar resíduos, ou tratamentos contra o câncer, que atacam apenas as células doentes. Esses são apenas alguns exemplos das inovações proporcionadas pelos nanomateriais, que possuem propriedades únicas devido ao seu tamanho diminuto. No entanto, enquanto esses materiais abrem portas para um futuro mais eficiente e sustentável, eles também levantam preocupações sobre a nanotoxicidade, ou seja, os possíveis efeitos tóxicos dessas partículas minúsculas no meio ambiente e na saúde humana.
Nesse cenário, a busca por soluções que possam unir “inovação” e “sustentabilidade” se torna essencial. É aqui que se envolve o Grupo de Química de Materiais (GQMate): uma equipe dedicada ao desenvolvimento de nanomateriais sustentáveis e multifuncionais, composta por docentes e estudantes do Centro de Ciências Naturais e Exatas (CCNE), com o objetivo de enfrentar desafios globais de sustentabilidade. A coordenação do projeto é de responsabilidade da Profa. Dra. Carolina Ferreira de Matos Jauris e suas linhas de pesquisa concentram-se em materiais em escala nanométrica, como grafeno, nanotubos de carbono, e seus nanocompósitos com nanopartículas (metálicas) e polímeros (naturais e sintéticos).
Esses materiais são projetados para desempenhar diversas funções em diferentes setores, com uma atenção especial para minimizar o impacto ambiental desde a escolha dos reagentes até suas aplicações finais.
Você sabe o que são nanomateriais e nanotoxidade?
O conceito de nanomateriais podem ser definidos como materiais que possuem pelo menos uma dimensão na escala nanométrica, abaixo de um tamanho crítico capaz de alterar suas propriedades, ou seja, uma medida de tamanho que equivale a um milésimo da espessura de um fio de cabelo humano. Devido ao seu tamanho, os nanomateriais contêm propriedades físicas, químicas e biológicas únicas, que não são observadas nas formas de maior tamanho, o que os torna valiosos para aplicações avançadas em áreas como medicina, eletrônica e energia. Porém, o uso crescente desses, levanta preocupações sobre sua toxicidade.
Assim, a nanotoxicidade se refere aos efeitos tóxicos potenciais que os nanomateriais podem causar em organismos vivos e no meio ambiente. Devido ao seu tamanho, os nanomateriais podem interagir de forma diferente com células e tecidos, podendo atravessar barreiras biológicas e provocar reações adversas, como inflamação ou danos celulares, exigindo uma avaliação criteriosa de sua segurança.
Sustentabilidade e multifuncionalidade: Uma nova perspectiva em nanomateriais
A sustentabilidade é um pilar essencial do GQMate, que prioriza o uso de reagentes naturais e de origem nacional, bem como resíduos industriais, visando minimizar o impacto ambiental desde a síntese até a aplicação dos nanomateriais. Deste modo,os nanomateriais contribuem para o fortalecimento da economia local e promovem um processo ambientalmente amigável, desde sua origem, ao descarte dos reagentes e compostos. Em vez de utilizar solventes tóxicos e consumir grandes quantidades de energia, o grupo adota métodos mais ecológicos, como o uso de água e condições ambientais controladas.
Além disso, os nanomateriais desenvolvidos pelo grupo são multifuncionais, ou seja, podem ser aplicados em diferentes áreas. Materiais baseados em carbono, como grafeno e nanotubos de carbono, por exemplo, podem ser empregados na purificação de água, na agricultura sustentável e na geração de energia limpa. Isso permite que, com um único material, seja possível abordar múltiplos desafios globais, economizando recursos e aumentando a eficiência dos processos.
Nanotoxicidade: Um desafio para a segurança biológica e sanitária
Apesar dos benefícios, a nanotoxicidade é uma preocupação crescente. Devido ao seu tamanho diminuto, os nanomateriais podem interagir de maneira inesperada com células e tecidos, potencialmente atravessando barreiras biológicas e causando reações adversas. “Para que um nanomaterial seja realmente sustentável, a nossa preocupação é que, ao final do seu ciclo de vida, ele não apresente toxicidade significativa a diferentes organismos”, destaca a Dra. Carolina. O que envolve uma avaliação rigorosa da segurança dos materiais desenvolvidos, desde sua produção até o descarte.
Algum dos efeitos incluem:
- Penetração em Barreiras Biológicas: Os nanomateriais podem atravessar barreiras biológicas, como a barreira hematoencefálica, que tem a função de proteger o cérebro de substâncias prejudiciais presentes no sangue. Isso pode resultar em neurotoxicidade, afetando o sistema nervoso central.
- Efeitos no Sistema Imunológico: Alguns nanomateriais podem interagir com o sistema imunológico, que é o nosso sistema de defesa, provocando mecanismos de defesa inadequados ou suprimindo as defesas naturais do corpo, o que pode levar a uma maior vulnerabilidade a infecções.
- Toxicidade Ambiental: Quando liberados no meio ambiente, os nanomateriais podem contaminar o solo e a água, afetando a fauna e a flora. Eles podem ser absorvidos por plantas ou ingeridos por organismos aquáticos, acumulando-se na cadeia alimentar e causando efeitos adversos em ecossistemas inteiros.
O GQMate está na vanguarda dessa pesquisa, buscando criar nanomateriais que sejam seguros e eficazes, ao mesmo tempo em que atendem às demandas por sustentabilidade. “É um desafio científico preparar nanomateriais nessas condições, mas é uma linha de pesquisa que só está começando e tem um enorme potencial de crescimento!“, completa a professora.
Avanços recentes e expectativas futuras
Entre os avanços mais recentes do grupo de pesquisa e inovação GQMate está o desenvolvimento de tecnologias inovadoras, como as esponjas de grafeno obtidas de forma ambientalmente amigável. Utilizando apenas água, vitamina C e grafite brasileiro, o grupo conseguiu produzir essas esponjas em grande quantidade e em 2h (duas horas), tempo doze vezes menor do que o praticado no exterior, de 24 horas. Essas esponjas demonstraram um potencial multifuncional enorme, podendo ser usadas como sensores, catalisadores e até adsorventes para neutralizar moléculas contaminantes, incluindo o SARS-CoV-2.
Outro destaque é o desenvolvimento de hidrogéis a partir de polímeros naturais e resíduos da produção de azeite de oliva. Esses materiais são capazes de liberar água de forma controlada no solo durante períodos de estiagem, além de fornecer nutrientes de maneira eficiente, melhorando o condicionamento do solo e promovendo uma agricultura mais sustentável.
O futuro da pesquisa em nanomateriais sustentáveis é promissor, com a expectativa de que o mercado de produtos nanotecnológicos sustentáveis cresça exponencialmente nos próximos anos.
“A busca por sustentabilidade é uma demanda real do mercado global, e o desenvolvimento de nanomateriais deve estar na vanguarda dessa evolução”, conclui a professora.
Porém para que o trabalho continue sendo realizado é necessário investimento. Atualmente o GQMate conta com o apoio de recursos de dois Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT-NanoVida e INCT-Nanocarbono), projetos CNPq e com a parceria da empresa Gaúcha Golden Sucos LTDA.
A pesquisa em nanomateriais sustentáveis, como a conduzida pelo GQMate, se destaca pela busca de um equilíbrio entre avanço tecnológico e segurança, priorizando métodos de síntese ecologicamente corretos e a avaliação rigorosa dos efeitos tóxicos dos nanomateriais. Ao promover o desenvolvimento de tecnologias inovadoras que também sejam seguras e sustentáveis, a ciência avança na construção de um futuro onde os benefícios dos nanomateriais possam ser plenamente aproveitados, sem comprometer a saúde das pessoas e a integridade do planeta.
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Texto: Maria Eduarda Silva da Silva, acadêmica de jornalismo e bolsista da Subdivisão de Comunicação do CCNE da UFSM.
Revisão e edição: Natália Huber da Silva, Chefe da Subdivisão de Comunicação do CCNE.