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Ana Paula Sartor | Edelman Brasil

  1. Basicamente, quais aspectos envolvem a gestão de riscos e crises nas organizações?

    Se antes as empresas se preocupavam, majoritariamente, com a qualidade de seus produtos, atualmente é preciso cuidar de todo um ecossistema que envolve não somente essa frente, mas também toda a sua cadeia de fornecedores e a percepção que cada público tem a seu respeito. Mais do que um bom produto ou serviço, as pessoas hoje esperam organizações mais responsáveis e atuantes na sociedade. De acordo com a edição 2023 do Edelman Trust Barometer, 79% dos respondentes afirmaram que os CEOs devem liderar movimentos na sociedade para reduzir a desigualdade, por exemplo. Nesse cenário, gerir riscos, monitorar situações sensíveis e atuar com agilidade e assertividade em caso de crise, é crucial para conservar a reputação diante de todos os públicos estratégicos, o que faz com que o trabalho de preparação, mitigação e gestão de crises considere todas as esferas da organização – desde o Conselho até as áreas operacionais. Ter um mapeamento de riscos abrangente, uma classificação detalhada do que é considerado crise e um passo a passo sobre como agir será determinante para reagir de maneira assertiva, e por isso é fundamental que todos tenham clareza de seus papeis e responsabilidades.

    2. Nem tudo é uma crise! Então, o que de fato caracteriza uma crise? A partir do que/de qual momento podemos afirmar que uma crise está se instaurando ou se instaurou?


    Em uma crise você não está no controle. Enquanto um tema sensível está restrito à organização e pode ser endereçado internamente, ele é considerado um issue, algo que merece atenção. No entanto, quando ganha outros espaços e passa a ser de conhecimento público, deve ser tratado como uma crise.

    3. No seu ponto de vista, as organizações brasileiras e latino-americanas avançaram na gestão de riscos e crises nos últimos 20 anos? Há inovações nesta área no mercado?

    A mudança que vivenciamos na maneira de nos comunicar desde os anos 2000 reflete, também, a maneira como as organizações passaram a lidar com temas sensíveis e com potencial impacto aos seus negócios. Se, há 20 anos, a preocupação das empresas ficava restrita à imprensa e aos órgãos reguladores, hoje, muitas vezes, a crise já começa nas redes sociais e tem um potencial de ganhar ampla repercussão em minutos.

    Assim, aos poucos as organizações têm dado cada vez mais atenção e direcionado recursos para responder com mais agilidade em uma eventual situação de crise. Ter clareza dos riscos inerentes ao seu negócio, um manual sobre o que fazer completo e, ao mesmo tempo, prático, e conscientizar a liderança sobre a relevância da reputação são algumas das iniciativas que temos acompanhado nos últimos anos.

    Vale pontuar que a evolução tecnológica e seus desdobramentos nos meios de comunicação permitem que as empresas e organizações tenham uma estrutura voltada à agilidade, com monitoramento de temas sensíveis contínuo e ferramentas de comunicação que facilitam o alinhamento de mensagens e ações de maneira mais imediata.

    4. Poucas comunicações de risco são publicadas. Quando algo oficial é divulgado já é uma comunicação de crise. Se há informações de interesse público que devem ser comunicadas para fins de alerta e prevenção, por exemplo, por que ainda são omitidas ou negligenciadas?

    Em geral, as organizações se esforçam ao máximo para tratar internamente todo e qualquer tema que gere sensibilidade ao negócio. Assim, muitas vezes, a empresa primeiro acionará apenas os públicos diretamente afetados, evitando ampliar a repercussão para outras audiências. Vale pontuar, no entanto, que no contexto de situações em que pessoas estejam em risco, temos uma legislação clara a respeito de quais medidas devem ser tomadas pelas organizações.

    5. Vivemos um período de incertezas e desconfiança nas organizações, incluindo personalidades (da música, do futebol, do cinema, etc.). Na sua perspectiva, qual a justificativa para isso?

    Já há alguns anos o Edelman Trust Barometer vem mostrando que vivemos uma escalada da desconfiança motivada, principalmente, pela epidemia de desinformação que nos cerca. No Brasil, o estudo mais recente mostra que as pessoas consideram instituições confiáveis apenas as empresas e ONGs, enquanto governo e mídia integram um cenário de desconfiança. Quando pensamos em personalidades, as associamos ao alcance proporcionado pelas mídias, e à credibilidade que tem atualmente.

    6. Levando em conta o contexto digital, como a “cultura do cancelamento” vem influenciando a forma de gerir riscos, ou então, o modo de gestão de uma crise organizacional gerada por “cancelamento”?

    De forma geral, as organizações estão, hoje, muito mais sujeitas à pressão da sociedade para que assumam um posicionamento claro e objetivo acerca de temas de interesse comum. O Edelman Trust Barometer mostra, por exemplo, que 60% das pessoas compram ou defendem marcas com base em valores e crenças. Diante desse cenário, demonstrar com assertividade sua posição diante de algum assunto pode contribuir para gerar, inclusive, lealdade – mas é também um risco de sofrer com o cancelamento daqueles que discordam.

    O que temos visto com frequência são marcas interromperem contratos publicitários com celebridades e influenciadores diante de algum tema polêmico. Com receio de sofrerem retaliações, as empresas preferem deixar o centro da disputa. Por outro lado, tem aumentado também a preocupação das organizações em melhor planejarem suas ações e iniciativas, de modo a mitigar eventuais riscos. Avaliar o perfil de potenciais parceiros, verificar se já se envolveram em alguma situação sensível e ter um plano claro de como agir em caso de questionamentos são atividades cruciais para proteger a reputação da marca. Além disso, manter um monitoramento constante, ter agilidade e atuar com transparência são medidas recomendadas para gerir uma crise nesses casos.

    7. Na mesma direção, outros fenômenos pós-digitais preocupam os gestores da área. Na sua análise, como lidar com as fake news e a pós-verdade em tempos de viralização por meio de aplicativos de mensagens e redes sociais digitais? Como planejar neste cenário?

    Garantir que a informação correta esteja disponível em vários pontos de contato de forma objetiva e adaptada para cada audiência é uma das maneiras mais eficazes de lidar com a desinformação. Uma estratégia de comunicação integrada garante que todos os públicos, dos funcionários ao governo, passando por jornalistas, influenciadores, entidades da sociedade civil e as pessoas em geral tenham acesso a dados e fatos de forma fácil e clara.

    Em situações de crise, dependendo do problema, uma estratégia de cascateamento de informações que inclua mídias proprietárias (site da empresa e perfis da companhia nas redes sociais), imprensa e, até mesmo, aplicativos de mensagens, pode ser uma solução. Sempre, claro, após avaliação do público impactado, e respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados.

    Indústrias, por exemplo, muitas vezes têm contato com representantes da comunidade do entorno de suas instalações. Na ocorrência de uma crise, essas pessoas são comunicadas e compartilham informações corretas com toda a vizinhança.

    8. Qual situação de crise ocorrida nos últimos anos pode ser considerada emblemática, seja pela condução bem-sucedida seja pela gestão desastrosa?

    Em janeiro deste ano acompanhamos atentos os desdobramentos envolvendo as vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton e as denúncias de trabalho análogo à escravidão – que foram comprovadas pelo Ministério Público do Trabalho. As empresas inicialmente negaram qualquer relação com os fatos, mas como contratantes da companhia que prestava o serviço de colheita da uva, são responsáveis por toda a cadeia fornecimento, e não podem se eximir diante de uma situação como essa. As vinícolas, desde então, sofreram com danos à reputação, e em março, quase dois meses depois, publicaram cartas abertas à sociedade, nas quais assumem sua responsabilidade e se comprometem a acompanhar mais de perto seus parceiros e fornecedores, além de anunciarem medidas de capacitação profissional e métodos mais eficientes para gerenciar toda a cadeia produtiva.

    9. De que formas os profissionais da Comunicação podem sensibilizar empresários e gestores públicos sobre a importância da cultura da prevenção e a necessidade da gestão de riscos?

    Construir reputação e confiança com públicos de interesse e com a sociedade em geral se tornou imprescindível para a perenidade de uma organização. Além disso, ao atuar com transparência e se manterem preparadas para lidar com situações críticas, as organizações demonstram estarem aptas a continuar operando – algo que chamamos de ter uma licença social.

    10. Após a Pandemia do Novo Coronavírus, a imprensa está mais bem preparada para cobrir situações críticas?

    A pandemia se mostrou um período crítico para toda a sociedade, e o mesmo se aplica à imprensa. Profissionais e veículos de comunicação tiveram que buscar alternativas para manter o público informado apesar do cenário de incertezas e das dificuldades que o isolamento causou. Testemunhamos, por exemplo, a criação de um consórcio de veículos de imprensa, algo jamais realizado no Brasil, no qual concorrentes se uniram para garantir que as pessoas tivessem acesso a informações consistentes e devidamente checadas. Além disso, surgiram novas ferramentas para a checagem de fatos, como o G1 Fato ou Fake e o Estadão Verifica.

    Avalio que hoje nossos veículos de mídia e, consequentemente, os jornalistas, estão mais bem preparados para lidar com situações adversas.

    11. E as organizações não-midiáticas, têm melhores condições de gerir os impactos de uma conjuntura semelhante a imposta pela pandemia de Covid-19, caso venha ou quando vier a ocorrer algo com a mesma dimensão?

    Uma cena que se repetiu inúmeras vezes ao longo da pandemia: empresas preocupadas em informar seus funcionários sobre maneiras efetivas de se proteger, quais atitudes tomar, o que fazer em caso de contágio. Esse é um exemplo prático de como as organizações podem contribuir em situações de grande alcance como a pandemia de Covid-19. O Edelman Trust Barometer mostra que, apesar de as pessoas não confiarem no governo e nas mídias, 64% delas confiam nas empresas, e 78% confiam na empresa para a qual trabalham. Ali, no seu universo, as empresas tinham condições de alcançar centenas, se não milhares de pessoas, por meio de seus colaboradores, que levavam as informações para seus familiares e amigos.

    12. No contexto atual e diante da atuação de empresas e governos, é possível perceber sinais que põem em risco a imagem e a reputação de alguma organização brasileira nos próximos anos?

    A sociedade cobra cada vez mais transparência e compromisso das organizações de forma geral. Ter valores consistentes e uma atuação alinhada a eles é um primeiro passo importante para construir reputação e gerar confiança dos públicos de interesse. Empresas e governos que não apresentarem uma conduta clara, correta e que beneficie a sociedade sofrerão com um escrutínio ainda maior sobre sua atuação e iniciativas, e serão questionadas com mais frequência.

    Estar atenta às necessidades das pessoas e atuar de acordo com as melhores práticas de sustentabilidade, governança e olhar para o social – o famoso ESG –, é um bom começo para conquistar a licença social e formar um colchão reputacional – que poderá atenuar o impacto na ocorrência de uma crise.

 

*Ana Paula Sartor é Diretora de Engajamento Corporativo e Reputação na Edelman, atuando em clientes como Aegea, Bracell, Bradesco Seguros, DP World, ENGIE Brasil Energia, FAS, FedEx, Grupo Tigre, Indorama, Novelis, RTRS, Serasa Experian e Tupy, além de atuar nas frentes de treinamentos de porta-vozes com diferentes focos e gerenciamento de crises. Ana é graduada em Jornalismo pela Universidade São Judas Tadeu, tem pós-graduação em Comunicação e Marketing pela FMU e especialização em Gestão de Projetos.