Por João José Forni (Autor do livro “Gestão de Crises e Comunicação – O que Gestores e Profissionais de Comunicação precisam saber para enfrentar Crises Corporativas”)
O Brasil ainda não se recuperou da tragédia ocorrida na última sexta-feira, dia 9, quando um avião ATR 72, da empresa Voepass (antiga Passaredo), com destino ao aeroporto de Guarulhos, caiu em Vinhedo, cidade próxima a Campinas-SP. 62 pessoas, incluindo quatro membros da tripulação, morreram na queda do avião que procedia de Cascavel-PR. Passado o primeiro choque e comoção pelo acidente, começam imediatamente as especulações sobre o que poderia ter causado a queda.
O CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), ligado à FAB; a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac); o fabricante do avião; a Polícia Civil de SP e até a Polícia Federal apuram esse acidente por diferentes ângulos para entender as causas da queda: defeitos no aparelho; decisões erradas da tripulação; condições climáticas adversas; falta de manutenção, o que implicaria responsabilidade da empresa; e outras causas ainda não detectadas.
A queda do ATR da Voepass, que fazia o voo 2283, entra na lista dos 10 piores acidentes aéreos ocorridos no Brasil ou envolvendo brasileiros*, em número de vítimas. Foi o maior acidente na aviação comercial brasileira desde 2007, quando um avião da TAM saiu da pista do Aeroporto de Congonhas e atingiu o hangar da companhia.
O ATR que caiu em Vinhedo perdeu altitude repentinamente, quando estava a 4 mil metros. Após girar durante a queda, despencou no quintal de uma casa, em um condomínio densamente povoado. Os últimos minutos foram gravados em vídeos de diversos ângulos, que permitem deduzir a perda de controle do avião pelos pilotos. As gravações da cabine ainda estão sendo processadas. Levam tempo. Talvez aí possa aparecer algum esclarecimento sobre o que aconteceu naqueles momentos fatídicos em que o avião começou a perder estabilidade e enveredou para o solo.
Pistas apontam para gelo nas asas
Passada uma semana do acidente, parece haver um consenso entre especialistas em aviação, colegas dos pilotos e os próprios órgãos de fiscalização de que uma das prováveis causas do desastre teria sido o acúmulo de gelo nas asas e falha na posição das hélices. Vídeos do momento da queda indicam que o piloto havia perdido o controle da aeronave e as condições de arremeter, apontar o nariz do avião para baixo e usar os motores para ganhar sustentação. De qualquer modo, tanto o gelo, quanto a falha na posição das hélices, teriam afetado a capacidade de tração da aeronave.
Outras causas estão sendo descartadas. O avião era um ATR-72 regular, com todas as condições de aeronavegabilidade, informa a Anac. Segundo o jornalista William Waack que é piloto, uma formação de gelo muito pesada pode tirar as condições de navegabilidade de um aparelho desse tipo. Ou seja, o piloto perde o controle do avião. A cena gravada do avião em parafuso (stall), caindo rapidamente em direção ao solo é chocante, porque se presumia um avião de grande porte, lotado de passageiros naquela situação. Se comprovado que era uma situação de ‘gelo nas asas’, só tinha uma alternativa para os pilotos: fazer o avião descer, o que provavelmente não foi possível e só a investigação das causas responderá. Há informações de que o avião voou de 8 a 10 minutos sob gelo severo, em temperatura que poderia estar a -40 até -60 graus, segundo meteorologistas.
O Superintendente da Polícia Técnico Científica de São Paulo afirmou que a posição em que os corpos das vítimas foram encontrados demonstra que os passageiros devem ter sido alertados pela cabine de comando sobre uma iminente queda. Além disso, “Uma queda de quatro mil metros em menos de dois minutos faz com que o corpo humano sofra movimentações tão sérias que levam ao desmaio. A morte de todos ocorreu na batida, através dos inúmeros traumas sofridos, mas a tendência é que todos já estivessem desmaiados” afirmou o superintendente. Daí por que os laudos de identificação dos corpos apontam que as mortes foram causadas por traumatismo, o que facilitou a identificação com relativa rapidez.
O passado pode condenar?
Aviões da família ATR, como o que caiu em Vinhedo, registraram cinco acidentes nos últimos 10 anos no Brasil. Os dados são do Cenipa. Esses e suas variantes tiveram, cada, uma razão diferente para os acidentes. Foram elas: perda de controle no solo; saída de pista; falha ou mau funcionamento de algum sistema ou componente; contato anormal com a pista durante o pouso; pouso antes ou depois da pista, segundo o Uol Notícias. Importante: em todos os casos, os danos foram substanciais, mas em nenhum houve registro de mortes ou de pessoas com lesões graves.
O avião turboélice modelo ATR-72-500 da Voepass, que caiu em Vinhedo (SP), passou por manutenção após sofrer um dano estrutural em março deste ano. O que aconteceu? A aeronave apresentou problemas estruturais recentes. Falhas no ar-condicionado e no sistema hidráulico, além de um contato anormal com a pista são alguns dos defeitos revelados pelo programa Fantástico, da Rede Globo.
Os problemas tiveram início no dia 11 de março deste ano. Relatório exibido pela TV Globo mostrou que houve um “contato anormal” da aeronave com a pista na hora do pouso, em uma viagem do Recife para Salvador. O avião teria ficado parado um mês, antes de ser integrado à frota. Todas são informações que começaram a aparecer após a queda e servirão para completar a investigação sobre as causas dos acidentes.
Segundo Ricardo Gallo, coordenador das editorias Mundo e Fato ou Fake do G1, em entrevista ao Jornal da CBN, “os vídeos entregam algumas informações básicas para a investigação que levou à queda. O avião desceu inteiro, não se desintegrou. Outra pista: o avião voava a cerca de 5 mil metros de altura, passando por formação de gelo severo. Esse alerta foi dado aos pilotos, naquele dia. O terceiro ponto é que o Cenipa recuperou os dados da caixa preta e os dados de voz. Onde poderão outras perguntas serem respondidas.”
“Esse acidente difere de outros casos em que a dinâmica da queda é diferente, como o avião da Air France**, que caiu no mar em 2009, no litoral brasileiro, e não foi possível recuperar informações fundamentais para apontar as causas da queda; e o da Malaysia Airlines***, que desapareceu na Ásia, em 2014 e não foi encontrado. A conclusão das causas do atual acidente podem levar até dois anos de trabalho de investigação. Como saber se os pilotos estavam cansados; o histórico deste avião, se já se envolveu em incidentes envolvendo gelo severo e, finalmente, o que aconteceu naquele dia.”
Já houve quatro acidentes com aeronaves desse tipo, um deles no Brasil, o avião ficou em stall como esse de sexta-feira, sobre gelo severo. Em 2020, autoridades da Noruega registraram acidentes semelhantes como esse avião.
“O fabricante garante que é seguro, mas quando o gelo se acumula na asa do avião os sistemas nem sempre garantem segurança”, dizem especialistas. De que forma ele é protegido? Existem alarmes que alertam a tripulação quando o avião fica mais pesado com o gelo e a velocidade fica prejudicada. E por fim, tem outro alarme que alerta sobre stall (queda brusca vertical) e ai será alertado para descer e sair dessa situação de risco. O avião pode girar, em situação anormal e torna difícil de ser controlado”, concluiu o jornalista.
Fatos estranhos
O avião da Voepass operava com autorização da Agência Nacional de Aviação (Anac) para deixar de gravar 8 tipos de informação na caixa-preta. Por que? Ninguém até agora explicou. A Anac reconhecia que dados eram importantes para investigação de acidentes. Mas foi ela que concedeu licença temporária de 18 meses para a Voepass deixar de guardar algumas informações na caixa-preta do modelo ATR que caiu em Vinhedo (SP), matando 62 pessoas.
Até agora não houve uma explicação convincente da Anac para esse procedimento. Segundo o piloto e engenheiro aeronáutico Jorge Leal Medeiros, em depoimento à CNN, isso pode comprometer a investigação do acidente em Vinhedo.
Pouso de emergência corrobora sucessivas denúncias de falhas nessas aeronaves
Em meio à comoção pelo acidente fatal de sexta-feira, um outro avião da VoePass sofreu pane elétrica na noite de quinta-feira, dia 15, após sair de Rio Verde-GO, com destino a Guarulhos. A aeronave precisou fazer um pouso de emergência no aeroporto de Uberlândia. A VoePass confirmou o desvio da rota, como se fosse um ato rotineiro. O avião era um ATR-72 600, mesmo modelo que caiu em Vinhedo, na última sexta-feira. (9) A pane elétrica faz com que o avião fique totalmente escuro e é considerada um incidente grave. Alguns passageiros chegaram a passar mal durante o voo, quando o piloto anunciou o pouso de emergência. E alguns não quiseram seguir viagem no avião. Preferiram outros meios de transporte.
Lições que podem ser tiradas
Do ponto de vista da gestão de crises, a empresa, certamente abalada pelo trágico acidente, administrou a comunicação dessa crise com a discrição que merecia e anunciou as ações por meio de Notas Oficiais, na sua página na Internet e de dois pronunciamentos: na coletiva de imprensa, na noite do acidente, e um pronunciamento gravado, quatro dias após a tragédia. Prática recomendada pelos consultores de crise.
Entretanto, o vídeo gravado deveria ter sido uma alternativa no primeiro dia, para demonstrar a comoção e dar as primeiras orientações aos parentes e amigos dos passageiros, ainda que a empresa não tivesse todas as informações sobre a queda. E, importante, o CEO se esquivou de qualquer comentário sobre a segurança do avião ou da causa do desastre, evitando especulação. Esta talvez a principal pergunta que será feita pelos parentes e futuros clientes, em função da particularidade desse acidente. A coletiva mais pareceu um pronunciamento, porque o CEO ficou muito tempo explicando o que aconteceu.
A empresa incorreu numa falha grave, ao retirar o pessoal de terra, do aeroporto de Cascavel, logo após o desastre. Exatamente no momento em que parentes corriam ao aeroporto para saberem notícias de “um avião que tinha caído”. Falha que mereceu uma advertência à empresa pelas autoridades aeronáuticas. A iniciativa de enumerar as Notas Oficiais, por data e horários de divulgação foi correta, porque facilitou o acesso e o entendimento do que acontecia. A Prefeitura de Cascavel instalou uma sala de emergência no aeroporto do município, ainda na sexta-feira, para dar suporte aos familiares e amigos das vítimas da queda do avião, iniciativa básica nesses casos.
Para o doutor em engenharia aeronáutica e ex-gerente de operações da Infraero, Omar Daniel, “o acidente do ATR da Voepass, certamente trará, como todos os acidentes, vários fatores contribuintes e grandes lições e oportunidades de melhorias e de aumento da segurança da aviação. Porém, para se fazer questionamentos diversos, quanto a qualquer dos atores envolvidos, deve-se esperar o resultado da investigação do CENIPA e do respectivo relatório.”
“Particularmente, neste episódio, mais de uma dezena de experts já se pronunciaram, apresentando possíveis causas do acidente. Nota-se que muitos apenas buscam holofotes e aumento de” likes” em suas redes sociais, sem responsabilidade nenhuma na realidade dos fatos. A grande maioria sem nenhuma prova concreta. Colocam em dúvida, e podem vir a prejudicar, de forma prematura e sem provas, uma empresa aérea, um tipo de aeronave e até órgãos reguladores. Ou provocarem crises com especulações não comprovadas. Esta enxurrada de especulações e de declarações de especialistas, num momento destes, como atualmente está sendo feito, é irresponsabilidade e falta de respeito aos parentes das vítimas.”
Crise de reputação e futuro
Um acidente dessa magnitude impactaria qualquer empresa aérea do mundo, não importa o tamanho. No caso da Voepass, como se trata de uma empresa pequena, que possui somente 15 aeronaves, que voam para 37 destinos no País, o desgaste na reputação e as perdas financeiras, decorrentes do acidente, poderão ser fatais para o futuro da companhia.
Não esquecer que várias empresas gigantes de aviação como Pan Am, Swissair, TWA, entre outras, que tiveram acidentes graves, com centenas de mortes, não conseguiram se reerguer após as tragédias. Ou fecharam ou foram compradas por concorrentes. A americana Pan Am era uma das mais antigas companhias aéreas do mundo, com uma marca fortíssima. Mas o acidente de 21/12/1988 do voo 103, com um Boeing 747, que voava entre o aeroporto de Heathrow para Nova York, foi o tiro fatal pra falência da empresa, que já tinha problemas de governança. O avião foi destruído, logo após a decolagem, quando um dispositivo explosivo improvisado, escondido em uma bagagem, detonou e derrubou o avião, matando todos os 259 passageiros e tripulantes. O explosivo, apontou a investigação, foi plantado no avião por terroristas líbios.
Primeira Nota da Voepass – 09/08/24 – 14h21
A VOEPASS Linhas Aéreas informa a ocorrência de um acidente envolvendo o voo 2283- avião PS – VPB, nesta sexta-feira, dia 09 de agosto, na região de Vinhedo/SP. A aeronave decolou de Cascavel/PR com destino ao Aeroporto de Guarulhos, com 58 passageiros e 4 tripulantes a bordo.
A VOEPASS acionou todos os meios para apoiar os envolvidos. Não há ainda confirmação de como ocorreu o acidente e nem da situação atual das pessoas que estavam a bordo.
A Companhia está prestando, pelo telefone 0800 9419712, disponível 24h, informações a todos os seus passageiros, familiares e colaboradores.”
A partir daí foram emitidas nove Notas, até o dia 15/08/24.
Entrevista coletiva 09/08/24 – 20h
O CEO da Voepass Linhas Aéreas, Eduardo Busch, e o diretor de Operações da empresa, Marcel Moura, deram uma entrevista coletiva na noite desta sexta-feira (9) para falar sobre o desastre. A coletiva, que pareceu mais uma “declaração à imprensa”, foi realizada no timing correto, algumas horas depois do acidente. Até porque nos primeiros minutos, em geral, a empresa que enfrenta um acidente desses, não tem informações claras sobre o que aconteceu. Recomendam-se entrevistas coletivas para eventos de tal magnitude até cinco horas após o início da crise.
Nota da Voepass, 10/08/24, às 10
Pronunciamento do presidente da Voepass – 13/08/24 – 20h
Quatro dias após o acidente, o presidente da empresa, Comandante Felício gravou um pronunciamento de três minutos, certamente lido, lamentando o acidente. Essa prática do pronunciamento deveria ter sido feita logo após o acidente, ainda no dia 9 de agosto. A exemplo do que fez o presidente da Vale, Fábio Schvartsman, quando do rompimento da Barragem de Brumadinho, em 25/01/2019. A manifestação do presidente da Vale foi um hora após o acidente.
Nota da Voepass, 15/08/24 – 15h30
OS 7 PIORES ACIDENTES AÉREOS ENVOLVENDO BRASILEIROS
1- Voo Air France 447.
Airbus A330 da Air France caiu no Oceano Atlântico durante rota entre o Rio de Janeiro e Paris em 1º/06/2009, caindo no mar e matando 228 pessoas. Dezenas de corpos de passageiros nunca foram recuperados.
2- Voo TAM 3054
O Airbus A320 da TAM (atual Latam), caiu em 17/07/2007, vindo de Porto Alegre, saindo da pista e batendo num prédio da TAM Express. 199 mortos.
3- Voo GOL 1907
Em 29/09/2006, um Boeing 737 da Gol caiu no interior de Mato Grosso, após ser atingido no ar por um jato Legacy particular. O acidente deixou 154 mortes.
4- Voo VASP 168
Em 08/06/1982, um Boeing 727 da Vasp bateu em uma colina, quando se aproximava do aeroporto de Fortaleza-CE, causando a morte de 137 pessoas.
5- Voo Transbrasil 303
Boeing 727 fazia a rota Belém até Porto Alegre, com escalas em várias capitais. Em 12/04/1980, bateu numa encosta próximo ao aeroporto de Florianópolis, durante a aproximação. Tinha 58 passageiros, 55 morreram e três sobreviveram.
Acidentes fora do território brasileiro
6- Voo Lamia 2933
28/11/2016. Levava a equipe da Chapecoense, comissão técnica e jornalistas para o jogo contra o Atlético Nacional. Caiu na aproximação do aeroporto, em Medelin (Colômbia) matando 71 pessoas e com seis sobreviventes.
7- Voo VARIG 820
Em 11/07/1973, próximo ao aeroporto de Orly, Paris, França, o Boeing 707, ao constatar incêndio provocado a bordo, a tripulação tentou um pouso de emergência, numa plantação de cebolas, evitando cair sobre área urbana, e o avião acabou pegando fogo no solo, quando morreram 123 passageiros, com 11 sobreviventes, sendo um único passageiro e demais tripulantes.
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