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Wilson da Costa Bueno | USP/JorCom/Comtexto

1. Na sua visão, o que engloba a gestão de riscos e de crises e qual a contribuição deste processo para as organizações?

A gestão de riscos e a gestão de crises, compreendem, obrigatoriamente, uma governança ativa e competente, associada um sistema de compliance com diretrizes conhecidas por todos os públicos internos. Elas devem estar respaldadas por uma cultura organizacional e de comunicação que incorpore, como atributos básicos, a identificação de riscos ou situações que possam acarretar prejuízos do ponto de visa financeiro, patrimonial ou à imagem de uma empresa ou organização de maneira geral.

A gestão de riscos e a gestão de crises se caracterizam pela articulação e o diálogo entre os vários setores ou áreas da empresa e pelo desenvolvimento de ações de comunicação que disseminem boas práticas, a necessidade de observância aos princípios éticos e a estrita conformidade com a legislação em vigor. Elas devem estar previstas em documentos oficiais, como os que sistematizam o Planejamento Estratégico, a Política de Comunicação, e serem de conhecimento dos gestores que integram a alta administração, mas também de todos os funcionários ou servidores.

 

2. No seu ponto de vista, as organizações brasileiras avançaram na gestão de riscos e crises nos últimos 10 anos?

É evidente que há, nos dias atuais, uma percepção mais ampliada e precisa sobre a importância da gestão de riscos e de crises nas organizações brasileiras, mas é fundamental reconhecer que, embora os riscos e as crises façam parte do quotidiano das empresas, um número significativo delas ainda não as contempla com a prioridade devida. Muitas empresas têm evidenciado, na prática, que não estão adequadamente capacitadas para enfrentar os desafios decorrentes de eventos que tenham a capacidade de provocar instabilidade institucional, prejuízos financeiros e abalos à sua reputação.

A atenção a questões relacionadas com a governança, compliance, sustentabilidade, diversidade, inclusão, acessibilidade, dentre outras, e, particularmente no caso brasileiro, o enfrentamento de problemas associados à corrupção, certamente aumentou, mas ainda há muitos desafios a enfrentar. Inúmeros setores empresariais e instituições governamentais se mantêm displicentes em relação aos riscos e subestimam os impactos decorrentes das crises, apostando, certamente, no lobby junto ao Congresso, na lentidão da Justiça e até (o que é cada vez mais arriscado) na falta de mobilização e de vigilância da sociedade.

 

3. Como se apresenta o cenário atual da pesquisa científica sobre risco e crise no contexto da comunicação organizacional no Brasil?

Temos observado um incremento significativo de estudos e pesquisas relacionados com gestão de riscos e de crises na área de comunicação organizacional, com uma produção crescente e a atenção de grupos de pesquisa que incorporam esta temática em suas linhas de investigação.

A análise de casos de crise tem frequentado habitualmente os eventos de prestígio nesta área e há uma capacitação maior de profissionais que atuam nestes processos, inclusive com foco em estratégias de comunicação. Tem contribuído também, para a qualificação dos especialistas na área, a criação de estruturas/núcleos nas organizações públicas e privadas voltadas para atender a estes desafios, com a participação de gestores da área profissionalizada de comunicação. Estamos aprendendo, portanto, como gerenciar estes processos tanto pelo desenvolvimento de estudos e pesquisas sérias, como pela observação atenta da prática das organizações que identificam os riscos e enfrentam as crises.

Mesmo assim, é importante frisar que o número de grupos de pesquisa em comunicação com foco específico em comunicação de riscos e comunicação de crises ainda é insuficiente. Em busca realizada, no início de março de 2024, com as palavras-chave “comunicação de crise” e “comunicação de riscos”, no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, resgatamos apenas um total 14 grupos com foco nestes temas, o que é surpreendentemente pouco expressivo, se comparado ao número de grupos de pesquisa que se ocupam da maioria de outros temas de comunicação.

 

4. Quais contribuições pesquisas brasileiras na área já promoveram para o aperfeiçoamento das práticas profissionais?

A principal contribuição, a meu ver, reside no esforço empreendido pelas empresas, governos, centros produtores de conhecimento (universidades, por exemplo) para despertar a consciência de gestores e dos cidadãos em geral sobre a importância da comunicação nos processos de gestão de riscos e de crises. Podemos admitir, no entanto, que poderíamos estar caminhando mais aceleradamente, visto que têm aumentado os fatores de risco que potencializam as crises. No campo da comunicação podemos observar, nos últimos anos, a emergência de novos fatores potencialmente críticos no que diz respeito a crises, como o incremento da desinformação e do movimento negacionista, o impacto da utilização de aplicações/ferramentas de inteligência artificial generativa e as tensões crescentes pelo embate político/ideológico que define um contexto intensamente polarizado.

 

5. Que caminhos a produção científica sobre risco e crise deve percorrer com vistas à legitimação desta área?

É importante analisar, de maneira profunda e crítica, os casos concretos de gestão de riscos e de crises de modo a identificar soluções competentes adotadas pelas empresas, mas também registrar o espírito não proativo de muitas delas em relação a esta questão. Quando for o caso, é imperioso denunciar posturas não éticas utilizadas pelo ambiente empresarial e governamental. Tendo em vida as particularidades da nossa área de atuação, é recomendável analisar, particularmente, as ações/diretrizes e normas de comunicação associadas a processos emblemáticos de gestão de riscos e de crises porque elas podem indicar caminhos, revelar lacunas e sobretudo reforçar a necessidade de capacitação dos profissionais de comunicação.

 

6. Vivemos um período de desconfiança e de incertezas nas organizações envolvendo personalidades (da música, do futebol, do cinema etc). Na sua perspectiva, qual é a justificativa para isso?

Vivemos, efetivamente, um período de incertezas e de desconfiança em relação às organizações, incluindo personalidades e/ou celebridades.

A ocorrência de casos de crises que envolvem profissionais de várias áreas acabou despertando a atenção para o protagonismo destes personagens e para o fato de que muitos deles, envolvidos em situações de instabilidade institucional ou por elas responsáveis, não estiveram sob a vigilância de sistemas competentes de governança, compliance e da ética corporativa.  Casos de assédio sexual envolvendo artistas, jogadores de futebol, gestores de organizações públicas e privadas, conhecidos do grande público, evidenciam a necessidade de maior atenção por parte das organizações públicas e privadas. Elas os transformam em seus parceiros, notadamente, em seu esforço de comunicação institucional (campanhas publicitárias, marketing corporativo) sem se darem conta de que conflitos entre o perfil e as posturas destes personagens e os objetivos e valores institucionais podem desencadear crises potencialmente nefastas à sua reputação.

A utilização crescente de influenciadores digitais em campanhas institucionais e mercadológicas por parte de empresas e governos permite concluir que se privilegiam, exclusivamente, as vantagens potenciais desta parceria sem levar em conta a falta de sinergia com a missão, a visão e o propósito das organizações.

 

7. Poucas práticas de comunicação de risco vêm a público. Quando algo oficial é divulgado já faz parte da comunicação de crise. Se há informações de interesse público ou do mercado que devem ser comunicadas, por que ainda são omitidas?

É forçoso reconhecer, apesar de alguns avanços nos últimos anos, que a cultura de prevenção, de gestão de riscos, dado o perfil diverso das empresas brasileiras, ainda não está presente em boa parte delas, o que favorece o surgimento e a intensificação das crises. A gestão de riscos e a gestão de crises constituem processos estratégicos que devem caminhar juntos. Na verdade, a gestão de riscos deve ser desencadeada em primeiro plano porque é ela que orienta e sinaliza para os fatores que são potencialmente desencadeadores das crises. É preciso destacar, também, que, pelo menos na área de comunicação, há mais estudos e pesquisas voltados para a gestão de crises do que para a gestão de riscos, mas é possível observar algumas mudanças nos últimos anos, com a inclusão deste tema nos eventos, a publicação de artigos nos periódicos da área e mesmo a incorporação de linhas de pesquisa com esse foco nos grupos de investigação em comunicação.

 

8. Qual crise ocorrida nos últimos anos no Brasil pode ser considerada emblemática, seja pela condução bem-sucedida seja pela gestão desastrosa?

Os exemplos são muitos, mas eu destacaria dois casos que ainda estão, nesse momento em andamento. Na área privada, é patente o impacto nefasto da atuação da mineradora Braskem na cidade de Maceió, com prejuízos incalculáveis para uma porcentagem significativa de moradores e para o meio ambiente. A mineradora ignorou os riscos desta exploração abusiva e predadora, priorizando unicamente os lucros e essa ganância e irresponsabilidade empresarial acabaram aprofundando os prejuízos, tornando a situação irreversível e insustentável.

O esforço de comunicação desenvolvido para a gestão da crise provocada pela Braskem se caracterizou pela falta de ética, transparência e de diálogo com as vítimas, com ações que evidenciaram a sua disposição de manipular a opinião pública. O grupo empresarial apostou no seu poderio econômico, no apadrinhamento político e na cumplicidade dos poderes da república, no âmbito municipal (executivo, legislativo e judiciário), para empreender campanhas de convencimento sobre as suas boas práticas, tentando, quase sempre, eximir-se ou reduzir a sua responsabilidade.

Na área pública, devemos destacar o episódio da fuga de 2 presos no Presídio Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, que se tornou emblemático tanto do ponto de vista da gestão de riscos, como na gestão da crise desencadeada pela fuga.

O sistema de segurança do presídio era precário, o que facilitou a saída dos foragidos pela janela das celas, o seu deslocamento pelo ambiente do presídio sem que fossem avistados por câmeras de vigilância, que não funcionavam, e pela iluminação deficiente. Os dois elementos tiveram acesso ainda a ferramentas que possibilitaram romper o frágil alambrado que cercava o presídio. É preciso reconhecer que a culpa não é devida apenas ao governo atual, mas que se reporta à própria construção do presídio, há mais de uma década, e à sua manutenção de forma precária em governos anteriores.

Do ponto de vista da comunicação, quando identificada a fuga, o governo federal tentou, de imediato, garantir que os presos seriam recuperados com brevidade, mas o tempo passou e ficou patente a incompetência da força policial para detê-los. Flashes repetidos nos jornais de televisão criaram a expectativa de que o momento de recuperação estava próximo, proclamaram o esforço do Governo nesta empreitada (mais de 500 agentes policiais, uso de recursos tecnológicos modernos para identificar movimentação em meio à mata e na escuridão), mas nada aconteceu, como previsto. Muito pelo contrário, embora os policiais não o encontrassem, eles tiveram ajuda externa, receberam armas, ameaçaram moradores da região e, a cada dia, se movimentavam mais aceleradamente em direção a pontos de fuga, como estradas municipais e estaduais.

Manifestei-me a este respeito pelo Facebook, assim como muitos comunicadores e cidadãos, declarando que, “não dá para evitar a fuga de um presídio de segurança máxima, se não tivermos pelo menos um sistema de inteligência mínima.”

Eu destacaria, como experiência bem-sucedida de gestão de crise, com participação expressiva da comunicação, o exemplo já relatado pelo prof. João José Forni, em entrevista ao Observatório da Comunicação de crise e que consta também do e-book, lançado recentemente pelo OBCC, em comemoração ao seu primeiro ano de fundação: o choque de aviões no aeroporto internacional Haneda, em Tóquio, no dia 2 de janeiro de 2024. Embora não exista dúvida de que houve uma falha grave de comunicação entre os controladores de tráfego aéreo e os pilotos das aeronaves – um Airbus A350 da Japan Airlines (JAL), um avião Dash-8 da Guarda Costeira japonesa, o importante é que todas as 400 pessoas, entre tripulantes e passageiros, do Airbus, saíram ilesas. O tempo de retirada destas pessoas foi recorde (apenas 90 segundos) e impediu que elas fossem atingidas pelo fogo que, quase instantaneamente, consumiu a aeronave O êxito desta retirada, que salvou todas as vidas, se deveu a inúmeros procedimentos e ações de comunicação corretas e rápidas tomadas pela tripulação do avião de passageiros.

As(os) colegas interessadas(o)s em consultar maiores detalhes deste episódio, exemplarmente lembrado como de gestão perfeita de crises, podem acessar a descrição e análise que constam do site do prof. Forni pelo link: https://www.comunicacaoecrise.com/site/index.php/artigos/1238-choque-de-avioes-no-japao-uma-aula-de-gestao-de-crise. Aliás, convido a toda(o)s a conhecerem este portal de Comunicação & Crise que traz recursos valiosos para quem estuda e pesquisa essa temática relevante.

 

9. De que formas os profissionais da Comunicação podem sensibilizar empresários e gestores públicos sobre a importância da cultura da prevenção e a necessidade da gestão de riscos?

É importante que os profissionais de comunicação estejam mobilizados para destacar a importância da cultura de prevenção e a necessidade da gestão de riscos, apresentando trabalhos e cases em eventos da área e realizando projetos de pesquisa para a análise detalhada de casos concretos. Urge, também, debater estas temáticas nos sindicatos e nas associações da área, lembrando que, sobretudo, o esforço deve ser coletivo porque, ao sinalizar para problemas que tenham a ver com as empresas ou clientes para os quais trabalham, os profissionais podem ser objeto de represália.  Os comunicadores devem, por isso, estar articulados com organizações da sociedade civil, ao mesmo tempo que precisam empreender sua capacitação nas áreas de governança, com o IBGC, de compliance e assim por diante.

 

10. Olhando de fora, no contexto atual e diante da atuação, é possível perceber sinais que põem em risco alguma organização brasileira nos próximos anos?

Há inúmeros fatores que podem incrementar riscos, especialmente para o desenvolvimento da atividade de comunicação organizacional. Podemos destacar, dentre outros, a aplicação abusiva e não ética das IA generativa, a participação de profissionais em movimentos ou no desenvolvimento de ações que comprometem a circulação de informações qualificadas, reforçando o negacionismo e a desinformação. É fundamental reconhecer, ainda, os riscos da não adesão e da falta de compromisso com valores e princípios que são caros à sociedade, como a promoção da inclusão, da diversidade, da acessibilidade, o respeito aos direitos humanos e toda sorte de preconceitos que ainda permanecem ativos em nosso contexto (racial, de gênero, religioso, étnico).

 

11. Após a Pandemia do Novo Coronavírus e das Eleições 2022 no Brasil, a imprensa está mais bem preparada para cobrir situações críticas?

Acredito que evoluímos neste sentido porque houve um debate importante durante a epidemia de covid e também sobre ações não éticas desenvolvidas durante o período das eleições. A ação positiva dos tribunais (TSE, STF) no sentido de identificar desvios, abusos, crimes durante estes períodos ainda se mantém e há indícios favoráveis de que vivenciaremos situações menos críticas durante as eleições municipais de 2024. É necessário estar atento sobretudo para o uso devastador de determinadas aplicações de IA, as chamadas “deepfakes”, para as manifestações que legitimam o discurso de ódio e para o incentivo ao golpismo, que caracterizou a eleição presidencial de 2022 e ainda movimenta segmentos representativos da sociedade brasileira.

 

*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor sênior da ECA/USP, com mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação e especialização em Comunicação Rural. É líder do grupo de pesquisa JORCOM – O Jornalismo na Comunicação Organizacional, certificado pela USP e registrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq. Já orientou mais de 120 dissertações e teses em Comunicação/Jornalismo e é diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa, consultoria que atua há mais de 40 anos nas áreas de Comunicação Organizacional e Jornalismo Especializado (Científico, Ambiental, Saúde e Rural).