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Ana Flavia de Bello Rodrigues | Cosafe Latam

  1. Basicamente, quais aspectos envolvem a gestão de riscos e crises nas organizações?

Essa é uma pergunta bem ampla. Inicialmente é necessária uma consciência dos riscos e o patrocínio pela alta liderança para implementação de uma governança em gestão de riscos e crises. A implementação depende de uma mudança de mindset, uma adaptação cultural a novos processos e uso de novas tecnologias que podem acelerar essa mudança. No entanto, o recurso mais importante é o humano. Tanto a gestão de riscos como a gestão de crises envolvem múltiplas áreas e seu sucesso depende essencialmente da integração e colaboração entre profissionais dos setores-chave da organização.

 

  1. Nem tudo é uma crise! Então, o que de fato caracteriza uma crise? A partir do que/de qual momento podemos afirmar que uma crise está se instaurando ou se instaurou?

A definição do que é crise pode variar conforme a empresa. As boas práticas em gestão de crise sugerem que a organização estabeleça uma hierarquia de criticidade para incidentes e descreva cada classificação em seu manual, definindo as premissas para que determinado contexto crítico seja declarado como crise. É possível ainda elencar uma série de possíveis cenários de crise e definir gatilhos específicos em cada cenário, para declaração de crise.

Comumente será considerado como crise um contexto com alto impacto negativo para a organização e seus stakeholders sob a ótica de pessoas, infraestrutura, recursos financeiros, meio ambiente, continuidade do negócio e/ou imagem e reputação. Além do alto impacto duas características peculiares das crises são o ambiente de incerteza, ao mesmo tempo em que a agilidade da tomada de decisão, das ações e da comunicação é fundamental.

 

  1. No seu ponto de vista, as organizações brasileiras avançaram na gestão de riscos e crises nos últimos 20 anos? Há inovações nesta área no mercado?

Apenas como comparativo, nos Estados Unidos, um marco que propiciou uma enorme evolução na gestão de riscos e de continuidade de negócios foi o ataque do 11 de setembro, de 2001. No entanto, a América Latina não acompanhou esse movimento. Eu arrisco dizer que essas organizações brasileiras evoluíram mais nos últimos 5 anos. Alguns episódios de crise envolvendo grandes empresas impulsionaram este amadurecimento, além obviamente da pandemia da Covid-19. A pandemia trouxe consciência a uma grande parte dos executivos que as crises eram reais e poderiam atingir qualquer setor ou porte de organização. Há inovações que chegaram ao Brasil nos últimos anos principalmente em tecnologias que possibilitam que o trabalho na gestão de riscos e crises seja mais rápido, completo e integrado.

 

  1. Poucas comunicações de risco são publicadas. Quando algo oficial é divulgado já é uma comunicação de crise. Se há informações de interesse público que devem ser comunicadas para fins de alerta e prevenção, por exemplo, por que ainda são omitidas ou negligenciadas?

Primeiramente falhamos em monitoramento. Falando por exemplos de chuvas, faltam equipamentos de medição pluvial aos municípios. Falta integração entre os agentes públicos e falta uma estrutura mais robusta de comunicação entre estes agentes e a população para os alertas. Sem falar de problemas gravíssimos em nosso país de infraestrutura básica, irregularidades de construções, entre diversos outros aspectos.

Ou seja, não é só uma questão de comunicação. Já tenho visto iniciativas do setor público visando melhorias na comunicação de informações de interesse público relacionadas a riscos, principalmente ambientais, mas ainda temos um caminho muito longo pela frente.

 

  1. Vivemos um período de incertezas e desconfiança nas organizações, incluindo personalidades (da música, do futebol, do cinema, etc.). Na sua perspectiva, qual a justificativa para isso?

Nunca tivemos tanto acesso à informação e, ao mesmo tempo, vivemos numa era dominada por desinformação. O avanço da tecnologia e a descentralização da produção de conteúdo trouxeram muitas mudanças à comunicação, sejam em âmbito pessoal ou empresarial. Se de um lado as mudanças trouxeram mais humanização para a comunicação e deram voz a pessoas comuns, por outro lado a sociedade passou a exigir posicionamentos imediatos de empresas e pessoas públicas sobre temas diversos da sociedade.

De sua parte as marcas e pessoas aumentaram sua exposição pessoal, para o bem e para o mal, produzindo os chamados “cancelamentos” tão comuns na atualidade.

Sob outro aspecto, a enorme quantidade de conteúdo produzido de forma descentralizada e a necessidade de muita rapidez nas publicações inviabilizou a “curadoria” antes minimamente existente, aumentando em muito as “fake News” e levando o mundo a uma grande crise de credibilidade quanto à informação e por consequência às instituições de forma ampla.

Com a inteligência artificial e a evolução de algoritmos acredito que esta tendência ainda será mais acentuada no futuro. Temos um enorme desafio pela frente neste tema, enquanto sociedade.

 

  1. Levando em conta o contexto digital, como a “cultura do cancelamento” vem influenciando a forma de gerir riscos, ou então, o modo de gestão de uma crise organizacional gerada por “cancelamento”?

Muito do que as empresas fazem hoje na comunicação das marcas é pautada pela perspectiva do julgamento popular pelas redes sociais. Há uma busca incessante por visibilidade a todo custo, aumentando o envolvimento a temas polêmicos e a produção de conteúdo “de lacração”.

As tecnologias de monitoramento online e a produção de conteúdo real time, propiciaram uma maior aproximação das marcas ao consumidor, o qual por sua vez, exige muito mais das marcas, além da sua função primária de qualidade na entrega do produto ou serviço.

Neste contexto, os ganhos são proporcionais aos riscos assumidos. No entanto, as empresas de forma geral estão pouco preparadas para gerenciar crises de imagem e visivelmente apresentam dificuldade na comunicação de crises impulsionadas por “cancelamentos”.

Uma boa prática neste sentido é que a marca defina e comunique claramente seus valores por meio de sua comunicação e se prepare para responder às críticas que virão, mantendo seu posicionamento, de forma coerente aos valores. E se errar, saiba também aceitar o erro, dar um passo atrás, corrigir o erro e pedir desculpas.

 

  1. Na mesma direção, outros fenômenos pós-digitais preocupam os gestores da área. Na sua análise, como lidar com as fake news e a pós-verdade em tempos de viralização por meio de aplicativos de mensagens e redes sociais digitais? Como planejar neste cenário?

Os fenômenos vistos hoje tendem, na minha visão, a acelerar muito com o avanço da inteligência artificial, aumentando ainda mais os desafios para as organizações assim como para a sociedade como um todo no que tange a lidar com a desinformação.

Se não temos controle da informação, e o teremos cada vez menos, o planejamento precisa ser muito mais estratégico e abrangente.

Há que se mapear riscos, desenhar diversos cenários e preparar respostas para cada um deles, além de treinar executivos e colaboradores para a complexa comunicação da nova era.

A única certeza que temos é quanto à incerteza. Em cenários incertos, preparo para prontidão na resposta é a única saída.

 

  1. Qual situação de crise ocorrida nos últimos anos pode ser considerada emblemática, seja pela condução bem-sucedida seja pela gestão desastrosa?

Nas minhas palestras gosto de citar um caso da Starbucks de 2018 quando um gerente de loja nos Estados Unidos foi acusado por clientes de ter cometido ato racista e o incidente tomou imediatamente grandes proporções negativas para a marca por meio de redes sociais.

Sabendo que se tratava de tema sensível, após recentes movimentos sociais de grande vulto em torno da morte de um cidadão negro por policiais americanos, a empresa foi muito rápida e assertiva na resposta.

O presidente da Starbucks gravou depoimento em vídeo veiculado pelo Twitter poucas horas após o ocorrido desculpando-se e comunicando que fecharia todas as lojas da rede em território americano por um dia para treinamento de funcionários sobre preconceito racial, a fim de que atos como aquele não se repetissem. Além de ter procurado pessoalmente os clientes impactados para retratação e tomado mais uma série de medidas internas.

Após a veiculação do vídeo observou-se uma mudança rápida na opinião pública, acelerada pela mídia tradicional, que deu visibilidade à medida concreta tomada.

Não é comum em crises “fazer limonada de um limão”, mas neste caso a Starbucks saiu-se muito bem da crise, ganhando ainda mais respeito de seus públicos interessados. Isso só foi possível pelo rápido e bom assessment situacional, pela percepção precisa do potencial impacto da crise, pelas medidas concretas rapidamente tomadas, pelo protagonismo da alta liderança à frente do tema junto aos stakeholders impactados e pela comunicação direta e sensível por meio de canais efetivos.

 

  1. De que formas os profissionais da Comunicação podem sensibilizar empresários e gestores públicos sobre a importância da cultura da prevenção e a necessidade da gestão de riscos?

A negação do risco é a primeira barreira existente para uma gestão destes riscos. Outra barreira é subvalorização dos impactos de uma crise por um risco materializado. Outra é, do lado oposto, a supervalorização de uma capacidade de resposta que em realidade é precária e insuficiente.

No Brasil, estes três comportamentos infelizmente são comuns. Falta de planejamento e de preparação para eventos negativos faz parte da cultura brasileira.

A pandemia da Covid-19, assim como catástrofes recentes no país aceleraram um início de mudança em direção à conscientização do risco e necessidade de maior preparo, tanto por parte da iniciativa privada como da pública.

Neste contexto, vejo que hoje os profissionais de Comunicação têm papel muito importante para fomentar o tema, com produção de conteúdo.

Não há como avançarmos para uma mudança comportamental em sociedade sem falar de forma ampla e abrangente (e sem medo) sobre riscos e crises. A informação e a educação são fundamentais para que esta mudança realmente aconteça e neste sentido o papel do profissional de comunicação é de enorme importância.

 

  1. Após a Pandemia do Novo Coronavírus e as Eleições 2022 no Brasil, a imprensa está mais bem preparada para cobrir situações críticas?

No Caso específico da Covid-19 vimos uma mobilização inédita no Brasil, até onde sei, por meio dos consórcios que reuniam informações úteis à população, as quais não eram compartilhadas pelos órgãos governamentais. Entendo que esta iniciativa promoveu uma integração dos maiores canais de mídia brasileiros e gerou certamente muito aprendizado para situações futuras.

Por outro lado, estamos vivendo uma fase de transição da informação, a qual em poucos anos será processada pela Inteligência Artificial de uma forma que hoje ainda não compreendemos. Estas gigantes e rápidas transformações nos transformarão em aprendizes da comunicação novamente. Digo isso não apenas em relação à imprensa, mas de toda a comunicação, pessoal, pública e corporativa.

O que aprendemos no passado, possivelmente pouco servirá para o futuro, neste contexto de transformação.

Se já vemos hoje fake news, manipulação de informação por meio de algoritmos das Big Techs, segregação de grupos a partir do acesso à informação de qualidade, os especialistas preveem que isso será potencializado muito em breve.

 

  1. E as organizações não-midiáticas, têm melhores condições de gerir os impactos de uma conjuntura semelhante a imposta pela pandemia de Covid-19, caso viesse a ocorrer algo com a mesma dimensão?

Primeiramente não se trata de um “se”, mas de um “quando”. As crises só tendem a aumentar e gerar impactos cada vez mais imprevisíveis e de grande alcance e potencial negativo.

Mesmo se viermos a enfrentar uma pandemia parecida com a Covid-19 nunca será igual. É claro que contamos sempre com aprendizados, no entanto, o contexto será outro e as pessoas serão outras.

Tomemos como exemplo, os ataques às Torres Gêmeas de 2001. Para nossa geração este evento causou impacto profundo e desencadeou muitas transformações no mundo sobre os mais diversos aspectos. Hoje, o jovem universitário, que está entrando no mercado de trabalho, não tinha nascido em 2001. Qual será o residual de aprendizado para essas próximas gerações?

 

  1. No contexto atual e diante da atuação de empresas e governos, é possível perceber sinais que põem em risco a imagem e a reputação de alguma organização brasileira nos próximos anos?

A única certeza que temos é que toda e qualquer organização pública ou privada está sujeita a crises por riscos relacionados a imagem e reputação. As empresas têm cada vez menos controle do que se fala sobre ela, por mais modernas e robustas que sejam suas ferramentas de monitoramento. Ao mesmo tempo, com o avanço tecnológico, um incidente aparentemente banal pode em poucos minutos ganhar enorme repercussão pelas redes sociais, levando a uma crise.

Em tempos de polarização, qualquer atitude e resposta terá julgamento imediato dos tribunais das redes sociais. Neste contexto, o risco de exposição é gigante e muitos são os temas sensíveis, que precisam de atenção e cuidado redobrados. Porém, neste mundo imediatista e volúvel, também cresce a oportunidade para a organização se recuperar perante seus públicos. A Internet não esquece, mas diante de tantas crises, a crise “da vez” pode ofuscar as crises passadas.

 

*Formada em Comunicação Social pela UFPR, especialista em Administração de Empresas pela FGV/SP e mestre em Administração Estratégica pela PUC/PR. CEO da startup Cosafe LATAM, com vasta experiência como consultora e palestrante em gerenciamento de crises para proteção da reputação de marcas. Ocupou posições de liderança em diversas indústrias como bebidas, telecomunicações e beleza e cuidados pessoais.