Ir para o conteúdo Observatório da Comunicação de Crise Ir para o menu Observatório da Comunicação de Crise Ir para a busca no site Observatório da Comunicação de Crise Ir para o rodapé Observatório da Comunicação de Crise
  • International
  • Acessibilidade
  • Sítios da UFSM
  • Área restrita

Aviso de Conectividade Saber Mais

Início do conteúdo

Eloisa Beling Loose | UFRGS

1. Para você, o que são considerados riscos climáticos?

Os riscos climáticos são aquelas ameaças percebidas em decorrência da atual crise climática. Compreendo os riscos como constructos sociais, que dependem dos contextos, das vivências de cada indivíduo ou grupo e da maneira como se dá sua apreensão. Logo, os riscos não dependem somente de processos objetivos e, por isso, diferentes culturas percebem a mesma situação com variados ou nenhum grau de risco.

 

2. Qual a importância da comunicação de risco para a sociedade?

Não é possível enfrentar de forma adequada os riscos se não conseguimos identificá-los. A comunicação de risco é uma área interdisciplinar que está orientada para um processo dialógico que envolve múltiplos sujeitos, a fim de promover uma gestão participativa. A comunicação de risco envolve a compreensão das dinâmicas correlacionadas ao risco, não sendo apenas convencimento de medidas estabelecidas a partir de um fluxo top-down. Quando nos referimos à gestão de riscos, o papel da comunicação é fundamental, pois é a partir da relação com o outro que será possível propor elementos que contribuam para uma cultura preventiva. Embora o enfoque instrumental da comunicação seja preponderante ainda, é o processo da comunicação que permite a mediação e possibilidade de uma ação coletiva que consiga evitar ou mitigar riscos.

 

3. Comente sobre o papel do Jornalismo na cobertura de riscos climáticos, da crise climática e de desastres climáticos.

A comunicação jornalística, em razão de seu alcance e credibilidade, é um fator de amplificação ou atenuação de riscos na nossa sociedade. Assim, ao enfatizar em uma cobertura que os riscos de uma ameaça natural são inevitáveis, corrobora-se para uma percepção de que não há nada que possamos fazer em relação às “forças da natureza”. Quando a imprensa coloca como manchete de uma reportagem que a responsável pelas mortes e/ou danos materiais após um temporal intenso foi a chuva, retira-se do poder público a responsabilidade de rever a infraestrutura e outras questões de planejamento urbano. Os efeitos da crise climáticas não são naturais. São decorrentes de escolhas e omissões humanas. Já temos prognósticos dos cenários futuros e a certeza de que os riscos serão mais frequentes, mas a cobertura segue aguardando a concretização da previsão para avançar no debate. O papel do Jornalismo é fundamental, mas precisa ser reajustado às urgências do nosso tempo.

 

4. A partir do seu ponto de vista, as instituições e órgãos brasileiros avançaram na gestão de riscos e de crises nos últimos anos?

Em razão da dimensão que os desastres ambientais vêm ganhando nos últimos anos, percebe-se que há um movimento de reação das instituições. O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), por exemplo, foi criado em 2011, após o desastre ocorrido na região Serrana do Rio de Janeiro. A Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC) é de 2012, mas carece ainda de uma série de regulamentações e investimentos para que consiga ser, de fato, implementada. Aqui no Rio Grande do Sul, observamos uma série de iniciativas do governo estadual após as enchentes no Vale do Taquari, mas a atuação preventiva é muito aquém do que precisaríamos. Para avançarmos na gestão de riscos e desastres são necessários programas robustos e contínuos de medidas estruturais (obras que auxiliam com a adaptação e mitigação) e não estruturais (como campanhas de comunicação e inserção de temáticas de redução de riscos de desastres em escolas, empresas e órgãos públicos).

 

5. Poucas práticas de comunicação de risco vêm a público. Quando algo é divulgado pelas organizações – midiáticas ou não – já faz parte da comunicação de crise. Se há informações de interesse público que devem ser comunicadas, por que ainda são omitidas?

Ainda existe uma mentalidade que tratar dos riscos pode gerar pânico ou outros prejuízos de ordem econômica e reputacional. Nesse sentido, como o risco está no âmbito da incerteza, espera-se a materialização dele (o desastre ou a crise) – porque trabalha-se na esperança de que tudo permaneça como está. O pensamento de curto prazo é guiado por questionamento como: por que gastar energia e recursos com uma probabilidade? E se não acontecer nada? É esta racionalidade que deverá ser desconstruída para lidarmos com a realidade na qual múltiplos riscos se sobrepõem e já são cada vez mais frequentes.

 

6. O que implica para a sociedade a não cobertura de riscos climáticos pela imprensa?

A percepção do risco depende de vários fatores e um deles está atrelado à informação e a maneira pela qual ela nos é apresentada. Dessa forma, ao não visibilizar os riscos climáticos, a imprensa colabora para a representação de um mundo sem ameaças, deixando a população mais vulnerável às situações já mapeadas por cientistas.

 

7. No que contribui a cobertura climática para a gestão de riscos e de crises no Brasil?

Há vários aspectos que podem ser considerados quando falamos de gestão de riscos e crises ou desastres. Quando falamos sobre isso é bom lembrar que há ações diferentes em três momentos: antes, durante e depois do desastre. A sensibilização e compreensão dos riscos diz respeito a primeira etapa, ligada à prevenção. Aqui a imprensa deveria adotar uma postura educativa, tratando de autoproteção e do cuidado a ser tomado caso haja um evento extremo. Durante a concretização do risco, há uma responsabilidade grande em termos de evitar novas crises a partir do que já está instaurado, além de mobilizar autoridades para atuarem de forma rápida e assertiva. Após o evento, que é um período longo na linha do tempo, há de se debater como a reconstrução será mais resiliente, destacando que retornar ao que era antes não é o bastante diante da crise climática. A fase chamada reconstrução costuma ser lenta e pouco visibilizada, prorrogando a tragédia dos diretamente afetados. Nesse sentido, os jornalistas devem ser mais vigilantes e propositivos, de maneira a discutir o futuro a partir dos acontecimentos vividos.

 

8. Que desastre ambiental ocorrido nos últimos anos pode ser considerado emblemático e quais aprendizados foram percebidos e potencializados pelas instituições com o evento crítico?

No contexto nacional, já mencionei o desastre da Região Serrana do Rio de Janeiro, que desencadeou uma série de ações, como a criação do Cemaden. De maneira geral, sempre que há uma tragédia, há uma ampla visibilização da tragédia e promessas de mudanças, porém observa-se que, com o passar do tempo, as resoluções nem sempre são suficientes. Há aprendizados e lições com cada processo, mas nem sempre tais informações conseguem ser disseminadas para lugares geograficamente distantes. A formação contínua, com foco na prevenção, precisa ser estimulada e as instituições precisam incorporar uma cultura que considere o cenário multirrisco decorrente das mudanças climáticas.

 

9. De que formas os profissionais da área do Jornalismo podem sensibilizar os grupos de mídia sobre a importância e a necessidade em pautar a crise climática?

Cada vez mais percebe-se o interesse de estudantes de Jornalismo e também a maior cobertura dos veículos a respeito das pautas climáticas. Assim, é possível dizer que já há um certo entendimento da relevância da questão por parte dos profissionais, sobretudo de que este é um problema que impacta diferentes setores e negócios. Talvez seja preciso pensar mais na crise climática antes que ela acarrete os desastres, ouvir uma diversidade de vozes e discuti-la de forma sistêmica. O Jornalismo separa os acontecimentos em editorias/perspectivas; o desafio é que essa cobertura não seja apenas sobre os efeitos, mas traga o debate das causas (para compreenderemos como chegamos até aqui) e das formas de enfrentamento (para conhecermos o que é possível fazer). Nesse sentido, sugere-se uma reorientação do modo de pensar e fazer o Jornalismo, de modo a colocar no centro do debate público o questionamento sobre a racionalidade econômica dominante na nossa sociedade, responsável pela alteração do clima do planeta.

 

10. Após os desastres de Mariana e Brumadinho, a Pandemia do Novo Coronavírus e as Eleições 2022 no Brasil, a imprensa está mais bem preparada para cobrir situações de risco ambiental, de saúde pública e à Democracia?

É difícil responder… De qual imprensa estamos falando? Há muitas formas e propostas de jornalismo. A pandemia de covid-19, por exemplo, exigiu um incremento do jornalismo científico e de saúde, mas hoje, sem a emergência, esse conhecimento especializado parece estar diluído no trabalho cotidiano. Além disso, é preciso considerar a alta rotatividade dos profissionais nos meios de comunicação e a precarização dos postos de trabalho, que dificultam uma formação consistente e a permanência daqueles profissionais mais experientes nas redações.

 

11. Há sinais ou alertas climáticos que põem a população brasileira em risco iminente e que os veículos de comunicação ainda não abordaram de forma significativa?

O que noto é que há mais cuidado e atenção aos riscos climáticos. Pode-se observar que os quadros destinados à previsão do tempo dos principais telejornais têm avançado sobre a cobertura de alertas e fenômenos climáticos, como ondas de calor e frio, por exemplo. O que, na minha opinião, deveria ser mais eficaz é a própria divulgação de alertas, em termos de linguagem e de como reagir a eles – e isso não depende somente do Jornalismo. Esse é um esforço conjunto, que envolve instituições meteorológicas, de alertas e de comunicação. Mais do que pensar na emissão do alerta, é necessário investir em um letramento para que tais mensagens façam sentido para a população.

 

Pesquisadora e consultora na área de comunicação e meio ambiente, com ênfase em mudanças climáticas. Pós-doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Graduada em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mestre em Comunicação e Informação pela UFRGS, doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutora em Comunicação pela UFRGS. Recebeu o Prêmio Capes 2017 pela melhor tese na área de Ciências Ambientais. Tem experiência na área de Comunicação Ambiental, com ênfase em Jornalismo Científico e Climático, atuando principalmente nos seguintes temas: divulgação científica, comunicação de riscos e desastres, e comunicação climática. É vice-líder do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) e autora da obra “Jornalismo e Riscos Climáticos” (Editora UFPR/2020). Trabalha atualmente na divulgação científica do Projeto Multirrisco (UFRN/UFABC/Cemaden). E-mail: eloisa.beling@gmail.com.