Há pouco mais de um ano, a certificação de granjas de matrizes avícolas para reprodução era manual, burocrática e fragmentada, suscetível a erros e perdas de documentações. Contudo, em setembro de 2020, a criação de um sistema online facilitou a certificação avícola no Rio Grande do Sul. A ferramenta, Plataforma de Defesa Sanitária Animal do Rio Grande do Sul (PSDA-RS), promove a informatização de todas as etapas da certificação e disponibiliza os dados de forma imediata a empresas, laboratórios e órgãos oficiais. O software foi desenvolvido na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), por pesquisadores do Colégio Politécnico, através de uma parceria público-privada da Universidade com o Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal do Rio Grande do Sul (Fundesa/RS), a Superintendência Federal de Agricultura do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) no Rio Grande do Sul (SFA-RS) e a Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr).
A certificação avícola das unidades de genética tem validade de um ano e é uma exigência do Ministério da Agricultura, desde 2001, para trânsito de aves e ovos férteis no país e no exterior. A renovação do certificado deve ser feita a cada vencimento e em caso de lotes com problemas. Trata-se de um processo bastante criterioso, especialmente no caso de granjas de genética, que ocupam uma parcela importante dentro do sistema produtivo de aves, como explica o Chefe de Divisão de Defesa Sanitária Animal da Seapdr, Fernando Groff. “São propriedades que distribuem animais para outros locais que vão fazer as fases de cria, recria, engorda ou postura. É importante que essas propriedades tenham um nível de biossegurança maior, para que não sejam um ponto de difusão de enfermidades e problemas para granjas de destinos animais, onde há ponto final de aproveitamento deles”, salienta Groff.
Glossário
Matrizes avícolas: são aves híbridas resultantes do cruzamento de avós. Por exemplo, a matriz macho AB é produzida pelo acasalamento do avô paterno (galo A) com a avó paterna (galinha B) e a matriz fêmea CD é resultado do acasalamento do avô materno (galo C) com a avó materna (galinha D). A genética pura garante o padrão e a produção de ovos férteis.
Granjas de matrizes ou unidades de genética: Locais onde são criadas as aves com genética adaptada para reprodução.
A plataforma
A ideia do projeto surgiu em 2018, quando a demanda de criação de uma plataforma confiável e ágil para a certificação de granjas de genética foi apresentada à Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav). A iniciativa foi aprovada em comitês técnicos deliberativos pelo Fundesa e, a partir daí, iniciaram-se os estudos, programações e testes.
Depois do sucesso do projeto piloto, a plataforma foi ao ar com três módulos: controle de estoque de insumos, biosseguridade de aves e uma área destinada para o registro de dados epidemiológicos das granjas. O coordenador do projeto e professor da UFSM, Alencar Machado, explica que o sistema fornece transparência e segurança por meio da “ garantia de imutabilidade dos dados, dando transparência ao processo e auditabilidade às informações”, já que todos os dados são protegidos por um sistema de criptografia.
A partir da tela do computador, é possível que os processos de certificação sejam acompanhados, em tempo real, por todos os envolvidos, desde os médicos veterinários das granjas, responsáveis pelas coletas de amostras, ao Serviço Veterinário oficial através das Inspetorias de Defesa Agropecuária locais, os laboratórios credenciados e o Mapa, que analisa os resultados e concede o certificado sanitário. Atualmente, a plataforma, que conta com mais de 450 granjas de genética cadastradas e sete laboratórios credenciados, já emitiu mais de três mil laudos laboratoriais e 436 certificados.
A coordenadora do Programa Nacional de Sanidade Avícola da Superintendência do Mapa no Rio Grande do Sul, Taís Oltramari Barnasque, destaca que trocar os papéis pelo ambiente digital favoreceu a criação de um banco de dados onde é possível rastrear os maiores desafios sanitários. “Esse sistema desburocratiza, agiliza o controle com a mesma velocidade a todos os entes, minimiza erros de digitação e transcrição de dados que já existem, permite análise desses resultados, servindo como um banco de dados utilizado para análises epidemiológicas e até mesmo para revisão das frentes de vigilância do serviço oficial”, comenta Taís.
O sistema também preenche uma grande lacuna na gestão e controle de estoque de materiais de emergências das 280 Inspetorias Veterinárias gaúchas. Agora, todo e qualquer material de proteção individual (EPI’s), como máscaras, luvas, seringas e roupas utilizadas pelos técnicos e médicos veterinários nos processos de coleta de dados a campo, são contabilizados em uma só plataforma. “É um sistema que integra 280 estoques internos. A unidade central, que fica em Porto Alegre, faz a compra desses materiais e distribui para todas as unidades. Às vezes, os materiais venciam e tinham de ser descartados; às vezes, uma Inspetoria não tinha nenhum produto e precisava ir até a capital buscar. Hoje, a Secretaria da Agricultura consegue avaliar a quantidade de estoque em todo o Rio Grande do Sul através da plataforma, e as regionais têm autonomia para trocar materiais”, explica Machado.
A certificação
O processo de certificação inicia pela programação das monitorias pelos responsáveis técnicos das granjas e agroindústrias, para as quais o Serviço Veterinário Oficial indica se serão acompanhadas ou autorizadas. São realizadas coletas de material – fezes animais, sangue, pena e serragem, entre outros materiais – a cada 12 semanas. Esse conjunto é enviado para laboratórios agropecuários credenciados que analisam e emitem um laudo para as doenças de controle. Só então, ao final de um ano, e com todos os laudos em dia, os dados são analisados pelo Ministério da Agricultura, que decide por renovar ou não o certificado para o estabelecimento.
A mudança para o digital foi vista com bons olhos por quem utiliza o sistema. De acordo com Ana Maria Paiva Oliveira, responsável técnica do Laboratório Porto Belo, de Porto Alegre, a iniciativa tornou a entrega dos resultados mais fácil e ágil. “Antes do novo sistema, o cliente enviava as amostras e iniciávamos o serviço usando o nosso cadastro interno. Quando o resultado saía, notificávamos o cliente e o Ministério por vias separadas. Não havia uma unificação de informação. Agora, o laboratório, o Ministério e o cliente trabalham com uma base comum. Quando um profissional de qualquer uma das três partes precisa consultar um laudo, ele tem um documento único acessível online”, explica Ana.
Biosseguridade
Entre as principais doenças previstas pelo Programa Nacional de Seguridade Avícola (PNSA), destaca-se o monitoramento de salmonelas. Dentre elas, estão as Salmonella gallinarum e S. pullorum, que comprometem a saúde das aves; e a Salmonella enteritidis e S. typhimurium, que oferecem risco à saúde pública, como casos de intoxicação alimentar. Além dessas, há também a categoria dos micoplasmas – Mycoplasma synoviae, Mycoplasma galisepticum e Mycoplasma meleagridos – que prejudicam a produção dos plantéis e são monitorados a cada 12 semanas até o fim da vida das aves.
Em tempos de pandemia, os cuidados com a biosseguridade na avicultura se tornam cada dia mais fundamentais. Um exemplo da história recente foi o alastramento da Influenza Aviária, em 2006, quando o vírus animal causou dezenas de mortes pelo mundo e grandes perdas econômicas. Para que esse tipo de fatalidade não ocorra e para que o país permaneça com a produtividade e a economia aquecidas, os desafios são muitos, como explica o diretor da Fundesa, Rogério Kerber: “À medida que eventos sanitários acontecem em nível internacional, há uma clara sinalização de que os controles passam a ser mais rígidos e exigidos por todo o mundo. Quem tem uma participação no mercado internacional de aves, como o Brasil, não pode descuidar. Um evento sanitário relacionado a uma das doenças importantes da avicultura retira o país do cenário internacional”.
Para a responsável pelo Programa Nacional de Sanidade Avícola na Seapdr, Ananda Kowalski, o controle sanitário e a melhor disposição dessas informações na plataforma PSDA-RS “também têm facilitado a tomada de ações pelo serviço oficial diante de uma ocorrência sanitária – por exemplo, para um laudo positivo – uma vez que as unidades envolvidas são comunicadas em tempo real a partir da liberação do laudo pelo laboratório”.
Mercado interno e externo
Atualmente, o Rio Grande do Sul se destaca em terceiro lugar em âmbito nacional na produção de frangos, atrás apenas de Santa Catarina e Paraná. De janeiro a setembro de 2021, o estado abateu 13,6% do total nacional, conforme dados obtidos pela Fundesa. Além disso, a produção também é exportada para cerca de 140 países. Isso representa o segundo maior PIB do estado, ficando atrás somente da produção de grãos.
De acordo com o relatório do Anuário da Avicultura Industrial 2021, o Brasil se mantém como terceiro maior produtor mundial de carne de frango, ficando atrás somente dos Estados Unidos e China. Apesar disso, ocupa a posição de principal exportador, representando 32% das exportações mundiais, seguido dos Estados Unidos (28%) e União Europeia (12%).
Mundo afora, o Brasil é tido como um país referência na exportação de carne segura. Parte do sucesso desse trabalho está relacionado aos protocolos de controle de biosseguridade e biossegurança aqui estabelecidos. Por isso a plataforma de certificação de granjas de matrizes avícolas representa uma inovação tecnológica importante. Por meio dela, é possível avaliar o status sanitário de cada lote, qualificando os produtos para comercialização interna e externa. “A certificação implica na manutenção do conhecimento do status daquele material que está transitando em âmbito nacional, bem como para exportação do material genético avícola. Os países que compram esse material genético do Brasil exigem que sejam unidades produtivas certificadas como livres para salmonelas e micoplasmas do PNSA”, explica Taís.
Próximos passos
Para o presidente do Fundesa, Rogério Kerber, os desafios são permanentes para manter a produtividade, melhorar as condições de controles sanitários e permanecer no mercado. “As melhorias devem ser contínuas e, por isso, já existe um segundo estágio deste projeto, programado com a UFSM, que vai ampliar e dar novas funcionalidades aos controles do sistema produtivo da avicultura”, sinaliza Rogério.
Além disso, inspirados nos mesmos moldes do sistema que constitui a PDSA para a avicultura, em breve, será criada uma plataforma de certificação de suínos.