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Elsa Lemos | Crisis Communication

  1. Basicamente, quais aspectos envolvem a gestão de riscos e crises nas organizações?

Riscos e Crises são duas áreas que inevitavelmente estão conectadas, são altamente complementares. O problema maior é que existe maior enfoque na listagem de riscos e de crises, do que na sua gestão. Se nada fizermos quanto aos riscos, podemos ter a certeza de que as crises vão ser uma consequência dessa inação.

As organizações estão, muitas vezes, conscientes da sua vulnerabilidade aos riscos e crises. Podem até possuir planos de gestão, mas existe um gap em transpor isso para medidas concretas e sua capacidade de atuação. O planeamento é importante mas a sua materialização é imprescindível.

Na Gestão de Risco deverá envolver a identificação dos riscos, sua análise e meios de tratar ou mitigar, monitorizar, avaliar e quando necessário fazer uma atualização dos mesmos. Quanto à Gestão de Crise surge numa situação limite, quando foram ultrapassadas todas as linhas de defesa, quando a continuidade de negócio fez todos os seus esforços e mesmo assim é declarada a crise.

 

  1. Nem tudo é uma crise! Então, o que de fato caracteriza uma crise? A partir do que/de qual momento podemos afirmar que uma crise está se instaurando ou se instaurou?

Esta pergunta é uma das minhas bases de trabalho com organizações. Precisamos de definir isto antes de tudo. Não podemos usar a palavra “crise” como sinónimo para tudo o que de mal acontece numa organização. O que é uma crise numa organização pode não o ser noutra. Daí a importância de as organizações sentarem-se à mesa e começarem por discutir o que é um evento (programado causado pelo homem, natural ou tecnológico que pode resultar em perturbação), um incidente (não planeado), uma emergência (que ameaça saúde, segurança, vida, propriedade ou ambiente). Quer um evento, um incidente ou uma emergência podem tornar-se numa crise.

Esta é a terminologia que aprendi com Melissa Agnes e utilizo, contudo mais importante do que as designações, é o que a organização define e todos entendem.

Para mim, uma crise é uma situação de alto impacto que interrompe os negócios, por isso é que exige uma escalada imediata ao nível da liderança. É uma situação que ameaça pessoas, ambiente, operações e reputação. Para além disso, como se não fosse suficiente, pode perdurar no tempo e ter um alto impacto financeiro.

Note-se ainda que é preciso determinar a escala de impacto na organização e o seu nível de resposta. É muito curioso verificar o comportamento humano de uma escalada de um evento a uma situação de crise. Inicialmente, há uma despreocupação, uma desvalorização da situação, mas quando há interrupção e esta não é resolvida rapidamente, o nível de stress aumenta e quando tudo já foi feito ao nível da continuidade do negócio, a situação escala ao mais alto nível da organização.

 

  1. No seu ponto de vista, as organizações portuguesas avançaram na gestão de riscos e crises nos últimos 20 anos? Há inovações nesta área no mercado?

Existem sectores de atividade que sempre fizeram gestão de riscos e de crises, nomeadamente ao nível financeiro.

Em Portugal, o tecido empresarial é sobretudo de pequenas e médias empresas e estas não têm estes processos estabelecidos. Existe a ideia de que só está ao alcance das grandes empresas e de altos budgets. Porém, desde 2004 que tenho vindo a desmistificar essa ideia. Um dos meus objetivos foi e é democratizar a Comunicação de Crises (que é a minha área de atuação). Nós, profissionais das crises, precisamos de proporcionar aos pequenos e médios empresários uma cultura de prevenção e de gestão de crises. Não pode estar só ao alcance de alguns!

Notei, sobretudo durante a pandemia, um crescente interesse sobre a Comunicação de Crise. E há um despertar para a temática, muito embora existam ainda sectores mais rígidos. É preciso quebrar mentalidades e isso vai levar o seu tempo. Por outro lado, culturalmente, em Portugal, há a ideia de que “somos bons a desenrascar”, a resolver tudo na hora. E sabemos que o profissional das crises não é um “apaga fogos”, é sim sobretudo um trabalho de prevenção e implementação de processos e de mindset. Se todos soubermos o que fazer, onde “colocar as mãos”, e o que dizer, comunicar, tudo fica mais fácil de gerir.

 

  1. Poucas comunicações de risco são publicadas. Quando algo oficial é divulgado já é uma comunicação de crise. Se há informações de interesse público que devem ser comunicadas para fins de alerta e prevenção, por exemplo, por que ainda são omitidas ou negligenciadas?

Coombs, o pai da Comunicação de Crises, chama-as de paracrisis, ou seja, uma gestão de risco que é tornada pública. É uma linha ténue entre uma paracrisis e uma crise, é verdade.

Quanto ao porquê ainda são omitidas ou negligenciadas, tenho duas opções de resposta: uma por ignorância, falta de gestão de risco e de consciência das fragilidades; outra por medo de expor uma fragilidade e do que isso pode acarretar.

Eu defendo uma comunicação verdadeira e honesta, mas ainda há quem pense que a Comunicação de Crise é mentir ou até ludibriar a informação. Precisamos de todos contribuir para uma real noção deste trabalho que é muito sério e de responsabilidade.

 

  1. Vivemos um período de incertezas e desconfiança nas organizações, incluindo personalidades (da música, do futebol, do cinema, etc.). Na sua perspectiva, qual a justificativa para isso?

Em Portugal, temos uma expressão que diz “gato escaldado de água fria tem medo”. Este ditado antigo significa que quando alguém já sentiu na pele e sofreu com isso, não vai querer ser enganado de novo, ou seja, desconfia.

Esta é uma pergunta complexa. A desconfiança nas organizações pode surgir de vários níveis, político, cultural, legislativo. No meu ponto de vista, estamos a existir a uma crise de valores e há falta de líderes que consigam ter um papel relevante em tempos conturbados que são as crises. Honestamente faltam muitos timoneiros para liderar os navios durante as tempestades. E isto reflete-se nos índices de confiança das pessoas.

Por outro lado, na era da hiper conectividade e da desinformação, há todo o aproveitamento da mente humana para mudar não só a sua forma de pensar, como de agir. É aquilo que François Du Cluzel chama de Guerra Cognitiva, onde a mente humana é o novo campo de batalha, onde “procura-se semear dúvidas, introduzir narrativas conflitantes, polarizar opiniões, radicalizar grupos e motivá-los a atos que podem romper ou fragmentar uma sociedade coesa”.

Acredito que o nível de ações seja cada vez mais complexo e com o emergir da Inteligência Artificial tudo fique mais complicado para nós profissionais das crises, e muito mais difícil para as pessoas distinguir aquilo que é fake do mundo real.

 

  1. Levando em conta o contexto digital, como a “cultura do cancelamento” vem influenciando a forma de gerir riscos, ou então, o modo de gestão de uma crise organizacional gerada por “cancelamento”?

A cultura de cancelamento é baseada na emoção pública. A Opinião Pública foi ultrapassada pela Emoção Pública, já dizia a Rosângela Florczak. Quando tal sucede é preciso agir com o máximo de velocidade e dureza. Não basta um comunicado, é preciso uma comunicação mais forte, mais impactante. O vídeo de resposta à situação grave pode e deve ser utilizado. Eu defendo isso, porque se está a mexer com as emoções, não é um comunicado que vai conseguir contrabalançar, tem de ser algo mais poderoso. O julgamento na ponta dos dedos não pode ter uma resposta “pequenina”, tem de ser proporcional.

 

  1. Na mesma direção, outros fenômenos pós-digitais preocupam os gestores da área. Na sua análise, como lidar com as fake news e a pós-verdade em tempos de viralização por meio de aplicativos de mensagens e redes sociais digitais? Como planejar neste cenário?

Esta é uma área preocupante porque a tendência é aumentar o número de casos. Fake News, Deep Fake Videos, Fake Image Generator. Isto irá ter consequências para os níveis de confiança de organizações, marcas e pessoas. A confiança pode ser corroída e com a Inteligência Artificial que aproveita o padrão mental da suposição daquilo que é mais ou menos confiável… a crise é anunciada.

O estudo recente da iScience revela que existe confusão em distinguir rostos artificiais dos reais e que isso tem implicações no nosso comportamento online. A pesquisa sugere que esta prática pode aumentar a desconfiança nos outros e mudar profundamente a forma como nos comunicamos. Passamos a julgar a realidade e a veracidade. Por outras palavras, o nosso nível de confiabilidade desce para valores muito baixos ou nulos. Podemos dar início a um novo desafio: como criar e manter confiança nas marcas e nas pessoas? Palavras como crédito, certeza, insuspeição, idoneidade, segurança, passam a ser mito?

 

  1. Qual situação de crise ocorrida nos últimos anos pode ser considerada emblemática, seja pela condução bem-sucedida seja pela gestão desastrosa?

Eu gosto de encontrar bons exemplos e nem sempre são fáceis. Tenho uns quantos que menciono nas minhas formações, mas há um recente que todos se recordam, o atentado de Christchurch, na Nova Zelândia. Realço este pela sua comunicação ao nível da atitude de Jacinda Arden, sua estratégia, conteúdo e forma como lidou. Foi uma crise que ficará na história por ser um atentado em live streaming, mas gostaria de realçar a atitude de Jacinda Arden. Ela estava a caminho de uma escola e recebe um telefonema da polícia com a informação do que estava a acontecer. Dá meia volta e vai para a esquadra mais próxima. Começa a rabiscar os pensamentos em pedaços de papel. E liga para o Ministro das Finanças (um dos seus conselheiros) e transmite-lhe os pensamentos. Uma hora depois vai para o hotel e faz uma comunicação ao país. Duas câmaras, uma mesa e uma toalha preta. Foi o que precisou. Acho isto notável.

A estratégia de comunicação, seu conteúdo e forma foram amplamente noticiados. “They are us” marcou o discurso. Ao não nomear o atacante de Christchurch, Ardern não apenas tirou de cena a narrativa do herói nacionalista branco, mas também roubou-lhe a notoriedade. E até marcou um ponto de viragem na abordagem da comunicação em caso de atentados terroristas. Depois, concentrou a sua voz no apoio e na união da comunidade da Nova Zelândia. Alta capacidade de inteligência emocional em situação de crise. Este é um dos casos que está no meu “best off”.

 

  1. De que formas os profissionais da Comunicação podem sensibilizar empresários e gestores públicos sobre a importância da cultura da prevenção e a necessidade da gestão de riscos?

Pelas pessoas. Basta uma para conseguirmos colocar a semente. Eu comecei pelas entidades difíceis, mais rígidas como as Forças Armadas e forças policiais. Não ter medo de mostrar que a Comunicação de Crise é útil e precisa.

Criar awareness pode ser o princípio desse trabalho mais estruturado. Eu gosto de pedir às empresas para colocar todos os departamentos representado num auditório. E assim se começa a lançar as sementes.

Outra forma de sensibilizar é mostrar o efeito de não ter uma cultura de prevenção, ou seja, quais são os danos causados. Quando se trata de “mexer no bolso”, na componente financeira, as organizações despertam mais para o assunto.

É preciso não desistir. Sabemos que estamos certos. É uma missão que temos em mãos.

 

  1. Após a Pandemia do Novo Coronavírus, a imprensa está mais bem preparada para cobrir situações críticas?

Os media estão atentos e, ao mínimo deslize, estão em cima do assunto. O que não é sinónimo de estar mais preparada para lidar.

Julgo que precisamos de trabalhar numa melhor relação com os media. Colocá-los como stakeholder e não “o inimigo” e aí têm de existir ações de abertura das organizações para os media “em contexto de paz” para que depois em crise funcionem melhor.

Também é preciso que os media entendam como funcionam as entidades, a sua linguagem, aspectos técnicos para aprimorar depois o resultado nas suas publicações.

No mundo onde a informação e desinformação será cada vez maior, encontrar atalhos e evitar o distanciamento pode proporcionar um acesso direto ao que está a acontecer, sem qualquer género de desinformação.

 

  1. E as organizações não-midiáticas, têm melhores condições de gerir os impactos de uma conjuntura semelhante a imposta pela pandemia de Covid-19, caso venha ou quando vier a ocorrer algo com a mesma dimensão?

Não é um se irá acontecer. Aliás, alguns médicos infecciologistas portugueses e brasileiros já o afirmam que a probabilidade de novas pandemias é alta, a curto e médio prazo.

Em Janeiro de 2023, foi publicado no jornal Expresso um estudo, onde referia que 96% das pessoas em Portugal acreditam em novas pandemias, apesar de só 7% dos portugueses considerarem que o país está preparado para enfrentar o aparecimento de uma nova pandemia. Porém, ao nível da população algo mudou, o mesmo estudo aponta para que 71% tencionam manter hábitos adquiridos, durante a covid-19, como forma de prevenção.

Julgo que a crise económica tem prejudicado o investimento pós-pandemia. Mas eu tenho alertado para as organizações e alunos para discutirem isso internamente. Pensarem na 3ª fase da Crise, o pós-crise, e onde precisam investir, seja em pessoas, tecnologia ou processos.

 

  1. No contexto atual e diante da atuação de empresas e governos, é possível perceber sinais que põem em risco a imagem e a reputação de alguma organização portuguesa nos próximos anos?

Ninguém é imune às crises. Mas aquelas que não fizerem um trabalho interno forte, têm maior probabilidade de não resistir.

A confiança é um resultado de um trabalho de dentro para fora, começa por processos justos internos para depois lidar com os outros.

Não podemos ver as organizações a trabalhar só para si ou para cumprir os objetivos financeiros. Trabalha para fazer o que é bom para os seus stakeholders, ou seja, corresponde às suas expectativas e ambições. Mostra disponibilidade para corresponder ao desejado.

Só assim merece ser digno de confiança. Ser na sua plenitude: dentro e fora. Anote esta palavra: SER.

 

 *Especialista em Comunicação de Crise. O seu propósito é criar e treinar para uma cultura de comunicação de crises em Portugal. Prepara pessoas e organizações, de entidades públicas, a privadas e sem fins lucrativos para comunicar em situações de crise. Entre os seus clientes está o sector de infraestruturas críticas. É mestre em Guerra de Informação, pela Academia Militar. Tem licenciatura em Ciências da Comunicação, pela Universidade Lusófona. É auditora de Gestão de Crises pelo Instituto de Defesa Nacional. Ao nível universitário, é docente na cadeira de Gestão e Comunicação de Crises, na Pós-Graduação de Comunicação Estratégica para Autarquias, no Politécnico de Coimbra (PT). E é docente na cadeira de Media e Opinião Pública no Mestrado de Guerra de Informação, na Academia Militar (PT). O seu trabalho pode ser acompanhado através da #elsalemos ou em www.elsalemos.com