O Programa de Manejo de Animais Silvestres Cativos (ProMASC) realizou o planejamento e execução de enriquecimento ambiental em recintos de animais permanentemente em cativeiro do Mantenedouro São Braz.
Iniciado no ano de 2022, o ProMASC surgiu a partir do interesse da servidora da UFSM e então coordenadora do projeto, Natália Huber, em trabalhar com animais vítimas do tráfico – de acordo com a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), são retirados ilegalmente cerca de 38 milhões de animais silvestres das florestas brasileiras. Com isso, movimenta-se aproximadamente 2 bilhões de dólares por ano no Brasil através do comércio ilegal de animais. Mesmo sem saber ao certo por onde começar, mantinha o desejo desde a graduação em Ciências Biológicas, em 2012. Dez anos depois e diversas realizações anteriores, já em 2022, deu o primeiro passo para realizá-lo através do contato com o Santos Braz, proprietário e líder do Mantenedouro São Braz, que ofereceu abertura e suporte para a execução do projeto em seu estabelecimento.
A instituição, situada na zona rural de Santa Maria e a 25 km da UFSM, abriga mais de 640 animais fixos, além de mais de 90 no aguardo da soltura, cerca de 80 na enfermaria e 20 em um setor extra. A equipe desempenha um importante papel na preservação de espécies ameaçadas de extinção, abrigando aves, répteis e mamíferos. De macacos, à felinos, ursos, avestruz, onças, suínos selvagens nativos, muitos papagaios e araras, além de diversos outros, a maioria dos animais estabelecidos no local sofreram algum tipo de violência humana. Ao chegarem, são recebidos na enfermaria – onde muitos não sobrevivem – e, após, possuem algumas opções de destino: ficam em quarentena para observação no local até estarem aptos a voltar para a natureza; receberem a constatação de que devem permanecer para sempre; serão encaminhados a um zoológico ou outro mantenedor de fauna. Este trabalho é feito por voluntários, profissionais contratados e o trabalho de soltura é realizado estritamente pelos órgãos ambientais públicos competentes.
O grupo que integra o programa é composto por profissionais e estudantes de várias especializações, como biologia, medicina veterinária e zootecnia, e é responsável por planejar e executar o enriquecimento ambiental dos recintos de animais permanentes cativos no São Braz. Esse enriquecimento ambiental é a possibilidade de oportunizar escolhas para os animais dentro de seus recintos, que variam de acordo com o comportamento de cada animal. Essas oportunidades variam desde a intervenção cotidiana com diferentes formas de ofertar a alimentação, até a mudanças na estrutura física e social dos recintos, estimulando os animais cognitivamente e fisicamente. Assim, o principal objetivo do Programa é melhorar a qualidade de vida dos animais, à medida que estas iniciativas são estudadas, planejadas e implantadas, trazendo resultados satisfatórios ao bem-estar animal.
O trabalho desenvolvido
O programa desenvolve ações específicas com cada grupo de animais com o qual trabalha: Aves – Psitacídeos; Aves – Rapinantes diurnos; Mamíferos e Répteis. Embora para cada caso específico seja adotada uma metodologia diferente, o processo inicial consiste na análise e no diagnóstico geral do local, para a escolha dos recintos prioritários e suas respectivas espécies. Os recintos prioritários foram escolhidos de acordo com o que o grupo observou dos animais que demandavam mais oportunidades em seus recintos. Com essa definição, iniciou-se o processo de enriquecimento de acordo com as respectivas necessidades.
Aves – Psitacídeos
Após análise e diagnóstico geral do local, foram escolhidos recintos prioritários os de espécies como: Papagaio-Verdadeiro (Amazona aestiva), Papagaio-Chauá (Amazona rhodocorytha), Papagaio-Curau, Papagaio-Charão (Amazona pretrei), Papagaio-Campeiro (Amazona ochrocephala), Papagaio-Cuiú-Cuiú (Pionopsitta pileata), Sabiá-Cica (Triclaria malachitacea), Tiriba-de-Testa-Vermelha (Pyrrhura frontalis), Marianinha-da-Cabeça Amarela (Pionites leucogaster), Maitaca-Verde (Pionus maximiliani), Aratinga (Aratinga mitrata), Periquitão-Maracanã (Psittacara leucophthalmus). Os principais comportamentos notados nas observações prévias foram o ócio/inatividade e vocalização demasiada. A essência do enriquecimento para essas aves foi justamente a quebra de rotina, sendo assim, propostos enriquecimentos alimentares como, por exemplo, varais com alimentos pendurados, pêndulo de pinha para afiar o bico, trouxinha de couve com frutas, espiga de milho, entre outros.
Aves – Rapinantes diurnos
Neste grupo, alguns dos rapinantes selecionados foram o Quiriquiri (Falco sparverius), Carcará (Caracara plancus), Águia-cinzenta (Buteogallus coronatus), Gavião-de-rabo-branco (Geranoaetus albicaudatus), Sovi (Ictinia plumbea) e Gavião-carijó (Rupornis magnirostris). O principal comportamento observado nas observações prévias, em parte destas aves, foi a falta de movimentação. Outra das características observadas em algumas delas foi a dificuldade de voo. Assim, algumas das alternativas de enriquecimento propostas foram o estímulo da movimentação através do fornecimento da alimentação com dificuldades para que estes animais se esforcem para obter o alimento – como presa pendurada, e de novos poleiros para os mesmos. Para outros casos, foi planejado enriquecimento físico com a melhoria do substrato do recinto, bem como caixas-surpresa, com o objetivo de tornar outras áreas do recinto mais atrativas. Além disso, outra parte deles receberá poleiros estratificados por nível e escada de cordas, facilitando para que indivíduos lesionado cheguem até os galhos mais altos.
Mamíferos
Os mamíferos prioritários selecionados para a execução do enriquecimento foram: catetos (Pecari tajacu), queixadas (Tayassu pecari), felinos gato-mourisco (Puma yagouaroundi), jaguatirica (Leopardus pardalis) e puma (Puma concolor). Os comportamentos mais frequentes dos catetos e queixadas foram o “forrageio” e “repouso ativo” e, com o objetivo de estimular o esforço e raciocínio para alcançar o alimento, foi dada prioridade aos enriquecimentos do tipo “alimentar” e “cognitivo”, com fornecimento da alimentação em diferentes formas e locais do recinto, como trouxinhas de couve com alimentos dentro, alimentos escondidos na sua piscina de lodo e em galhos e varais. Para os felinos, se visou diminuir os comportamentos de inatividade e estereotipias, como o andar compulsivo com rota fixa, e de estresse, como o rosnar com a aproximação de humanos. Para isso, foram planejados os enriquecimentos“alimentares” e “cognitivos”, através da dificultação no fornecimento da alimentação, como presas penduradas e dentro de caixas; “sensoriais”, com oferta de odores e texturas diferentes para estimular o comportamento natural de farejamento, como “coçadores” fixados nas paredes e peteca de penas já caídas no entorno; e “físicos”, com a confecção de estruturas físicas que proporcionem novas oportunidades de deslocamento, brincadeiras (como garras de escalada, playgrounds).
Répteis
O primeiro recinto é composto por 10 animais das espécies jabuti-piranga (Chelonoidis carbonaria) e jabuti-tinga (Chelonoidis denticulata), que possuem hábitos terrestres. Já o segundo recinto possui um lago e é integrado por cerca de 15 animais com hábitos aquáticos, das espécies cágado-cabeça-de-cobra (Hydromedusa tectifera), tartaruga-tigre-d’água (Trachemys dorbigni) e cágado-da-cabeça-vermelha (Trachemys scripta). Observou-se que os jabutis no decorrer dos dias movimentam-se explorando o recinto, dormindo, termorregulando ou comendo. Dessa forma, para instigar seu comportamento natural e fortalecer as mandíbulas, foram planejados enriquecimentos alimentares, como pendurar folhas de verduras e flores em uma altura acessível e desenvolver um comedor acima do chão, em cano de pvc. Já, no segundo recinto trabalhado, os cágados passaram a maior parte do tempo dentro da água, sendo a termorregulação outro comportamento bastante frequente em momentos de maior incidência solar. Assim, como modo de manter o comportamento de caça ou outras formas de alimentação destes animais silvestres, foi elaborada a proposta da inserção esporádica de peixes pequenos nativos no mesmo lago artificial, como os lambaris (Astyanax sp.), bem como a colocação de plantas aquáticas flutuantes com alimento usual em cima delas, incentivando novas formas de movimentação e quebra de rotina.
Impactos positivos do programa
Os impactos positivos gerados pelo programa são inúmeros tanto aos animais contemplados, quanto à comunidade acadêmica da UFSM. Segundo Natália, a universidade possui um lapso de profissionais atuantes nesta área, o que gera um déficit na formação de estudantes interessados em atuar neste nicho profissional – que possui grande demanda de emprego nacional e internacional. Dessa forma, o programa é uma oportunidade de praticar, desenvolver experiências e preparar os acadêmicos para o mercado de trabalho.
Já os animais possuem oportunidades de diversidade nas suas rotinas, o que gera uma diminuição de cortisol – hormônio que ajuda a controlar o estresse, reduzir inflamações, contribuir para o funcionamento do sistema imune, assim como a pressão arterial – quando o enriquecimento feito é embasado cientificamente, como foi o caso deste programa.
O Programa, nos próximos meses pretende postar vídeos educativos no instagram do CCNE. Assim, a comunidade externa e a biodiversidade também são contemplados através da educação ambiental com linguagem de fácil entendimento, que visa alcançar uma transformação social em que os animais não sejam vistos como mercadoria, mas sim como seres passíveis de respeito, compaixão e de direitos, principalmente o simples direito de “ir e vir” sem intervenções humanas.
Através de rodas de conversa e capacitações com os próprios funcionários da instituição, espera-se que o Programa de Enriquecimento Ambiental do Mantenedouro São Braz seja cumprido em 2023 independentemente da atuação do ProMASC. Houve grande empenho na participação e o retorno da equipe de funcionários e do proprietário foi extremamente positivo: “Vocês não fazem idéia do quanto nos ajudaram, toda a equipe sabe o que é o enriquecimento ambiental e a importância dele agora . Eu aprendi muito, obrigado mesmo de verdade.” – relatou Rodrigo Machado à coordenadora do ProMASC.
Para acessar mais fotos e vídeos do projeto acesse aqui.
Texto: Júlia Weber, acadêmica de jornalismo e bolsista da Subdivisão de Comunicação do CCNE.
Texto, revisão e edição: Natália Huber, chefe da Subdivisão de Comunicação do CCNE.