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Rosângela Florczak | PUCRS

 

  1. O que é gestão de riscos e crises hoje?

Na lógica social e midiática que marca o nosso tempo e coloca a crise como o novo comum, a gestão de riscos e de crise implica em um sistema marcado por uma visão processual que envolve todos os esforços preventivos para evitar as crises (mapeamento, monitoramento e mitigação do risco), a comunicação que constrói a consciência do risco (comunicação preventiva ou comunicação de risco), a preparação prévia para atuar em eventos críticos e crises (plano de contingência, plano de respostas e comunicação para crises), a capacitação dos gestores e equipes para atuar na prevenção e na contenção (Formação continuada para riscos e crise) e as iniciativas de recuperação de imagem e reputação (Pós-crise).

Todas essas etapas do processo ou partes do sistema precisam estar embaladas em uma Política de Prevenção e Gestão, ou seja, um amplo conjunto de diretrizes que alinham a compreensão e o comportamento organizacional do tema.

 

  1. Nem tudo é uma crise! Então, o que de fato caracteriza uma crise? A partir do que/de qual momento podemos afirmar que uma crise está se instaurando ou se instaurou?

Três conceitos aqui são fundamentais: Risco – que é a ameaça possível a partir de vulnerabilidades internas ou externas; o evento crítico – que é ao acontecimento negativo que gera uma emergência que pode e deve ser gerenciada de forma assertiva para evitar a crise e a crise propriamente dita que é o transbordamento comunicacional do acontecimento.

Portanto, a crise se constitui quando há repercussão no espaço público, seja interno ou externo. Quando o acontecimento gera danos e afeta os relacionamentos organizacionais, atrai a atenção do ambiente midiático – tradicional ou redes sociais –, gera o escrutínio público a partir da curiosidade sobre a organização e, além disso, submete os envolvidos ao julgamento desse mesmo público.

 

  1. A partir do seu ponto de vista, as organizações brasileiras avançaram na gestão de riscos e crises?

Eu acredito que, finalmente, estamos avançando na estruturação da área no Brasil. Por ser um tema interdisciplinar, é necessário articular diferentes conhecimentos na organização e envolver diferentes setores, mas com a consolidação dos processos de compliance e as exigências do cenário internacional, assim como os altos custos das crises, os riscos do ambiente digital e a valoração da reputação como um ativo estratégico têm provocado os avanços que precisávamos há décadas. 

Hoje temos um ecossistema fortalecido para lidar com riscos e crises. Empresas de grande porte com área robustas e profissionais altamente capacitados para fazer a gestão dos riscos reputacionais e a contenção das crises. Também assistimos um interesse crescente pela pesquisa do tema no Brasil e o surgimento de uma rede de serviços de consultoria, assessoria e soluções tecnológicas voltadas para a área. Deve ser a área com maior crescimento em gestão e reputação nesta década. Chegamos atrasado ao tema em relação a muitos outros países latino-americanos e ainda mais em relação ao hemisfério Norte, mas estamos avançando.

 

  1. Poucas práticas de comunicação de risco vêm a público. Quando algo oficial é divulgado já faz parte da comunicação de crise. Se há informações de interesse público ou do mercado que devem ser comunicadas, por que ainda são omitidas?

A comunicação preventiva ou comunicação do risco é uma dimensão que precisa avançar muito. Ainda é confundida com alarmismo ou tratada com sigilo. Na verdade, trata-se de uma obrigação da organização no relacionamento com as partes interessadas. Se há algum risco preciso que os envolvidos tenham consciência e ajam em relação de corresponsabilidade para que não ocorram eventos críticos extremos que comprometam vidas e patrimônios. Mas o alerta necessário aqui vai para a área de comunicação: estratégias de comunicação preventiva não são simplesmente informacionais. É preciso ir além da informação, gerar sentido, educar e desenvolver práticas e comportamentos de cuidado.

 

  1. É de conhecimento que vivemos um período de incertezas e desconfiança nas organizações, incluindo personalidades (da música, do futebol, do cinema, etc.). Na sua perspectiva, qual a justificativa para isso?

Há uma revolução profunda no modo como nos relacionamos. A relativa transparência e abundante informação acessada pelo cidadão, mudou seu olhar sobre as organizações e as pessoas públicas. As contradições – intrínsecas ao ser humano e que configuram as organizações – hoje passam a ser vistas e analisadas cotidianamente pelos interlocutores, sejam eles cliente, torcedores, associados. Independente da natureza do vínculo, há uma hipervisibilidade presente que faz estremecer as relações de confiança ou, pelo menos, a desloca para a relação um a um.

O ambiente midiático digital, especialmente no que diz respeito ao espaço das redes sociais, responde a esse novo modo de se relacionar e potencializa o deslocamento da confiança.

 

  1. Levando em conta o cenário digital, como a “cultura do cancelamento” vem influenciando a forma de gerir uma situação de instabilidade pela qual uma organização passa?

A influência é profunda, mas eu destacaria dois aspectos: a celeridade e a comunicação como diálogo. Explico: a cultura do cancelamento, assim como toda a lógica do compartilhamento nas redes sociais é baseada na emoção. A emoção mais primária e rudimentar do indivíduo, quando compartilhada, vai contagiando e configurando uma espécie de emoção pública. Com isso, a necessidade de ser rápido e assertivo na reação aos eventos críticos se tornou um imperativo. A contenção das crises precisou ser acelerada no mesmo ritmo das redes. A tolerância é zero para a demora em reagir. Por outro lado, a reação já não se faz mais como se fazia em tempos analógicos, com uma só nota oficial / comunicado. Hoje é preciso estabelecer uma relação de diálogo nos momentos de caos. As notas muitas vezes intensificam as situações quando não geram a crise. Antes, é preciso uma comunicação intensiva, dialogal, simples e redundante como nunca.

 

  1. Qual crise ocorrida nos últimos anos pode ser considerada emblemática, seja pela condução bem-sucedida seja pela gestão desastrosa?

A gestão de crise mais bem sucedida é aquela que não se tornou pública, ou seja, aquela que deu muito trabalho na gestão do evento crítico e foi contida, não transbordou. Há muitos casos no Brasil, mas que por serem bem-sucedidos não se tornam conhecidos. Das que se tornaram públicas temos algumas como a do Boticário, em 2015, quando adeptos de uma crença religiosa chamaram um grande boicote a um produto da marca por homofobia. A marca resistiu e manteve seu posicionamento, se tornando ainda mais forte.

Em contrapartida, somos pródigos em crises mal gerenciadas. Desde as catástrofes ambientais que abatem população vulnerável sob forma de enchentes, deslizamentos, estiagens, chuvas torrenciais até aquelas que envolvem grandes marcas. As situações vividas pela Vale nas duas barragens de rejeitos que se romperam formam um caso emblemático que rende estudos no âmbito das organizações privadas. As recorrentes crises em hospitais públicos e privados, os ataques armados coletivos às escolas. Enfim, não faltam exemplos de situações mal conduzidas e que, infelizmente, se repetem.

 

  1. De que formas os profissionais da Comunicação podem sensibilizar empresários e gestores públicos sobre a importância da cultura da prevenção e a necessidade da gestão de riscos?

O primeiro passo que precisa ser dado pelos profissionais de comunicação é investir na ampliação do repertório técnico para fazer a gestão de riscos e crises. Hoje, a grande maioria dos profissionais ainda usa o ferramental da década de 1980. É comum encontrar profissionais e empresas que se posicionam nesse tema, mas tudo que fazem é escrever notas e comunicados para circunstâncias de ameaça e/ou crise. É urgente estudar o tema de forma ampla, construir metodologias e atuar na dimensão estratégica e não apenas operacional.

Uma vez que essa primeira etapa tenha sido vencida, é preciso estabelecer uma estratégia baseada em conhecimento para sensibilizar os gestores. Hoje, a crise que afeta a reputação gera impacto econômico-financeiro imediato nas organizações. Convencer um gestor quando há risco de prejuízos tangíveis é sempre mais rápido. Buscar oportunidade de formação continuada para essas lideranças é fundamental.

 

  1. Após a Pandemia do Novo Coronavírus e das Eleições 2022 no Brasil, a imprensa está mais bem preparada para cobrir situações críticas?

Eu entendo e espero que a imprensa siga exercendo seu papel de denúncia de análise de erros, equívocos e más intenções, assim como de escândalos e situações que ameaçam pessoas e instituições. Mas também espero que a comunicação das organizações esteja mais bem preparada para defender seu ativo reputacional. Não com censura ou ameaças à imprensa, mas sim com estratégias inteligentes e transparentes de comunicação.

 

  1. Olhando de fora, no contexto atual e diante da atuação, é possível perceber sinais que põem em risco a imagem e a reputação de alguma organização brasileira nos próximos anos?

Em todos os segmentos de atuação há sinais de riscos que podem se converter em eventos críticos mal gerenciados e eventuais crises. Nossa cultura de prevenção e antecipação é incipiente. Entendemos o enfrentamento das crises como testes de resistência de nossa garra e fé e, com isso, ignoramos a riqueza da prevenção e trocamos o custo relativamente baixo de gerenciar os riscos pelo alto custo de conter as crises. Infelizmente, ainda precisamos desenvolver a Cultura do Cuidado no contexto das organizações brasileiras, o que implica em uma consciência cada vez maior dos riscos e da necessidade de prevenção e segurança. Enquanto isso não acontecer, não estamos seguros neste tema. Precisamos caminhar mais rápido.

 

*Doutora e mestre em Comunicação (PUCRS), com especialização em Sociologia (UFRGS); em Comunicação Empresarial e em Teorias e Práticas de Ensino (ESPM). É graduada em Comunicação Social – Jornalismo (UFSM) e consultora e sócia-diretora da Verity Consultoria. Atuou como executiva de comunicação em organizações de grande porte, especialmente na área educacional e saúde. Atualmente, é Decana da Escola de Comunicação, Artes e Design – Famecos da PUCRS.