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Gustavo Buss | Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz

  1. Na sua visão, qual o papel da comunicação de risco para a prevenção de surtos, epidemias e pandemias?

A comunicação de risco desempenha um papel crucial na prevenção e controle de surtos, epidemias e pandemias. Ela serve como um eixo central para a gestão de emergências de saúde pública, promovendo a disseminação de informações precisas, transparentes e baseadas em evidências. A comunicação de risco educa a população sobre os riscos associados a doenças infecciosas, como a COVID-19, e as medidas preventivas que podem ser adotadas. Isso inclui a importância da vacinação, práticas de higiene e distanciamento social. Ao fornecer informações claras e baseadas em evidências, a comunicação de risco capacita as pessoas a tomar decisões informadas para proteger sua saúde, o que é fundamental para aumentar a adesão às medidas de saúde pública. Uma comunicação eficaz pode reduzir a percepção de risco exagerada ou infundada, promovendo uma compreensão equilibrada dos reais perigos e benefícios das intervenções de saúde, como as vacinas. Durante surtos e pandemias, a incerteza é comum. A comunicação de risco ajuda a gerenciar essa incerteza, fornecendo informações atualizadas e transparentes sobre a situação, o que pode reduzir o medo e a ansiedade da população. Além disso, a comunicação de risco mobiliza a comunidade para apoiar as medidas de saúde pública, incentivando a vacinação, a adesão às quarentenas e outras ações coletivas essenciais para controlar a propagação de doenças. A comunicação de risco também envolve a vigilância contínua das informações, permitindo a detecção precoce de rumores, informações falsas e eventos inesperados, possibilitando uma resposta rápida e eficaz para corrigir desinformações e ajustar as estratégias de comunicação conforme necessário. A transparência na comunicação é fundamental para construir e manter a confiança do público nas autoridades de saúde. A divulgação de informações verdadeiras e a abordagem de superabundância de informações (infodemia) são essenciais para manter a credibilidade das mensagens de saúde pública. Em resumo, a comunicação de risco é uma ferramenta essencial para a prevenção e controle de surtos, epidemias e pandemias. Ela não só informa e educa a população, mas também facilita a tomada de decisões informadas, reduz a percepção de risco, gerencia a incerteza, mobiliza a comunidade e mantém a confiança pública. Uma estratégia de comunicação bem planejada e executada pode fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso na resposta a emergências de saúde pública.

 

  1. Qual a relação que pode ser estabelecida entre a crise climática e o surgimento ou a disseminação de doenças no mundo?

A relação entre a crise climática e o surgimento ou disseminação de doenças no mundo é complexa e multifacetada. As mudanças climáticas, impulsionadas principalmente pela atividade humana na era do Antropoceno, estão tendo um impacto significativo na saúde global. Eventos climáticos extremos, como secas, tempestades e ondas de calor, podem agravar cerca de 58% das doenças infecciosas conhecidas. Esses eventos não apenas enfraquecem o sistema imunológico das pessoas, tornando-as mais vulneráveis a doenças, mas também criam condições favoráveis para a proliferação de vetores de doenças, como mosquitos. O aumento das temperaturas, em particular, tem favorecido a disseminação de vetores e a intensificação de doenças transmitidas por eles, como malária, dengue, zika e chikungunya. Além disso, as mudanças nos padrões de precipitação e temperatura podem alterar a distribuição geográfica e a sazonalidade dessas doenças. Mais de mil ligações entre mudanças climáticas e surtos de doenças já foram identificadas por pesquisadores. Por exemplo, as queimadas no Pantanal levaram à invasão de ratos selvagens nas cidades, aumentando o risco de transmissão do Hantavírus. A gripe espanhola de 1918 também coincidiu com uma anomalia climática que trouxe frio e chuva intensos, possivelmente contribuindo para a severidade da pandemia. Além dos impactos diretos na propagação de doenças, a crise climática também afeta a segurança alimentar e a disponibilidade de água potável, o que pode levar a surtos de doenças transmitidas por alimentos e água. Eventos climáticos extremos também podem causar deslocamentos populacionais, criando condições propícias para a disseminação de doenças. É importante ressaltar que os impactos da crise climática na saúde não são sentidos de maneira uniforme. Grupos vulneráveis, como pessoas pobres, mulheres, crianças e idosos, são desproporcionalmente afetados. Isso destaca a necessidade de políticas públicas e ações de adaptação que fortaleçam a resiliência dos sistemas de saúde e protejam as populações mais vulneráveis. Para enfrentar esses desafios, é essencial uma abordagem interdisciplinar e colaborativa, que integre conhecimentos das ciências da saúde, ciências ambientais e ciências sociais. Iniciativas como a Rede Saúde Única, o Observatório de Clima e Saúde e o Grupo de Trabalho Interinstitucional Clima, Saúde e Cidadania, liderados pela Fiocruz, são exemplos de esforços nessa direção. Em última análise, lidar com a relação entre a crise climática e a disseminação de doenças requer ações transformadoras em setores como energia, transporte e uso da terra, a fim de mitigar as mudanças climáticas e proteger a saúde humana. Ao mesmo tempo, é necessário fortalecer os sistemas de saúde, tornando-os mais resilientes e preparados para responder aos desafios impostos pelas mudanças climáticas. Somente através de uma abordagem abrangente e integrada, que reconheça a interconexão entre a saúde humana e a saúde do planeta, poderemos enfrentar efetivamente essa ameaça global.

 

  1. No seu ponto de vista, o que governos e órgãos públicos de saúde brasileiros aprenderam com a pandemia de Covid-19 em termos de gestão de crise sanitária?

A pandemia de Covid-19 trouxe inúmeras lições para os governos e órgãos públicos de saúde brasileiros em termos de gestão de crise sanitária. Primeiramente, ficou evidente a necessidade de fortalecer a Atenção Primária à Saúde (APS) como a primeira linha de defesa contra surtos e pandemias. A APS mostrou-se crucial na promoção da saúde, prevenção de doenças e na administração de vacinas, além de ser um ponto central de comunicação e coordenação dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, a pandemia destacou a importância de sistemas de vigilância epidemiológica robustos e integrados, capazes de prever e responder rapidamente a surtos. A falta de sistemas de alerta precoce e a desorganização inicial na resposta à crise evidenciaram a necessidade de investimentos contínuos em infraestrutura de saúde e em tecnologias de informação para monitoramento de doenças. Outro aprendizado significativo foi a necessidade de uma comunicação de risco clara e consistente. Mensagens contraditórias e a infodemia (epidemia de desinformação) durante a pandemia geraram confusão e desconfiança na população. Portanto, é essencial que as autoridades de saúde desenvolvam estratégias de comunicação eficazes, engajando especialistas em comunicação de risco e utilizando plataformas adequadas para diferentes públicos, incluindo os jovens. A pandemia também expôs desigualdades sociais e regionais que amplificaram os impactos da crise. Isso reforça a necessidade de políticas públicas que promovam a equidade no acesso aos serviços de saúde e que abordem determinantes sociais da saúde. Por fim, a experiência com a Covid-19 sublinhou a importância da cooperação internacional e da coordenação entre diferentes níveis de governo e setores da sociedade. A criação de quadros de ação e coordenação mundial, como proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pode ser um passo crucial para garantir uma resposta mais eficaz a futuras crises sanitárias. Dessa forma, os governos e órgãos públicos de saúde brasileiros aprenderam que a preparação e a resposta eficaz a crises sanitárias exigem um sistema de saúde robusto e bem coordenado, comunicação clara e baseada em evidências, e políticas que promovam a equidade e a cooperação internacional. Investir em ciência, tecnologia e infraestrutura de saúde é fundamental para estar melhor preparado para futuras pandemias.

 

  1. Para a Fiocruz, que teve um papel essencial durante a pandemia de Covid-19, quais foram os aprendizados desta crise?

Durante a pandemia de Covid-19, a Fiocruz desempenhou um papel crucial e acumulou uma série de aprendizados valiosos. Primeiramente, a Fundação fortaleceu sua infraestrutura e capacidade de resposta, desenvolvendo novas instalações como o Centro Hospitalar para a Pandemia de Covid-19, plataformas tecnológicas de vacinas, unidades de apoio diagnóstico, a Rede Genômica, o Biobanco e o Centro de Pesquisa, Inovação e Vigilância em Covid-19 e emergências sanitárias, preparando-se para futuras emergências sanitárias. Em termos de gestão e governança, a Fiocruz se reinventou, adotando estratégias inovadoras para a gestão de processos e recursos, demonstrando resiliência e uma visão sistêmica para superar os desafios, destacando a importância de uma gestão integrada e participativa. No campo da pesquisa e inovação, ampliou significativamente o conhecimento científico sobre o novo coronavírus, coordenando o ensaio clínico Solidariedade (Solidarity) no Brasil e desenvolvendo novas metodologias de análise, essenciais para uma resposta rápida e eficaz. A comunicação e a informação foram áreas de destaque, com a Fiocruz tornando-se uma das principais fontes de informação segura sobre a Covid-19 no Brasil, combatendo a desinformação e as fake news, e estabelecendo uma comunicação direta com a população de favelas e territórios periféricos através de iniciativas como a campanha “Se liga no Corona!”. Apoiar as populações vulneráveis foi outro aprendizado importante, a partir de projetos sociais para combater os impactos da pandemia, fornecendo diagnóstico, atendimento médico e segurança no isolamento, especialmente para essas populações, contribuindo para a equidade em saúde. No campo da educação e capacitação, a Fiocruz expandiu suas políticas de ação afirmativa, aumentando as cotas reservadas em cursos para pessoas negras, indígenas e com deficiência, além de oferecer apoio financeiro e programas de formação, adaptando-se ao cenário pandêmico com disciplinas e seminários remotos focados no contexto epidemiológico e no enfrentamento da pandemia. Assim, a Fiocruz sai fortalecida da pandemia de Covid-19, com uma infraestrutura aprimorada, uma gestão mais inovadora e resiliente, e um compromisso renovado com a pesquisa, a comunicação eficaz e o apoio às populações vulneráveis, preparando-se para futuros desafios sanitários.

 

  1. A partir dos aprendizados com a pandemia de Covid-19, o que foi implementado junto aos processos já existentes na Fiocruz, ou novos sistemas/processos foram criados a partir da crise?

A partir dos aprendizados com a pandemia de Covid-19, a Fiocruz implementou diversas ações e desenvolveu novos sistemas e processos que fortaleceram a Fundação. Durante a crise, a Fiocruz mobilizou todo o seu sistema articulado de pesquisa, educação, serviços e produção, combinado a uma gestão democrática e participativa, para fornecer respostas eficazes no enfrentamento da doença. Entre as principais implementações, destaca-se a importância da comunicação eficaz, com muitos pesquisadores compreendendo a necessidade de se comunicar bem com os diversos grupos e segmentos da sociedade. O Observatório Covid-19 Fiocruz e o InfoGripe se tornaram pilares da exposição da Fiocruz na imprensa. Além disso, a Fiocruz lançou um e-book com estudos comparativos de nove países, classificando a pandemia como uma crise multidimensional, cujas consequências para a saúde das populações a médio e longo prazos são potencializadas pelas desigualdades e pelas situações de alta vulnerabilidade social. No âmbito da gestão da pandemia, a Fiocruz realizou várias ações importantes, incluindo a geração de conhecimentos, a difusão de informações técnicas, a produção de uma vacina 100% nacional, a construção da segunda maior UTI dedicada à Covid-19 no Brasil e a entrega de metade dos testes moleculares para abastecimento da rede de vigilância. Entre 2020 e 2021, a Fiocruz capacitou mais de 430 mil profissionais de saúde nos cursos de enfrentamento à Covid-19 pelo Campus Virtual Fiocruz e pela rede da UNA-SUS. A instituição também investiu na infraestrutura e na formação de redes de cooperação técnica, como a Rede Genômica, que permitiram uma resposta mais rápida e eficaz em situações de emergência sanitária. Outra inovação significativa foi o desenvolvimento de novas plataformas tecnológicas de vacinas de terceira geração. A construção de um novo Centro Hospitalar foi uma resposta direta à necessidade de aumentar a capacidade de atendimento durante a pandemia, tornando-se uma peça fundamental na gestão de casos graves de Covid-19. Essas medidas contribuíram para o enfrentamento da pandemia e prepararam a Fundação para futuras crises de saúde pública, garantindo uma capacidade de resposta ainda mais robusta e eficiente. Avalio que a Fiocruz demonstrou uma capacidade de adaptação e inovação que fortaleceu sua posição como uma das principais instituições de saúde pública do Brasil e do mundo.

 

  1. No caso do surto de Dengue no Brasil, entre os meses de dezembro de 2023 e abril de 2024, como você avalia a comunicação de risco implementada pelo Ministério da Saúde e rede nos estados e municípios?

Durante o surto de Dengue no Brasil, entre dezembro de 2023 e abril de 2024, a comunicação de risco implementada pelo Ministério da Saúde e pelas redes estaduais e municipais apresentou tanto pontos fortes quanto áreas que necessitam de melhorias. A comunicação efetiva é fundamental em situações de emergência de saúde pública, e, nesse caso, houve um esforço significativo para fornecer informações claras, precisas e atualizadas ao público sobre a natureza do risco, as populações em risco e as medidas preventivas. No entanto, em algumas regiões, a velocidade e a abrangência da disseminação das informações poderiam ter sido melhoradas, especialmente em áreas mais remotas ou com menor acesso à internet. Diversas estratégias de comunicação foram utilizadas para alcançar diferentes públicos, incluindo mídias sociais, mídia tradicional e comunicação direta através de informes e atualizações. As campanhas de conscientização em rádio, televisão e plataformas digitais foram eficazes em áreas urbanas, enquanto em áreas rurais, a comunicação direta, como visitas domiciliares e palestras em escolas, mostrou-se mais eficiente. A disseminação de informações foi um componente chave, com esforços para garantir que os dados fossem amplamente disponibilizados e facilmente acessíveis, embora houvesse desafios relacionados à atualização constante e à adaptação das mensagens para diferentes contextos culturais e linguísticos. A coordenação entre diferentes ministérios e departamentos do governo foi essencial para uma resposta mais coordenada e eficaz, permitindo a integração de esforços de prevenção e controle, bem como a partilha de informações e recursos. Iniciativas como o “Saúde com Ciência”, projeto do Ministério da Saúde, demonstraram a importância da cooperação institucional e da promoção de informações íntegras para combater a desinformação, apesar dos desafios de coordenação entre múltiplas entidades governamentais. Um exemplo interessante de comunicação de risco foi a campanha “10 minutos contra a Dengue”, desenvolvida pela Fiocruz em parceria com o Governo Federal. Esta campanha propôs que a população dedicasse 10 minutos por semana para combater os focos do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika e chikungunya. A ação contou com a colaboração de artistas, atletas e influenciadores digitais, além de ministros de Estado, que se mobilizaram em vídeos divulgados nas redes sociais. A estratégia, inspirada em uma ação adotada em Cingapura, mostrou-se eficaz ao orientar a população sobre a importância da limpeza semanal de criadouros, ajudando a frear a proliferação do vetor. 

 

  1. Poucas práticas de comunicação de risco vêm a público. Quando algo oficial é divulgado já faz parte da comunicação de crise, em que a crise já se instaurou. Se há informações de interesse público que devem ser comunicadas pelos governos, por que ainda são tardias ou incompletas?

Isso pode ser atribuído a diversos fatores, como a necessidade de verificação rigorosa das informações antes da divulgação, desafios na coordenação entre diferentes agências governamentais e a influência de contextos políticos, sociais e culturais que podem retardar a prontidão das informações. Além disso, a falta de preparação e de um plano de resposta à crise bem estruturado pode resultar em comunicações tardias ou incompletas. A transparência governamental, embora amparada por legislações como a Lei de Acesso à Informação, ainda enfrenta dificuldades na implementação prática, o que pode comprometer a divulgação oportuna e compreensível de informações de interesse público. Portanto, é fundamental que os governos adotem uma abordagem proativa e estratégica na comunicação de riscos, garantindo que as informações sejam transparentes, oportunas e compreensíveis para promover comportamentos de redução de riscos e proteger a saúde pública.

 

  1. Como ocorre dentro dos órgãos oficiais o processo de gestão de riscos ligados à saúde e em que momento os governos e a população são acionados?

Dentro dos órgãos oficiais, como o Ministério da Saúde do Brasil, o processo de gestão de riscos ligados à saúde ocorre de forma estruturada e contínua. Existe uma Política de Gestão de Riscos que estabelece as diretrizes e responsabilidades dos diferentes níveis organizacionais. O Comitê Interno de Governança é responsável por aprovar e supervisionar a implementação dessa política, enquanto o Comitê de Gestão de Riscos coordena as atividades, propõe diretrizes e monitora a implementação. A Unidade de Gestão de Riscos e Integridade assessora os comitês, promove a cultura de gestão de riscos e coordena a elaboração de planos de resposta aos riscos. Já os Gestores de Processo são responsáveis por identificar, analisar, avaliar e tratar os riscos em suas respectivas áreas de atuação. A implementação da política de gestão de riscos é gradual e contínua, com a participação de todos os níveis organizacionais. São realizadas ações de comunicação e capacitação para disseminar a cultura de gestão de riscos, e o monitoramento é feito por meio de indicadores e relatórios periódicos, visando a melhoria contínua do processo. Quanto ao momento em que os governos e a população são acionados, isso depende da natureza e da gravidade dos riscos identificados. Em situações de emergência em saúde pública, como a pandemia de COVID-19, os governos acionam planos de contingência e comunicam à população as medidas necessárias para mitigar os riscos. A gestão proativa de riscos envolve a vigilância ininterrupta, a redução de vulnerabilidades e o fortalecimento das capacidades de resposta, o que requer a participação dos governos e da sociedade civil. Já a comunicação de risco é fundamental para manter a população informada e engajada, permitindo que as pessoas tomem decisões conscientes para proteger sua saúde e bem-estar. Note que a gestão de riscos em saúde é um processo colaborativo e permanente, que envolve diferentes níveis organizacionais dos órgãos oficiais e requer a participação dos governos e da população em momentos críticos, como emergências de saúde pública, e na construção de uma cultura de prevenção e preparação para lidar com os riscos.

 

  1. Quais os principais desafios encontrados no processo de comunicação para a prevenção e para os riscos de doenças no Brasil?

Os principais desafios encontrados neste processo envolvem a necessidade de aprimorar e adaptar as estratégias de comunicação para serem mais inclusivas e eficazes. O modelo de comunicação atual, muitas vezes centralizado e funcional, pode ser aprimorado para incluir mais diálogo e interação, promovendo uma comunicação comunitária que considere a diversidade de sujeitos e o contexto local. A desigualdade no acesso à tecnologia e à internet é um desafio que pode ser mitigado com iniciativas que ampliem a inclusão digital, permitindo maior participação e controle social. É importante que as estratégias de comunicação levem em conta as vulnerabilidades específicas de certos grupos populacionais, abordando de forma mais abrangente as determinantes sociais da saúde. A comunicação em saúde pode se beneficiar de uma abordagem mais contínua e integrada, em vez de ser pontual e focada apenas em situações de crise. E há que se considerar que a diversidade teórica que fundamenta a comunicação em saúde oferece uma riqueza de perspectivas, mas também pode ser harmonizada para evitar confusões entre os profissionais da área. A integração entre o planejamento de ações de saúde e de comunicação, bem como a criação de uma rede de comunicação direta e estável, pode aumentar a eficácia das campanhas de prevenção. Além disso, investir na capacitação de profissionais especializados em comunicação e superar desafios logísticos e operacionais são passos importantes para melhorar o planejamento e a execução de estratégias. Dessa forma, adotar práticas comunicativas mais dialógicas, que atendam ao contexto dos sujeitos e se identifiquem com a realidade e cultura populares, pode fortalecer a eficácia das mensagens de saúde. Por fim, a avaliação contínua das campanhas de comunicação é essencial para compreender e superar os limites das práticas atuais, promovendo uma comunicação mais clara e adaptada às realidades locais para efetivamente prevenir doenças e promover a saúde.

 

  1. Após a pandemia de Covid-19, o Brasil estaria melhor preparado cientificamente, comunicacionalmente e estruturalmente para um cenário parecido?

Após a pandemia de Covid-19, o Brasil estaria melhor preparado cientificamente, comunicacionalmente e estruturalmente para enfrentar um cenário semelhante, embora ainda existam desafios a serem superados. A pandemia trouxe impactos multifacetados, destacando a pressão sobre os sistemas de saúde, a vulnerabilidade de populações específicas e a necessidade de sustentação econômica. No entanto, também catalisou avanços significativos em várias áreas. Cientificamente, houve um fortalecimento notável das principais instituições produtoras de vacinas, como o Instituto Butantan e a Fiocruz. A rápida produção de imunizantes e a incorporação tecnológica completa da vacina AstraZeneca/Oxford são exemplos de avanços que permanecerão e poderão ser utilizados para combater futuras doenças. A formação de redes de trabalho entre cientistas e a união acadêmica durante a pandemia resultaram em um potencial pouco explorado que pode ser mantido pós-pandemia, demonstrando a capacidade de resposta rápida e colaborativa da comunidade científica brasileira. Comunicacionalmente, a pandemia destacou a importância de uma comunicação clara e eficaz. A valorização da ciência e a necessidade de ouvir especialistas se tornaram mais evidentes para a população. A ciência, que antes ocupava um espaço marginal, ganhou destaque e reconhecimento, o que pode contribuir para uma maior confiança pública em futuras crises sanitárias. No entanto, ainda há espaço para melhorar a integração e a continuidade das estratégias de comunicação, garantindo que sejam inclusivas e adaptadas às realidades locais. Estruturalmente, a pandemia reforçou a importância do Sistema Único de Saúde (SUS), que, apesar das dificuldades, mostrou-se essencial para a resposta à crise. A imagem do SUS foi enaltecida, e a necessidade de manter e melhorar o sistema público de saúde ficou clara. Sem dúvida, a experiência adquirida com a pandemia é fundamental para as estratégias futuras, e a capacidade produtiva aumentada das instituições de saúde deixará um legado duradouro. Além disso, a digitalização de processos e a adoção de tecnologias como a telemedicina são avanços que podem melhorar o acesso e a eficiência dos serviços de saúde. Entendo que a pandemia de Covid-19 trouxe lições valiosas e catalisou avanços importantes que deixaram o Brasil melhor preparado para enfrentar cenários semelhantes no futuro; no entanto, é crucial continuar investindo em ciência, comunicação e infraestrutura de saúde para consolidar esses ganhos e garantir uma resposta ainda mais eficaz em futuras crises sanitárias.

 

  1. Que caminhos o sistema público de saúde brasileiro ligado à prevenção de doenças precisa trilhar para evitar novos surtos, epidemias e pandemias?

Para garantir a prevenção eficaz de surtos, epidemias e pandemias, o Sistema Único de Saúde (SUS) deve adotar uma abordagem abrangente que inclua a ampliação e o fortalecimento de diversas áreas estratégicas. Em primeiro lugar, é essencial a continuidade e expansão da Cobertura Universal de Saúde (CUS), garantindo acesso equitativo aos serviços de saúde para toda a população. Isso inclui avanços nos indicadores de saúde e a superação de desafios relacionados à sustentabilidade financeira e às desigualdades existentes. A atenção primária deve ser ainda mais valorizada, uma vez que sua priorização pelo SUS já demonstrou ser eficaz no acesso comunitário aos serviços de saúde e na participação cidadã. Isso é fundamental para a detecção precoce de doenças e para a promoção de ações de saúde preventivas. Além disso, o fortalecimento do treinamento em epidemiologia aplicada, como o programa EpiSUS-Avançado, é fundamental para preparar profissionais de saúde na condução de investigações frente às emergências de saúde pública, permitindo uma resposta rápida e eficaz a eventuais surtos. O enfrentamento dos desafios demográficos, como as transições demográficas e epidemiológicas, exige do SUS adaptações para atender uma população com maior expectativa de vida e prevalência de doenças crônicas. Isso implica em políticas de saúde que contemplem essas mudanças, promovendo um envelhecimento saudável e a prevenção de doenças crônicas. Outro aspecto é a governança do setor de saúde, que precisa ser fortalecida com a implementação de políticas eficazes para prevenir surtos e epidemias. Isso foi evidenciado pela resposta à pandemia de COVID-19, que mostrou a importância de uma gestão eficiente e proativa. As políticas universais são essenciais para garantir o acesso à saúde de forma equitativa, especialmente em sociedades desiguais como a nossa, e o investimento em ciência e tecnologia se faz cada vez mais necessário para enfrentar disparidades e promover uma inserção soberana do Brasil no cenário mundial. O desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, com incentivo e regulação estatal, é outro ponto chave para modernizar o SUS, criar empregos qualificados e garantir acesso à saúde. Isso inclui a inovação científica e tecnológica para diagnóstico e tratamento, além de melhorias na infraestrutura e no saneamento básico. Por fim, a coordenação de ações entre diversos ministérios e a formação de parcerias com movimentos sociais e organizações da sociedade civil são fundamentais para a implementação efetiva das ações de saúde. Políticas intersetoriais que promovam a equidade em saúde e reduzam as iniquidades, abordando as causas sociais das doenças, e um foco especial em vulnerabilidades, com ações de proteção social e direitos humanos, são essenciais para diminuir o risco de adoecimento e garantir tratamentos adequados, visando a eliminação de doenças como problema de saúde pública.

 

* Jornalista e sanitarista, doutor em comunicação, especialista em saúde global e diplomacia da saúde, atua no campo da comunicação em saúde, assessor técnico para a Rede Saúde Única, ações em rede da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) no Rio Grande do Sul e membro do Comitê Executivo do Sustainable Health Equity Movement (SHEM), movimento global pela sustentabilidade e equidade na saúde.