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Primeiro Colóquio de Geografia da cidade de Santa Maria é realizado no auditório Milton Santos da UFSM



Nos dias 9 e 10 de novembro de 2023, o auditório Milton Santos, localizado no prédio 17 da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), foi palco do primeiro Colóquio de Geografia da cidade de Santa Maria. A organizadora do evento, Profa. Dra. Sandra Ana Bolfe, pertencente ao Departamento de Geociências do Centro de Ciências Naturais e Exatas (CCNE), expressou, durante a abertura, a realização de um sonho antigo: subir ao palco não como atriz, mas como educadora, destacando a necessidade de revisitar debates e reflexões provenientes do trabalho em sala de aula. “O que fazemos na sala de aula é crucial para fomentar discussões, e é essencial trazer pessoas engajadas nessa temática importante.” O objetivo do colóquio foi contribuir para o conhecimento e ampliar os debates e reflexões sobre a cidade, especialmente no que diz respeito aos desafios da moradia popular no planejamento urbano.

História da urbanização de Santa Maria, RS: Do acampamento popular à moradia popular.

Mediada pela organizadora do Colóquio, Profa. Dra. Sandra Bolfe, a mesa foi composta pelos palestrantes: Prof. Msc. Francisco Queruz da Universidade Franciscana (UFN), Dr. Adenilson Zanini e Prof. Dr. João Rodolpho Amaral Flôres, ambos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que fizeram um debate  pautado na interdisciplinaridade entre Geografia, História e Arquitetura e Urbanismo, buscando abordar as complexidades socioespaciais da cidade de Santa Maria.

O Prof. Dr. João Rodolpho Amaral Flôres iniciou com a “História Ferroviária de Santa Maria”, abordando as demarcações conduzidas por militares, portugueses e espanhóis. Destacou como a falta de organização, a concentração de propriedades e as  injustiças na distribuição de terras, resultaram em loteamentos ao longo do tempo. Enfatizou o papel dos estudantes na análise das razões para a presença de famílias, suas dependências locais e as mudanças econômicas na periferia, evidenciando o potencial transformador do conhecimento acadêmico. “A UFSM é fundamental, percebo que há um receio do poder público em relação ao conhecimento acadêmico que pode gerar transformações sociais significativas e isso poderia ser uma das grandes parcerias para solucionar os problemas da cidade.”

Os palestrantes Prof. Msc. Francisco Queruz da Universidade Franciscana (UFN), Dr. Adenilson Zanini e Prof. Dr. João Rodolpho Amaral Flôres, no auditório Milton Santos da UFSM.

O Dr. Adenilson Zanini trouxe para o debate o tema: “Principais áreas de ocupação social popular de Santa Maria”. Baseando-se na utilização de cartografia histórica e geoprocessamento, destacou a influência do relevo e da hidrografia na formação e urbanização de Santa Maria, integrando narrativa histórica com aspectos geográficos. Explorou, ainda, como elementos geográficos influenciam decisões geopolíticas, especialmente durante as ocupações ibéricas, e ressaltou a importância de pontos geográficos como a Coxilha Grande e a Boca do Monte. Por fim,, esclareceu a origem do nome Santa Maria, no século 17, adotado pelos padres jesuítas espanhóis.

O Prof. Msc. Francisco Queruz encerrou a rodada com “Memória, fragmentos, patrimônio: relação dos ciclos de desenvolvimento urbano de Santa Maria com seus testemunhos edificados, A pesquisa apresentada analisou a evolução da malha urbana de Santa Maria. Com base na revisão de conceitos de desenvolvimento urbano e socioespacial, propôs ciclos de desenvolvimento urbano para a cidade de Santa Maria em que buscou identificar os bens arquitetônicos preservados que contribuíram para a construção da identidade da comunidade e que foram reconhecidos pela legislação. Em sua análise, procurou destacar a complementaridade das abordagens de cartografia, história e crescimento urbano, enfatizando a necessidade de uma visão integrada para compreender o lugar e promover um desenvolvimento mais sustentável na cidade. 

Após o “coffee break”, disponibilizado pela Polifeira da Universidade, na parte da tarde, ocorreram apresentações de trabalhos realizados por graduandos e pós-graduandos da UFSM.  Entre as pesquisas apresentadas, estavam:

As estudantes de Engenharia da UFSM apresentando o trabalho realizado no LAMOT

Riscos relacionados às ocupações no entorno das ferrovias

Três estudantes de Engenharia Civil: Maiara Heinrich, Louise Campos e Suéle Goetz, participantes do Laboratório de Mobilidade e Logística (LAMOT) da UFSM, apresentaram um trabalho que tem como objetivo desenvolver um guia técnico para a avaliação de riscos em ferrovias de Santa Maria. Durante a palestra, destacaram a importância histórica das ferrovias e da faixa de domínio não edificada, elementos para compreender os riscos e estruturas adjacentes. Após uma pesquisa de campo para identificar os riscos existentes, as acadêmicas criaram variáveis (escala de riscos) e, a partir disso, o grupo tem focado na criação do guia, que busca oferecer uma avaliação justa e coerente, especialmente em casos legais, como decisões judiciais relacionadas à proximidade de famílias aos trilhos. O guia visa ser uma ferramenta equitativa para a análise de diversas situações, proporcionando uma visão abrangente e técnica para lidar com questões de segurança em torno das ferrovias da cidade.

Os desafios da moradia e o planejamento urbano da cidade de Santa Maria, RS

No segundo dia de colóquio, mediado por Eng. Msc. Luciano Rorato, o público presente recebeu os palestrantes Everton Brasil, diretor do Instituto de Planejamento de Santa Maria (IPLAN), Wagner Bittencourt da Secretaria de Município de Habitação e Regularização Fundiária (PMSM) e a vereadora de Santa Maria, Helen Cabral.

Os palestrantes Wagner Bittencourt (PMSM), Eng. Msc. Luciano Rorato, Everton Brasil, diretor do Instituto de Planejamento de Santa Maria (IPLAN) e a vereadora de Santa Maria, Helen Cabral.

Wagner Bittencourt, da Secretaria de Município de Habitação e Regularização Fundiária (PMSM), iniciou abordando a regularização fundiária como foco principal da secretaria. Destacou que esse processo envolve aspectos urbanísticos, ambientais e sociais para integrar áreas urbanas informais ao planejamento urbano oficial, visando conceder segurança jurídica e títulos de propriedade aos ocupantes. Bittencourt ressaltou a importância desse processo para lidar com os desafios da expansão desordenada e das características geográficas de Santa Maria, mencionando que a regularização tem início com base nas respostas recebidas pelo Instituto de Planejamento de Santa Maria (IPLAN).

Everton Brasil, diretor do IPLAN, destacou a diferença entre crescimento e desenvolvimento, alertando para os riscos do crescimento desordenado que pode resultar em má qualidade de vida. Ele criticou a abordagem de gestores públicos que buscam apenas o crescimento econômico, muitas vezes, negligenciando o impacto social e salarial. Everton enfatizou a necessidade de buscar o verdadeiro desenvolvimento, melhorando a qualidade de vida para todos. Comparou a situação à narrativa do filme “Cidade de Deus”, destacando os desafios éticos e morais envolvidos na transformação de comunidades, concluindo que a resposta para esses problemas é demorada e requer uma compreensão profunda da complexidade envolvida.

A vereadora Helen Cabral encerrou o debate compartilhando suas experiências como militante, ativista social e vereadora. Rememorou sua participação em ocupações estudantis na UFSM, destacando a resistência e luta por moradia digna. Helen ressaltou a importância de um planejamento urbano eficaz e políticas públicas, citando a ocupação da Nova Santa Marta como exemplo positivo. No entanto, alertou para a falta de avanços no município, enfatizando a necessidade de agilidade e retorno do poder público. Destacou que não deveria haver custos para as famílias e sublinhou casos recorrentes de mulheres e mães solteiras em situações precárias, enfatizando a importância de uma rede de apoio abrangente que vá além da ocupação e regularização territorial, incluindo assistência social.

A ocupação da Nova Santa Marta e a segregação socioespacial na cidade de Santa Maria, RS

Na parte da tarde, o auditório recebeu a presença do diretor cinematográfico da TV OVO, Paulo Tavares, que em homenagem aos 30 anos da Nova Santa Marta, exibiu o episódio piloto “Terra prometida, esse dia vai chegar” da série documental “Cidade de Lona” que aborda a história do bairro que começou com uma ocupação, em 1991, pelos moradores da região. Além do diretor, estiveram presentes moradores do bairro Nova Santa Marta que participaram da  ocupação realizada há 32 anos, Lionel Pacheco e Maria Helena Rodrigues que contaram sobre suas vivências no bairro. A palestra foi mediada pela Profa. Msc. Ana Clarice Hanauer da UFSM.

Leonel Pacheco, morador do bairro Nova Santa Marta e participante do documentário “Cidade de Lona”.

Lionel Pacheco, morador do bairro Nova Santa Marta, refletiu sobre a luta e a história da comunidade. Destacou que o documentário evoca suas impressões de 32 anos atrás e ressaltou a importância de documentar experiências para outras comunidades que enfrentam desafios semelhantes. Lionel enfatizou que a moradia, embora crucial, não é a única solução para problemas sociais e individuais. Expressou a complexidade de construir identidade com o local e criticou a tendência de algumas pessoas em utilizar a moradia como solução financeira, o que resulta em falta de identidade. Lionel ressaltou a relevância do entendimento vivido, além da formação acadêmica, e reconheceu a importância das histórias das famílias representadas no documentário. Elogiou a habilidade do documentarista, Paulo, em capturar as questões essenciais, colocando a população como protagonista, e destacou a importância da atitude na busca por soluções. Lionel concluiu enfatizando a resistência comunitária, apesar das dificuldades, e como cada dia de discussão e revisão do documentário fortalece a comunidade. “Para mim, a Nova Santa Marta é minha grande casa, e eu moro dentro dela.”

Maria Helena, contando sobre suas vivências no bairro Nova Santa Marta na UFSM.

Profa. Maria Helena Rodrigues, moradora do bairro Nova Santa Marta, compartilhou sua trajetória. Transferida de Santiago, devido ao trabalho de seu marido, seu primeiro emprego na cidade foi como professora na Escola Estadual Manoel Ribas. Ao surgir a ocupação, construiu sua casa na Nova Santa Marta e ouviu comentários preconceituosos sobre a comunidade. Maria Helena relatou um episódio em que, ao contar para alguém sobre sua mudança, recebeu uma resposta preconceituosa. Por isso, destaca a necessidade de combater estigmas associados à região. Em 2021, ao trabalhar na Escola Nova Santa Marta, Maria Helena identificou as necessidades da comunidade. Participou da associação de moradores, inicialmente, como secretária e, posteriormente, como presidente. Uniu a associação que, na luta por melhorias, promoveu reuniões nas escolas e manifestações na BR, com o objetivo de incentivar a regularização fundiária. Com isso, a comunidade alcançou conquistas mínimas, mas significativas. Maria Helena ressaltou as vitórias, como a inauguração da creche Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI), ainda neste ano, e do Centro de Artes e Esportes Unificados (CEU). No entanto, destacou a necessidade contínua de melhorias, como uma praça para as crianças e concluiu enfatizando que a associação enfrentou desafios, mas sempre persistiu em sua busca por melhorias para a comunidade.

Pedro Spode, apresentando sua pesquisa no Colóquio de Geografia Urbana.

Finalizou o colóquio, Pedro Spode, doutorando de Geografia da UFSM, que apresentou um estudo sobre pobreza urbana em Santa Maria, utilizando conceitos de privação social e território usado. Seu estudo identificou um desenho espacial da pobreza na cidade caracterizado pelo padrão centro-periferia, com áreas concentradas no Norte, Nordeste, Sul e Oeste. A pesquisa  explorou os usos do território associados à pobreza, como Distrito Industrial, aterro sanitário, presença militar, entre outros.  Com destaque para três estruturas espaciais: trilhos da ferrovia, Arroio Cadena e Morro Cechella, relacionadas a diferentes formas de privação, concluiu que a privação de moradia, evidenciada por ocupações irregulares, surgiu como uma das principais formas de privação no território.

O Colóquio de Geografia Urbana de Santa Maria proporcionou um espaço valioso para o diálogo entre academia, gestores públicos e a comunidade, reforçando a importância de abordagens interdisciplinares para compreender e enfrentar os desafios urbanos.

 

Texto: Maria Eduarda Silva da Silva, acadêmica de jornalismo e bolsista da Subdivisão de Comunicação do CCNE.

Revisão e edição: Ana Paula de Lima Rodrigues, Subdivisão de Comunicação do CCNE.

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