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Mateus Lourenço de Paula | Polícia Rodoviária Federal

1. O que é gestão de riscos e crises hoje no contexto da atuação da Polícia Rodoviária Federal(PRF)?

Na PRF, gestão de riscos e gestão de crises são tratadas por diversas áreas independentes e sem regulamentação específica. Há frentes de trabalho na Comunicação Social, na Corregedoria, na Inteligência e no Gabinete da Direção-Geral, o que enriquece a diversidade de olhares, mas não garante unicidade de procedimentos e respostas.

A preocupação hoje está latente pelo cenário de turbulências vivido no último ano pela instituição, o que acaba por empenhar um contingente que talvez nunca tenha estado tão mobilizado para as temáticas. Oportunidade que abraçamos na Comunicação Institucional para construir um manual que abarque o assunto, que ofereça uma linha de trabalho que não dependa do “achismo” de quem esteja na função, e que fique de legado para a instituição.


2. Nem tudo é uma crise! Então, o que de fato caracteriza uma crise? A partir do que/de qual momento podemos afirmar que uma crise está se instaurando ou se instaurou?

No meu entender, a crise é um fato, ação ou inação de um órgão ou alguém que gera uma demanda crescente, de viés negativo, com repercussão junto a públicos de interesse ou mesmo difusos, necessitando de ações para anular ou conter a propagação do tema.

A medida para dizer que a crise está se instalando ou se já é uma realidade consolidada é que, no primeiro cenário, a previsibilidade dos riscos permite medidas para que se estanque ou minimize o problema com ações que, por vezes, antecipam o fato. O risco é detectado, mas o dano ainda é incerto. Já a crise instaurada é quando se trabalha para minimizar ou reverter danos, uma vez que o cenário exponencialmente negativo se confirma junto ao seu público de interesse, mídia, etc.

Costumo fazer uma analogia de crise com um fenômeno específico da natureza: o terremoto. De difícil previsibilidade, o sismo principal costuma fazer um estrago muito grande, diretamente, pelo tremor, ou indiretamente, com tsunamis, por exemplo. Todavia, não se pode perder atenção nas réplicas, ou tremores secundários, que surgem após o evento principal com frequência e magnitude variados. Na crise, se não atentarmos aos desdobramentos dos fatos, mantendo um olhar com viseira somente no evento principal, podemos ser surpreendidos por seu “eco” por tempo e/ou frequência muito maiores que o desejado. Uma crise é um terremoto!


3. A partir do seu ponto de vista, as instituições brasileiras avançaram na gestão de riscos e crises?

Por estar imerso no meio público por mais de uma década, a minha referência se prende mais ao setor no qual estou inserido. No meu ponto de vista, empresas de sociedade mista, cujo capital tem participação pública e privada, são as que mais se desenvolveram nos últimos anos quando o assunto é gestão de riscos e crise.

Dois dos maiores exemplos são Petrobras e Banco do Brasil, empresas com forte apelo público, com ativos negociados na B3, que sofreram com eventos de repercussão midiática negativa e que superam seus dilemas. Para mim, não há dúvidas que o investimento privado força um maior cuidado na área, visto uma fácil precificação das crises refletido no valor de ações.


4. Poucas práticas de comunicação de risco vêm a público. Quando algo oficial é divulgado já faz parte da comunicação de crise. Se há informações de interesse público que devem ser comunicadas, porque ainda são omitidas?

Talvez o fato da pouca maturidade do assunto no meio corporativo seja o principal motivo, mas não o único. A comunicação de risco, se mal trabalhada, pode ser o estopim da própria crise. No setor público, a situação é ainda mais precária. Dificuldade em mão de obra especializada, contratação ou aquisição de ferramentas adequadas, dificultam o trabalho como um todo.

Outra trava no setor público é a velha mas tradicional burocracia. Os processos são infinitamente mais rígidos, perpassa por caminhos muitas vezes desnecessários e exige o cumprimento de formalidades processuais frequentemente dispensáveis para uma efetiva tomada de decisão.


5. É de conhecimento que passamos por um período de incertezas, desconfiança e descrédito em relação a algumas instituições públicas brasileiras, a exemplo da PRF. Na sua perspectiva, por quanto tempo os impactos reputacionais de tal fenômeno ainda serão sentidos? E o que se fez/está fazendo no âmbito da PRF nesse aspecto?

Acredito que os adjetivos citados estão todos correlacionados e que, da mesma forma, a reversão positiva de um deles leva ao outro. Acredito que o descrédito tenha ocorrido no início da nossa gestão. Desde que assumimos a Coordenação de Comunicação, não houve um único momento em que a PRF tivera sua credibilidade questionada sobre qualquer assunto presente, mas sim, acerca de fatos específicos, um passado recente, no qual em nenhum momento recusamos a tratar, sempre resguardando a integridade e legalidade dos fatos e sobretudo valorizando a liberdade de imprensa.

Aliás, esse período de distanciamento da imprensa é passado. No nosso plano de comunicação, a reaproximação com todo o meio, independente dos acontecimentos, é prioridade, e isso pode ser mensurado pelos inúmeros profissionais da imprensa recebidos na nossa coordenação. Não que sejamos unanimidade, mas cada dia fica nítido para a sociedade que a PRF passou por um período atípico dentro dos 95 anos de história do órgão. Não podemos ter a exceção como regra. Não é razoável considerarmos a atitude de um ou outro CPF pelo CNPJ de uma instituição com quase 13 mil servidores na ativa.

Vencida a incerteza, temos que avançar para retomar o patamar de confiança que outrora tivemos. Em 2017, uma pesquisa encomendada pela Federação dos Policiais Rodoviários Federais (FENAPRF) ao Instituto Guimarães, apontou uma aprovação social de 85% de aprovação da PRF. Em 2021, a mesma pesquisa apontou um índice ainda superior, com 91% de aprovação. É óbvio que, ainda que empiricamente, seja fácil deduzir que perdemos bastante capital social após as crises de 2022. Todavia, atuamos hoje com um trabalho profissional de comunicação para recuperarmos esse prestígio, certos de uma atuação séria das nossas áreas correicionais e de controle interno.

Fazendo o uso planejado de nossos canais oficiais, como redes sociais e portal, reforçamos o uso da nossa própria voz e envolvimento do público, numa tentativa de quebra da “quarta parede”, para interagirmos em relação a fatos cotidianos da PRF, reafirmando nossa diversidade de atuação. Destaque para nosso perfil oficial no Instagram, hoje consolidado como maior perfil de segurança pública do mundo na plataforma, com cerca de 1.8 milhão de seguidores.

Com transparência, profissionalismo e, acima de tudo, muita resiliência, estamos certos que retomaremos a plena confiança da população muito em breve.


6. Quais foram as ações e estratégias da área de Comunicação Institucional empreendidas no “Caso Genivaldo”, em 2022? Comente sobre o manual de abordagem de pessoas em crise de saúde mental criado a partir do ocorrido.

Mesmo discordando de toda abordagem de comunicação realizada pela PRF ao tempo dos fatos e ao longo do ano passado inteiro, com sucessivos equívocos, comentar pontualmente sobre a atuação da Comunicação Institucional em 2022 é algo que evito, em respeito aos que sucedo, independente de afinidade.

Avançando para 2023, a PRF resolveu rever muitos de seus procedimentos operacionais, para que casos como este, ainda que sendo únicos, não se repitam jamais. Além de novas Instruções Normativas com foco nas diretrizes e procedimentos relativos ao uso da força em serviço pelos policiais, a PRF investiu em um novo manual de Resposta às Pessoas em Crise de Saúde Mental, preparando os agentes para situações em que o perfil do abordado necessite de uma atenção diferenciada do policial.

Outros exemplos do investimento em segurança pública mais inclusiva estão no investimento em conscientizar os servidores sobre como lidar com o público autista, com um amplo debate da temática incluindo podcasts aberto ao público; na participação de debate acerca do racismo na atividade policial, e etc.

Fora a revisão de manuais, a PRF, de maneira inédita, instituiu em sua Universidade Corporativa (UNIPRF) uma comissão para propor a revisão das diretrizes da doutrina policial da PRF, com participação popular, com o retorno e valorização da disciplina de Direitos Humanos à grade curricular que compõe a formação do policial rodoviário federal.

Acredito que são ações concretas, como as citadas acima, que permitem à Comunicação Institucional reafirmar o papel do órgão, tratando o fato crítico como a exceção que é.

 

7. Ainda sobres eventos críticos pelos quais a PRF passou, quais ações e estratégias de comunicação foram adotadas em torno dos desdobramentos das blitze realizadas no 2º turno das eleições de 2022 no Brasil?

Todos os eventos de crise nos quais o órgão se inseriu estão delimitados em um curto período de tempo. Assim sendo, a estratégia de comunicação institucional para os eventos citados, a partir deste ano, foi dar transparência e ampla divulgação às apurações do caso, para isolar as ações questionadas como institucionais. O respingo é inevitável à instituição, até pela amplitude da crise. Mas, se preciso for, “cortamos na própria carne”.

Com a convicção de órgão de estado e com a resiliência necessária para enfrentar essas réplicas herdadas, mantemos a firmeza no discurso para não deixar que narrativas falsas sob diferentes interesses se tornem a “verdade” sobre o que somos.

Os desdobramentos das investigações administrativas e criminais ainda em curso sobre a temática mantêm a pauta viva em nosso cenário. Seguimos trabalhando nossas pautas positivas, mas sem deixar de monitorar e tratar com franqueza os fatos críticos passados.


8. De que forma os profissionais à frente da Comunicação podem sensibilizar gestores públicos sobre a importância da cultura da prevenção e a necessidade da gestão de riscos?

Creio que essa seja a pergunta de um milhão de dólares! (Risos!)

Hoje o que não falta para um profissional de comunicação são cases de crises que poderiam ser evitadas ou minimizadas pelo investimento em gestão de risco e crise. Apesar de claro o potencial estrago destes eventos, o trabalho de convencimento esbarra na autoconfiança que muitos gestores têm em suas experiências e capacidade de análise de cenários, sobrepujando um olhar profissional à temática.

O convencimento pode vir na revisão da própria história. Reavaliar situações em que, em grande parte, sem custo financeiro, diferentes ações fariam a diferença em uma situação previamente vivenciada, pode ser um caminho à tão valiosa resposta procurada.


9. Após a Pandemia do Novo Coronavírus e das Eleições 2022 no Brasil, a imprensa está mais bem preparada para cobrir situações críticas?

Com certeza. Eu diria que especialmente a brasileira! A imprensa viveu um período de total descompasso com o governo passado, por conta de políticas do próprio governo. Durante a pandemia, a união de diferentes canais / órgãos do segmento foi o que permitiu uma fiel apuração dos quadros de saúde do país, por meio do Consórcio de Imprensa. A independência da imprensa se fez valer pela persistência de jornalistas na busca da informação, sem distorções.

O restabelecimento da notícia apurada frente às fake news amplamente divulgadas na internet, sobretudo nas redes sociais e aplicativos de mensagens, também revitalizou o papel da imprensa para cobrir situações críticas. No meio de tantas informações cruzadas sobre sintomas, tratamentos e prevenção à COVID, a imprensa fez prevalecer a ciência.


10. Olhando de fora, no contexto atual e diante da atuação, é possível perceber sinais que põem em risco a imagem e a reputação de alguma organização brasileira nos próximos anos?

A tônica política deve continuar provocando desgastes institucionais nos próximos anos. Erros, ações e omissões, sobretudo relacionados a corrupção e a crimes contra a vida, são grandes pesadelos das organizações públicas. Se inseridos em contexto de efervescente contaminação política, certamente ganham maior destaque e tiram o sono de qualquer comunicador.

Para evitar nomear uma ou outra organização, creio que apontar setores seja mais prudente. Num momento em que fontes alternativas de energia ganham destaque no cenário mundial, a indústria de combustíveis fósseis está em flerte constante com eventuais crises de imagem e reputação. Além dos altos riscos da extração, as políticas de energias renováveis ganham mais adeptos, e levam empresas a ressignificarem sua atuação, pois são vistas com mais desconfiança e menos tolerância pela sociedade.

 

*Pós-graduado em Educação Transformadora pela PUC/RS (2021), com MBA em Marketing e Gestão de Negócios pela Universidade Cândido Mendes (2012), e graduação em Comunicação Social pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais (2008), assumiu a Coordenação Nacional de Comunicação da Polícia Rodoviária Federal em 2023, quadro de onde é servidor desde 2015. Esteve requisitado pela Secretaria Especial de Comunicação Social (SECOM) entre março de 2022 a janeiro de 2023, representando o SICOM – Sistema de Comunicação Social do Poder Executivo Federal – na Conferência do Clima da ONU (COP27) em 2022, com destaque para a produção e roteiro do vídeo em Realidade Virtual Amazônia 360. Na PRF, atua na comunicação do órgão desde 2016 em produções como roteirista, diretor, apresentador, repórter e social media, com passagem pela Universidade Corporativa do órgão entre 2021 e 2022. Coordenou a campanha selecionada Destaque Maio Amarelo 2023 recebida pela PRF pelo Observatório Nacional de Segurança Viária e finalista do prêmio ECOAR 2011 pela Equipe de Comunicação e Autodesenvolvimento do Banco do Brasil, onde atuou entre 2010 e 2013.