A falta de chuva e as altas temperaturas registradas nos últimos meses já levaram 235 municípios do Rio Grande do Sul a decretarem situação de emergência junto à Defesa Civil Estadual. A estiagem tem causado prejuízos para a agricultura, pecuária e deixado famílias rurais sem acesso a água. Segundo dados da Emater, a região de Santa Maria é a que enfrenta as maiores dificuldades nas lavouras, seguida pelas áreas de Ijuí, Santa Rosa e Frederico Westphalen.
Conforme Murilo Machado Lopes, meteorologista na UFSM e integrante do Grupo de Meteorologia, o principal fator responsável por esse problema são os índices de chuva que se mantiveram abaixo do esperado durante todo o último trimestre. “Quando a chuva ocorre é de forma muito irregular, apenas alguns locais tiveram alguma precipitação e outros não tiveram nada. Isso leva à condição de déficit hídrico”, afirma.
Murilo também explica que a estiagem vivenciada nos últimos três anos foi intensificada pelo La Niña. O fenômeno natural provoca um resfriamento das águas do Oceano Pacífico causando mudanças significativas nos padrões de precipitação e temperaturas. O evento está diretamente relacionado com uma mudança nas condições dos ventos que sopram com mais intensidade e movimentam a superfície da água. Em períodos de La Niña, costuma ser mais chuvoso na região Nordeste e mais seco no Sul do Brasil.
Contribuição da Universidade
Na UFSM, o Grupo de Meteorologia vinculado ao Centro de Ciências Naturais e Exatas (CCNE) tem divulgado um boletim climático mensal com informações detalhadas mês a mês sobre precipitação, temperatura e ocorrência de fenômenos climáticos no estado. O trabalho é resultado de um esforço conjunto do Laboratório de Hidrometeorologia (LHMET), do Grupo de Modelagem Atmosférica (GruMA) e do Grupo de Pesquisas em Clima (GPC). O professor e coordenador do curso de Meteorologia, Jônatan Dupont Tatsch, explica que o grupo surgiu em setembro de 2022 com dois objetivos: aproximar estudantes, pós-graduandos e Técnicos Administrativos em Educação e gerar informações para a sociedade a partir de conhecimentos na área. A previsão climática é realizada em uma reunião mensal e sempre traz informações sobre o trimestre seguinte. A previsão se dá por consenso, isto é, o resultado surge de uma análise compartilhada por vários profissionais especializados na área.
O primeiro passo é reunir dados de previsões climáticas confiáveis disponíveis para o sul do Brasil, tanto de centros mundiais como regionais – cerca de 15 centros diferentes. A partir disso, cria-se um panorama geral sobre o cenário climático futuro. Os integrantes também analisam a situação atual e o que ocorreu nos últimos meses. “Como estão as condições atuais do solo, da atmosfera, umidade, temperatura e precipitação. Então, juntando todas essas informações, a gente coloca para discussão e gera uma previsão por consenso do grupo”, explica Jônatan.
De acordo com o docente, essa é uma técnica utilizada por grande parte dos centros de meteorologia. Assim, o diferencial do trabalho na UFSM está no olhar local que os profissionais agregam à previsão. O objetivo é fornecer informações mais precisas sobre o contexto regional e, para isso, é preciso adaptar os modelos meteorológicos que servem de referência para os profissionais.
Modelos meteorológicos
Para prever o tempo, são utilizados modelos meteorológicos que são conjuntos de equações que descrevem o comportamento da atmosfera no passado, presente e futuro. Eles são criados e lidos a partir de algoritmos matemáticos. Atualmente, existem diversos modelos desenvolvidos por agências e organizações que se dedicam ao estudo da meteorologia e que se tornam referências globais para os meteorologistas gerarem suas previsões. Entre eles está o Sistema de previsão global da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (NOAA) e o Centro Europeu de Previsões Meteorológicas a Médio Prazo (ECMWF).
Adaptação
Os modelos globais são simplificados, porque buscam simular o clima de forma ampla para todo o mundo. Por isso, para se ter um modelo que represente melhor as condições locais, é preciso modificar as equações, ou seja, aperfeiçoá-lo. Com esse objetivo, novas informações são inseridas dentro dos modelos por meio de códigos computacionais.
Alguns dados que podem ser inseridos para melhorar a capacidade de previsão local são utilizar um mapa que caracteriza o solo do Rio Grande do Sul, em vez de um mapa de solo global, ou então inserir a vegetação do Bioma Pampa, por exemplo. O professor ressalta que informações como essas são produzidas na própria UFSM, por meio de pesquisas científicas de campo.
Resultados
Para fevereiro, o boletim climático indica tempo similar ao de janeiro, com chuvas abaixo da média e de fraca intensidade. Conforme o meteorologista Murilo, o estado também continuará enfrentando bastante calor com temperaturas acima dos 30°C. No que diz respeito ao La Niña, há um enfraquecimento do fenômeno, porém a chuva ainda deve seguir irregular, fazendo com que as consequências da estiagem ainda sejam sentidas por um longo período.
Informações sobre o tempo e o clima são importantes em diversos setores da sociedade, como a agricultura e o meio ambiente. Diante da problemática da estiagem vivenciada no Rio Grande do Sul, as previsões do Grupo de Meteorologia da UFSM contribuem para a tomada de decisões públicas especialmente na região central. O professor Jônatan explica que, ao ter acesso a dados que mostrem a quantidade de chuva para os próximos meses, as autoridades passam a criar ações como forma de mitigar os efeitos da seca. “As informações são usadas para toda a logística da distribuição de água, construção de reservatórios e cisternas para hidratação animal e até dos próprios agricultores que estão passando por essa situação crítica”, afirma.
O grupo também participa de espaços como o Conselho Permanente de Agrometeorologia Aplicada do Estado do Rio Grande do Sul (Copaaergs), que reúne entidades públicas estaduais e federais ligadas à agricultura ou ao clima para disponibilizar previsões oficiais a cada estação.
Expediente:
Reportagem: Caroline Souza, acadêmica de Jornalismo e voluntária;
Foto: Elizabeth Lie, disponível em Unsplash
Edição geral: Luciane Treulieb e Mariana Henriques, jornalistas.