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Sergio Andreucci | Cásper/USP/Andreucci Comunicação

  1. Na sua visão, o que engloba a gestão de riscos e de crises e qual a contribuição deste processo para as organizações?

 

A atividade de Relações Públicas exercida no Brasil por meio das áreas específicas de comunicação corporativa, assessorias, consultorias e agências de RP, têm por demanda tradicional atender situações do cotidiano da comunicação organizacional, bem como eventualmente responder por situações inesperadas pela ocorrência de crises de imagem.  Tradicionalmente, as ações de gestão de crises estão muito relacionadas às atividades de assessoria de imprensa, preparação de porta-vozes, comunicação com lideranças e demais táticas voltadas para públicos estratégicos ligados diretamente ao contexto, com o objetivo de minimizar os efeitos negativos de imagem proporcionados pela crise. 

O que sabemos de fato é como uma crise começa, porém não sabemos quando e como termina, os resultados reputacionais e o tempo de crise são praticamente incertos, portanto, todas as organizações que se envolvem em alguma situação de crise acabam demandando muitos recursos humanos e financeiros, na tentativa de controle e para a menor perda possível do seu capital de imagem. 

A gestão de riscos passou a ser um instrumento poderoso para melhoria contínua dos processos, bem como um balizador de condutas e de estratégias corporativas. Outro fato preocupante é que parte das organizações que possuem planos de gestão de riscos não contempla planos de contingências para possíveis riscos residuais, ou seja, um risco que continua após as respostas terem sido implementadas e que permanecem mesmo após as contramedidas corporativas.

O papel mais estratégico das Relações Públicas para gestão de crises deverá anteceder ao próprio evento da crise, ou seja, é muito mais seguro, econômico e eficiente para proteção da imagem e reputação das organizações, o trabalho apurado das Relações Públicas na gestão de riscos, antecipando fatos, verificando anomalias, tratando os problemas na fonte.  Antes que essas anomalias se transformem em riscos e riscos se transformem em crises.

Estar preparado para as contingências é ser estratégico e faz parte de um planejamento responsável, pois devemos medir e agir continuamente sobre os nossos riscos, mas não podemos fazer o mesmo com as incertezas. Trabalhar o mapeamento e a gestão de riscos sem dúvida nenhuma apresenta a forma mais segura e efetiva para salvaguarda do patrimônio reputacional das organizações.

 

  1. No seu ponto de vista, as organizações brasileiras avançaram na gestão de riscos e crises nos últimos 10 anos?

 

No âmbito da minha pesquisa, bem como da minha experiência profissional, entendo que evoluímos muito nos últimos 10 anos em grandes empresas no quesito gestão de riscos e crises, principalmente em empresas multinacionais, porém na maioria das empresas não percebo ainda a aproximação dos instrumentos de gestão de risco com a área de comunicação, são mecanismos paralelos, que não se conversam e são conduzidos por áreas diferentes da organização.  A comunicação acaba se integrando ao processo apenas na fase de comunicação de risco ou já tardiamente com o contingenciamento de crises.

 

  1. Como se apresenta o cenário atual da pesquisa científica sobre risco e crise no contexto da comunicação organizacional no Brasil? 

 

No decorrer da minha pesquisa, de durou quatro anos, não encontrei dentro das Faculdades de Comunicação elementos e fundamentos suficientes para o estudo da gestão de riscos, porém, e de forma abundante, muito conteúdo e produção científica em relação à gestão de crises.  Devido a essa dificuldade, busquei auxílio e base de conhecimento na área da Administração, especificamente na FEA / USP e na FGV, onde tive acesso a um volume considerável de artigos sobre gestão de riscos, porém quase nada em relação à gestão de crises. Ficou evidente para mim durante o período de pesquisa que as áreas do conhecimento da Comunicação e da Administração não estavam nenhum pouco integradas.  Enquanto uma só falava de risco a outra só falava de crise.

 

  1. Quais contribuições pesquisas brasileiras na área já promoveram para o aperfeiçoamento das práticas profissionais?

 

Também acredito que apesar de termos algumas boas parcerias, principalmente por meio da Aberje, da Abrapcorp e da Abracom, bem como de iniciativas dos próprios cursos de graduação e de pós-graduação das Faculdades, ainda estamos muito distantes do ideal.  Entendo que estamos reconstruindo, pós-pandemia, os laços entre as Faculdades e as Organizações, que tiveram por conta da crise que reduzir drasticamente os investimentos em qualificação e aperfeiçoamento dos seus colaboradores, bem como também se afastaram durante esse período de possíveis parcerias com a academia.

No que tange a área de gestão de riscos, a ANPAD – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração promove anualmente seu evento internacional e contribui efetivamente para as Organizações por meio de um Grupo de Trabalho específico sobre Gestão de Riscos Corporativos.

 

  1. Que caminhos a produção científica sobre risco e crise deve percorrer com vistas à legitimação desta área?

 

Do âmbito da área da comunicação precisamos repensar as ementas e os currículos dos programas de graduação, bem como os professores e pesquisadores da área precisam se aproximar do entendimento de risco como estratégia de sustentação do próprio negócio das organizações. Durante o estudo exploratório que realizei, ficou constatado nitidamente uma diferença de comportamento e entendimento da atividade de Relações Públicas nos Estados Unidos em relação ao Brasil, especificamente na abordagem das questões de gestão de riscos, isto é, existe uma aproximação maior entre as áreas de Relações Públicas e da Administração naquele país, no qual a presença e atuação do profissional de RP é mais efetiva em todo o processo de gestão de riscos. Uma provável hipótese para essa constatação pode estar relacionada à formação acadêmica da área de Relações Públicas nos Estados Unidos, que considera o conhecimento da Administração e Negócios como elemento fundamental para preparação de novos profissionais, além ainda do fato dos principais estudos e metodologias do segmento de gestão de riscos serem oriundos de importantes Institutos e Universidades Estadunidenses.

No Brasil, caminhamos muito nos conceitos e práticas de gestão de crises, agora precisamos, e já começamos, nos aprofundar no entendimento do mapeamento de riscos das organizações, em toda a sua cadeia produtiva, desde os seus insumos até a sua pós-entrega, tanto para produtos quanto para serviços.  Nos Estados Unidos e grande parte do mundo, a formação de Relações Públicas está ligada a área de conhecimento de Negócios – Business, aqui no Brasil, apesar do MEC ter reclassificado recentemente os cursos de Relações Públicas e de Publicidade e Propaganda como cursos pertencentes à área de conhecimento Negócios, ainda estamos presos aos Currículos de Comunicação Social, sendo que o ideal seria um equilíbrio entre as áreas.

 

  1. Vivemos um período de desconfiança e de incertezas nas organizações envolvendo personalidades (da música, do futebol, do cinema etc). Na sua perspectiva, qual é a justificativa para isso?

 

Infelizmente estamos passando por um período longo de polarização política no Brasil, fazendo com que ideologias radicais interfiram significativamente na produção cultural, na mídia, na academia, na participação social das empresas, além devastar muitas relações familiares e de amizades.  Esse ambiente nefasto vem atrasando o desenvolvimento do país, proporcionando um comportamento totalmente ríspido e muitas vezes cauteloso pelas pessoas de bom senso que acabam abortando iniciativas e projetos com receio de serem julgados e mal interpretados pela opinião pública.

 

  1. Poucas práticas de comunicação de risco vêm a público. Quando algo oficial é divulgado já faz parte da comunicação de crise. Se há informações de interesse público ou do mercado que devem ser comunicadas, por que ainda são omitidas?

 

De fato, a Comunicação, dentro do cenário nacional, vem chegando sempre atrasada, ou seja, quando acontece já está na fase final de comunicação de risco – ou pior – de comunicação de crise. Este fenômeno, no meu entendimento, ocorre, pois os profissionais da área de comunicação estão muito distantes dos processos de produção da Administração. Não podemos nos fechar no quadrado da comunicação, precisamos nos aproximar de toda cadeia produtiva, entendendo as anomalias e os possíveis riscos, tratando os riscos durante todo o processo de produção e evitando crises.

 

  1. Qual crise ocorrida nos últimos anos no Brasil pode ser considerada emblemática, seja pela condução bem-sucedida seja pela gestão desastrosa?

 

Infelizmente estamos convivendo com inúmeros eventos de crises nos últimos tempos.  Logicamente temos exemplos positivos e muitos negativos, na maioria das vezes o que vem a público são os negativos. 

Na minha opinião, fora a crise do COVID que foi causado por questões de macroambiente, a maior crise emblemática dos últimos anos causada por uma organização foi decorrente do desastre ambiental ocorrido pelo rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho.  Apesar de as empresas envolvidas estarem hoje respondendo, por meio de uma Fundação, pelas medidas de recuperação do impacto ambiental e social, a condução da gestão de riscos inexistiu, bem como o processo de gestão de crises foi tardio, conflitante e nada transparente.

Quando falamos de processos de gestão de riscos bem-sucedidos, podemos citar, por exemplo, a postura de várias montadoras de veículos automotores (nem todas) que se anteciparam ao mercado anunciando por diversas vezes o recall de peças, muito antes da ocorrência de um evento negativo pudesse acontecer com um condutor proprietário de um carro.

No campo da gestão de crises, posso apontar de maneira positiva como o Governo do Estado de São Paulo, durante a crise do abastecimento de água em 2014, administrou a comunicação de crise com agilidade, eficiência e transparência.  Instalando prontamente o seu comitê de crises e realizando as ações anteriormente planejadas no seu Plano de Crises de forma articulada e transparente.

 

  1. De que formas os profissionais da Comunicação podem sensibilizar empresários e gestores públicos sobre a importância da cultura da prevenção e a necessidade da gestão de riscos?

 

Acredito que o melhor argumento passe pelo convencimento de que a gestão de riscos além de evitar uma crise, que pode convalescer de maneira irreversível a organização, traz eficiência, pois gerenciar riscos melhora a produtividade e consequentemente os resultados da organização. Tratar de maneira holística todo o processo da cadeia produtiva da empresa, levantando as anomalias, mapeando seus riscos, controlando de forma efetiva esses riscos, tratando os riscos residuais, garante o padrão de qualidade do negócio e a sua segurança na prestação de serviços e na fabricação de produtos.

 

  1. Olhando de fora, no contexto atual e diante da atuação, é possível perceber sinais que põem em risco alguma organização brasileira nos próximos anos? 

 

Sem dúvida nenhuma as empresas, tanto no Brasil quanto de fora, estão muito mais expostas e sensíveis às crises.  As mudanças climáticas, o equilíbrio entre o consumo e a produção, a polarização política mundial, a corrida tecnológica, a economia do planeta, as relações internacionais e os conflitos das guerras, nos apontam para um cenário totalmente incerto e imprevisível, tanto para as organizações quanto para a sociedade.  Vivemos em um mercado global integrado e em mutação constante, que tira o sono de qualquer governante e de empresários também.  Os fatores de macroambiente sem dúvida nenhuma se apresentam como os maiores desafios e de risco para as organizações.

 

  1. Após a Pandemia do Novo Coronavírus e das Eleições 2022 no Brasil, a imprensa está mais bem preparada para cobrir situações críticas?

 

Apesar da tentativa constante de controle e de cerceamento de liberdade de expressão que presenciamos nos últimos tempos, acredito que a imprensa brasileira está preparada para a cobertura de situações críticas que possam a vir acontecer.  A imprensa também aprendeu com os seus erros e hoje se preocupa muito mais com a qualidade da fonte de informação e a sua veracidade, aparentemente é mais cautelosa.  O problema ainda está no poder de quem detém os meios de comunicação e de seus interesses, por muitas vezes, principalmente na imprensa regional, os interesses acabam contribuindo decisivamente para a qualidade imparcial ou parcial dos fatos.

 

  1. Você acabou de lançar um livro sobre Riscos de Comunicação e a relevância da gestão de identidades nas Relações Públicas. Conte-nos um pouco a respeito da publicação.

 

 A obra publicada pela Editora Aberje, na versão e-book e impressa, apresenta o resultado da minha tese de doutorado e uma reflexão da minha atuação profissional de Relações Públicas de mais de 32 anos.

Ao longo de 334 páginas faço um mergulho profundo nas questões da Comunicação Organizacional e de Relações Públicas e apresento uma nova metodologia para o mapeamento de riscos em comunicação, denominada Matriz de Probabilidade de Riscos em Comunicação Corporativa, adaptada e baseada nos conceitos metodológicos da ISO 31000, no COSO- Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commissioneno e do PMI – Project Management Institute.  A obra teve como suporte conceitual o estudo exploratório com a revisão bibliográfica e de artigos de 366 referências, sendo 255 nacionais e 111 internacionais, além de um estudo de caso com aplicação de pesquisa qualitativa e aplicação do modelo proposto.

O tema principal desse estudo está relacionado à atuação do profissional de Relações Públicas na gestão de crises, indagando qual seria o posicionamento mais correto do RP para administração de contingências que envolvam a imagem e a reputação de organizações, ou seja, propondo um reposicionamento estratégico voltado à gestão de riscos corporativos de imagem.  Uma reflexão sobre o papel das Relações Públicas, na aproximação mais assertiva junto à Administração e aos processos de produção, antecipando-se às possibilidades de crise, trabalhando preventivamente nas anomalias e nos riscos de imagem da cadeia produtiva.  Tratar com atenção as vulnerabilidades, além de defender a imagem e a reputação, prepara a empresa para possíveis eventos indesejados, contribui para o aperfeiçoamento da organização e para o fortalecimento de todos os seus recursos, incluindo pessoas. A gestão de riscos, assim sendo, acontece antes do próprio evento indesejado, protegendo as empresas administrativamente e organizando o seu sistema anticrises, baseado em todos os fatores de micro e macroambientes, que interferem direta ou indiretamente na organização.

A identidade organizacional é tratada no livro como ponto de partida para gestão de riscos, pois a preocupação com as questões relacionadas à imagem e reputação sempre foram pauta para a consecução dos planejamentos estratégicos e de fundamental importância para sobrevivência dos negócios de maneira segura e equilibrada. Ao pensar sobre comunicação de riscos, a obra não está apenas caracterizando o trabalho de Relações Públicas nas ações de comunicação de riscos, e sim, propondo que o Relações Públicas trabalhe também no tratamento dos riscos.  Assim sendo, a figura realmente estratégica das Relações Públicas só será de fato uma realidade, para proteção inteligente do capital reputacional de uma organização, quando estiver preparada para agir continuamente sobre os riscos, evitando as incertezas e se antecipando às crises.

 

* Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/ USP. Mestre em Comunicação pela Cásper Líbero, MBA em Gestão Estratégica de Negócios pela FGV, Especialista em Marketing pela FECAP, Sergio Andreucci foi executivo de comunicação em grandes empresas do setor elétrico. É sócio-diretor da Andreucci Comunicação – agência especializada em gestão de riscos e crises há 22 anos, professor da Cásper Líbero há 30 anos e de pós-graduação da ECA / USP desde 2003.  Andreucci, desde o início da sua carreira, sempre esteve à frente de projetos importantes de gerenciamento de riscos e crises, atendendo em quase 35 anos de atuação mais de 65 empresas. Autor do livro “Riscos de Comunicação – a relevância da gestão de identidades nas Relações Públicas” (2023).