- O que engloba a gestão de riscos e crises e qual a contribuição deste processo para as organizações?
Gestão de riscos e gestão de crises são dois processos multidisciplinares, bastante abrangentes no contexto organizacional. Especificamente pelo viés da Comunicação, são processos que auxiliam as organizações a minimizar o impacto dos riscos provocados pela sua atuação em sociedade e a trabalhar de forma planejada na prevenção e contenção de crises.
- No seu ponto de vista, as organizações brasileiras avançaram na gestão de riscos e crises nos últimos 10 anos?
Nos últimos 10 anos percebe-se um avanço significativo em contextos organizacionais no que trata a atenção para situações de risco e crise. Contudo, ainda temos muito a avançar na perspectiva de constituição de equipes e processos que consolidem práticas sistemáticas de gestão. A atenção da mídia e da sociedade para grandes crises e desastres, especialmente no contexto de indústrias e órgãos públicos, tem levado gestores a compreender a importância de os temas serem tratados de forma mais profissionalizada. Pesquisas recentes realizadas pelo Grupo de Pesquisa Risco, Crise e Comunicação (RCCOm), parceria institucional entre UFRGS e PUCRS, demonstram que organizações de todos os setores despertam o interesse para a gestão de risco e crise quando passam por algum evento conflituosos ou quando percebem seus concorrentes vivendo situações dessa natureza. Porém, ainda atuam de forma muito mais reativa do que proativa na criação de estruturas e processos organizacionais que trabalhem a cultura da prevenção e da gestão profissional dos temas.
- Como se apresenta o cenário atual da pesquisa científica sobre risco e crise no contexto da comunicação organizacional no Brasil?
O Grupo de Pesquisa Risco, Crise e Comunicação (RCCOm), parceria institucional entre UFRGS e PUCRS, realizou um mapeamento da produção científica sobre risco e crise no Brasil nos últimos anos. Constatou-se que o tema vem numa crescente de volume de produção, especialmente nos últimos 3 anos. De forma geral, há que se reconhecer que a área de Comunicação possui um bom volume de livros, artigos científicos, dissertações e teses. Destaca-se também a iniciação científica como um campo onde especialmente o tema de crise ganha destaque. Já no que trata as características dessa produção, verifica-se que são pesquisas situacionais, em sua maioria do tipo estudo de caso. Também não há, ainda, pesquisadores que se destacam como expoentes de pesquisa nos últimos anos. Cabe destacar, ainda, que as pesquisas não estão concentradas no âmbito da comunicação organizacional. As pesquisas de risco e crise são tratadas num contexto amplo, da Comunicação Social, o que é muito importante quando se percebe que risco e crise são temas interdisciplinares e não exclusivos às dinâmicas organizacionais.
- Quais contribuições pesquisas brasileiras na área já promoveram para o aperfeiçoamento das práticas profissionais?
É muito difícil estabelecer essa relação em um contexto que, apesar de ter um bom volume de pesquisa, ainda não tem tradição e constância ao longo do tempo. Além disso, a relação entre pesquisa e práticas profissionais deve seguir muito mais um caminho de compartilhamento do eu de soberania de uma ou outra esfera. A separação entre ciência e prática é uma visão que precisa ser ultrapassada também na área da Comunicação, a exemplo de outras áreas do conhecimento como a Saúde, por exemplo. De toda forma, talvez possamos dizer que muitas produções sobre crise, por exemplo, dentro de suas peculiaridades e características situacionais, tem contribuído para uma tendência de práticas profissionais baseadas em respostas prontas, muito padronizadas e que nem sempre atendem ao que se deseja. Por outro lado, no âmbito da comunicação de risco, temos produções científicas em áreas como Saúde e Meio Ambiente, que tem auxiliado muito nas práticas de comunicação em situações de pandemia e desastres.
- Que caminhos a produção científica sobre risco e crise deve percorrer com vistas à legitimação desta área?
Pesquisa avança com mais pesquisa. Ou seja, se queremos consolidar e legitimar a área precisamos produzir mais, arejar nossas metodologias, incentivar iniciativas que busquem a comprovação de fatos a partir de dados. Rigor científico é algo que precisamos perseguir na área da Comunicação se queremos contribuir efetivamente para a discussão sobre riscos e crises. De forma geral, vários países do mundo passam ou já passaram por essa mesma realidade que temos hoje: fazer pesquisa a partir da contemplação de fatos. Isso não nos fará avançar. Temos que criar redes para fazer pesquisas alicerçadas em dados, envolvendo academia e mundo do trabalho.
- É de conhecimento público que vivemos um período de incertezas e desconfiança nas organizações, incluindo personalidades (da música, do futebol, do cinema, etc.). Na sua perspectiva, qual a justificativa para isso?
A desconfiança sempre existiu. Hoje ela fica mais aparente porque temos uma geração que presta mais atenção a pautas que há alguns anos não vinham para a discussão da arena pública, além de todo o aparato midiático e informacional que faz parte das nossas vidas. A era das crises sempre existiu. A diferença é que estamos mais atentos, a circulação de informações mudou e, consequentemente, o controle do fluxo dessas informações também não está mais na mão de poucas pessoas. Figuras públicas e celebridades, assim como organizações, estão nos holofotes a todo o momento – e a maioria delas quer e precisa dessa exposição.
- Qual crise ocorrida nos últimos anos pode ser considerada emblemática, seja pela condução bem-sucedida seja pela gestão desastrosa?
Creio que a crise da Covid-19 no Brasil é bastante emblemática, tanto pela condução bem-sucedida quanto desastrosa. Na maior crise humanitária que o país já enfrentou vivemos o esvaziamento de uma coordenação nacional da crise. Executivo, legislativo e judiciário falharam numa coordenação que aglutinasse forças em favor da população. Por outro lado, face ao esvaziamento de uma força nacional, articulada e coordenada, vimos alguns estados brasileiros assumindo protagonismo. Por sua vez, a rede do SUS provou, tecnicamente falando, que é capaz de suportar um grande colapso, mesmo frente à desarticulação do Estado. Organizações de todas as naturezas também revelaram bons e maus exemplos em termos de contenção da crise em seus respectivos setores. Por isso, pessoalmente, considero essa uma crise emblemática: um evento que vitimou milhares de pessoas, que revelou uma sociedade desarticulada e um Estado com duas faces totalmente diferentes.
- De que formas os profissionais da Comunicação podem sensibilizar empresários e gestores públicos sobre a importância da cultura da prevenção e a necessidade da gestão de riscos?
Com pesquisa sólida, trabalho e muita busca por qualificação. De forma geral, grande parte dos gestores só se sensibiliza quando a crise já está instalada. E, depois que ela passa, a tendência no Brasil é não falar mais sobre o que aconteceu. Logo, se queremos mostrar a importância da cultura de prevenção, temos que ter resposta rápida quando os eventos críticos acontecem. Temos que ter pesquisa, pessoas qualificadas para oferecer boas soluções. Temos que construir práticas que deixem claro que a gestão de riscos não vai evitar crises, mas que vai preparar melhor pessoas e organizações para quando elas surgirem. Temos também que nos apropriar melhor dos conceitos da área de gestão de riscos, fazer diálogos interdisciplinares. Temos que discutir, sistematizar e publicizar lições aprendidas com eventos de risco e crise. Sobretudo, temos também que começar a fazer a discussão sobre quem faz essa interlocução na área da Comunicação. Estamos formando profissionais para isso? Nós ocupamos esse espaço ou deixamos ele ser apropriado por outras áreas?
- Poderia avaliar brevemente a comunicação de crise do Governo do Estado do Rio Grande do Sul durante o período de enchentes no Vale do Taquari em setembro de 2023?
De forma geral, o Estado, especialmente através da Defesa Civil e da Secom, conseguiu fazer uma boa articulação. Importante destacar que essa comunicação de crise teve várias frentes e vários públicos, desde o cidadão que havia perdido sua casa até a Presidência da República. Logo, são vários pontos que mereceriam avaliação específica. Também não podemos separar comunicação de crise de gestão de crise. Uma coisa será sempre, necessariamente, atrelada a outra.
Vou me deter a uma questão bem específica: relação Defesa Civil, Prefeituras e cidadão. Do ponto de vista da Defesa Civil, que comunica direto com o cidadão, os alertas foram emitidos e a assistência local realizada. Já do ponto de vista das prefeituras municipais, a crise evidenciou uma grande falta de estrutura não só de comunicação, mas de gestão e de responsabilidades sociais e jurídicas. Quando as várias partes interessadas em um desastre como este não entendem a quem recorrer, a como recorrer e de quem são os papéis determinados pela lei, a comunicação, inevitavelmente, vai falhar. Por exemplo: a Defesa Civil emitiu os alertas (comunicação de risco) para a cidade A. A Prefeitura recebeu os alertas e o Prefeito foi para uma rádio local mandando todas as pessoas saírem de casa. Para onde essas pessoas vão? Quem vai recebê-las? O município já tem ou está providenciando um local seguro? Como se dará o deslocamento até esse local? Então, talvez precisemos olhar mais para a gestão dos processos para entender a comunicação.
- Olhando de fora, no contexto atual e diante da atuação, é possível perceber sinais que põem em risco alguma organização brasileira nos próximos anos?
Todas as organizações estão em risco na perspectiva do que o sociólogo alemão Ulrich Beck caracteriza como Sociedade de Risco. O setor da indústria, embora constitua processos mais específicos para a gestão de riscos, sempre está mais vulnerável. O Relatório Global de Riscos do ano de 2023, publicado pelo Fórum Econômico Mundial, aponta também algumas áreas de destaque para os próximos anos. Questões ligadas à emergência climática, cibersegurança e instabilidade econômica provocada pelas guerras devem afetar significativamente a atuação das organizações.
*Ana Karin é Professora e pesquisadora da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Graduada em Comunicação Social/Relações Públicas (UNISC), Especialista em Gestão Universitária (UNISC), Mestre em Comunicação Social (PUCRS) e Doutora em Educação (UFRGS). Coordenadora do Grupo de Pesquisa Risco, Crise e Comunicação (RCCOm), parceria institucional entre UFRGS e PUCRS. Diretora de Comunicação da ADUFRGS-Sindical. Tem experiência acadêmico-profissional nas áreas de gestão e avaliação da educação superior, planejamento de comunicação, gestão de risco e crise em comunicação.