Quem frequenta o Centro de Ciências Naturais e Exatas (CCNE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), provavelmente já se deparou com a ilustração de um grande pé localizado no corredor que leva à saída dos fundos do prédio 13. Muito mais do que um ponto de referência ou um acaso, essa obra é carregada de história, simbologia e significados que passam uma importante mensagem.
A pegada denominada “Qual rastro você tem deixado?” foi uma iniciativa idealizada pelo grupo Incorpore: Ações Coletivas para o Meio Ambiente e desenvolvida em parceria com o curso de artes visuais da UFSM, em 2015. Esta foi uma releitura de uma das da campanhas anterior do grupo, que consistia em pés pintados no chão do Centro, representando as pegadas ambientais deixadas em cada ação praticada pela coletividade.
O objetivo desta ação maior foi provocar a reflexão sobre os rastros deixados pelos resíduos em nossa vivência cotidiana. Mesmo dentro do ambiente acadêmico, onde pessoas que estão cursando o ensino superior circulam, muitos resíduos eram vistos em áreas comuns de convivência do CCNE. A iniciativa foi feita para desmistificar a ideia de que pequenos resíduos não impactam o meio ambiente ou mesmo a vivência das pessoas. Quando reunidos, o que acontece cotidianamente nos ambientes públicos, causam muitos transtornos, além de tornar os lugares desagradáveis.
O “Incorpore: ações coletivas para o meio ambiente” surgiu a partir de um projeto de extensão do CCNE de autoria da docente do curso de Química Industrial, Marta Tocchetto, hoje aposentada, em parceria com o professor José Francisco Flores Goulart do curso de Artes Visuais. Como o nome do Grupo indica, o principal objetivo foi incorporar ao cotidiano das pessoas que as questões ligadas ao meio ambiente pudessem ser incorporadas e adotadas de forma natural por meio da reflexão. “A transformação é isso: fazer com que as pessoas passem a refletir atitudes que ficaram automáticas. Ações feitas sem se dar conta de que poderiam ser melhores. Esse é o verdadeiro papel que a gente procurou desempenhar no Incorpore”, declarou Marta.
A campanha “Rastro”, da qual o “Pé” faz parte, foi apenas uma das iniciativas do grupo. Ela visou a sensibilização da comunidade em relação a aspectos como a separação de resíduos e a preocupação com o meio ambiente. Acompanhando o pé, foi montado um cercado onde todos os resíduos descartados de forma inadequada pelos prédios do CCNE e coletados pelos integrantes ficavam expostos.
Na primeira edição, em vez do cercado foi montado um coletor denominado de “lixômetro”, o qual era composto por um coletor de lixo com uma régua. Todas semanas era datada a quantidade de lixo acumulado. Essa ação se transformou em uma exposição itinerante passando por muitos prédios da UFSM, inclusive pela Reitoria do Campus Central, além de escolas e outras instituições de Santa Maria.
O “Pé”, trazido na segunda versão, foi desenvolvido em lona preta. A intenção foi usar um material barato que remetesse ao conceito de lixo, tendo em vista que é considerado descartável. Após exposição junto às outras iniciativas que integravam a campanha, ele foi fixado na parede, para que pudesse ser constantemente visto e instigasse à reflexão sobre o rastro deixado por nossas ações e sobre a nossa responsabilidade ambiental individual no contexto coletivo. A falta de uma sinalização, que indique a origem ou razão da obra, dificulta que seu objetivo continue sendo alcançado.
A reconfiguração da campanha, que antes era composta por pegadas marcadas no chão, se deu em função da alegação de incômodo por parte de pessoas que frequentavam o centro. Segundo Marta, o descontentamento sempre foi uma realidade enfrentada ao longo da luta pela questão ambiental, vista como um entrave.
A mudança constante das pessoas que integram a universidade, e, por conseguinte, as mudanças de comportamento, exigem ações recorrentes. Marta destaca o papel da administração como modelo para os alunos e, por isso, a importância da adesão de medidas que pensem o meio ambiente em todos os âmbitos e ações desenvolvidas pela instituição – a qual ela acredita ser um ente transformador, como universidade.
Apesar de lamentar a inconstância das ações, Marta ressalta sua paixão pela causa que representou dentro da UFSM – que espera não ter sido em vão – e sua felicidade por receber até hoje depoimentos positivos de seus alunos. Afinal, ela acredita que a docência vai muito além de ensinar: ela deve transformar os alunos, para que saiam da sala de aula melhores do que entraram.
Atualmente, o Grupo Incorpore está sendo retomado sob a coordenação da professora do Departamento de Química Industrial do CCNE, Dra. Carmem Dickow, que já fazia parte da primeira configuração do projeto.
Saiba mais sobre a campanha:
A campanha Rastros foi selecionada para fazer parte da Plataforma EducaRES. Essa plataforma foi criada pelo Ministério do Meio Ambiente para divulgar ações de educação ambiental espalhadas pelo Brasil e para ajudar no enfrentamento dos desafios da gestão de resíduos sólidos. Mesmo com um grande destaque, essa não foi a única campanha desenvolvida pelo projeto.
Foram realizadas ações como a “REplanta”, que usava rolos de papel higiênico coletados para plantar mudas e distribuí-las pela universidade; o “Papa Bituca”, no intuito de armazenar as bitucas de cigarro para que não fossem jogadas indevidamente – já que elas contém seis mil substâncias; as “Mandalas Ambientais”, feitas com materiais como metais, plásticos, vidros, papel acompanhadas por folhetos informativos sobre a importância da separação de resíduos; oficinas de encadernação com o uso de papéis de unidades de fotocopiagem da UFSM – os cadernos produzidos eram distribuídos em eventos como a semana acadêmica; o “RElona”, que reaproveitava banners, utilizados eventos científicos, como a JAI e de divulgação de congressos, por exemplo, para confecção de sacolas e estojos. No caso da JAI, posteriormente os pôsteres passaram a ser de papel e com tamanho padrão, para que as hastes das extremidades pudessem ser devolvidas às gráficas e reutilizadas nas novas edições da Jornada; dentre outras ações.
Todas as atividades foram desenvolvidas para o reaproveitamento de materiais que seriam descartados, baseado na visão linear de consumo. A professora defende uma visão circular em que o material, depois de extraído, transformado e usado, deve voltar ao estado inicial e não apenas ser descartado como algo sem serventia. Marta alerta ainda, que depois que o impacto é gerado, apenas tenta-se minimizá-lo e, que muitas vezes, mesmo com boa intenção, os processos de reaproveitamento podem ser piores que o descarte no estado inicial. Por isso, o consumo consciente é primordial para reduzir danos desnecessários ao planeta e que repercutem para todos nós. Afinal, a ação ambiental não pode ser desfeita, mas pode ser corrigida e ressignificada para que a próxima ação seja melhor e mais sustentável.
Texto: Júlia Weber, acadêmica de jornalismo e bolsista da Subdivisão de Comunicação do CCNE.
Revisão e Edição: Natália Huber, chefe da Subdivisão de Comunicação do CCNE e Marta Tocchetto, Docente aposentada do Departamento de Química do CCNE.