- A Hopeful é uma escola de educação em desastres. Conte-nos um pouco sobre o papel da instituição para a sociedade.
A Hopeful nasceu em 2017 como um produto da sala de aula. Naquele ano, um conjunto de atividades que desenvolvia durante a graduação me levou à construção do protótipo de um software de gestão de voluntariado em desastres. Um dos professores me indicou à participação de um edital que permitiu meu ingresso ao Tecnopuc. Desde então, a Hopeful vem pivotando (ou seja, se refazendo) para entregar a melhor solução para que indivíduos e instituições saibam o que fazer no ciclo (antes, durante e depois) dos desastres. Assim, nessa trajetória temos contribuído significativamente para preparar municípios, instituições e pessoas para os desastres. À época que começamos, quando falávamos sobre desastres, o tema era visto como distante e dispensável. Contudo, hoje ficou evidente que o tema sempre foi local e essencial. Contudo, essa mudança de pensamento ocorreu às custas de muitas vidas. Infelizmente.
- Qual a concepção de crise e de desastre para a Hopeful?
Para desastres, trabalhamos com o conceito de Castro (1998) que define desastres como o resultado de um evento adverso, de origem natural ou provocado pelo homem, sobre um ecossistema vulnerável que vai causar danos humanos, materiais e ambientais. Contudo, em 2016 a assembleia das Nações Unidas, adiciona mais uma variável de Castro, dizendo que os desastres, em qualquer escala, é a interação entre exposição (evento adverso), vulnerabilidade e capacidade. Nessa perspectiva, crise é uma fase ou um estado de reação imediata a um desastre ou outra emergência.
- Nem tudo é uma crise! Então, o que de fato caracteriza uma crise? E quando uma crise se torna um desastre?
Para a Hopeful, o desastre não é a evolução ou qualquer fase da crise. Esta pode ser, ao contrário, uma fase, ou estado da resposta ao desastre.
- A partir do seu ponto de vista, as instituições brasileiras vêm avançando na gestão de riscos e crises?
É difícil afirmar qualquer coisa sobre as instituições brasileiras, considerando esse grupo extremamente heterogêneo. Considero que, afirmando genericamente, ainda há muita “publicidade” dos mal-intencionados, “amadorismo” dos bem-intencionados e pouca “mudança”. Gestão de riscos requer essencialmente a identificação das falhas, o que leva indivíduos e instituições a se empenharem fortemente em escondê-las. Só faz gestão de riscos quem olha e fala sobre os erros. Todo o resto, é “cortina de fumaça”.
- Organizações de qual/quais setor(es) mais procuram a Hopeful em busca de aprendizado?
Os recentes desastres fizeram que prefeituras buscassem a Hopeful para atualizar seus planos de contingência como também realizar treinamentos para que suas equipes saibam o que fazer nos desastres. Santa Maria, em especial, está tendo a oportunidade de alterar os fundamentos da gestão dos riscos de desastres, trabalhando além das equipes de emergência, a comunidade para que ela coopere na resposta. Empresas ainda não identificaram a importância da construção dos plano de continuidade de negócios para suportar a exposição aos desastres.
- Você poderia nos contar um pouco sobre o Programa Santa Maria Resiliente?
Em 2023, o Programa Santa Maria Resiliente atualizou o plano de contingência e realizou uma série de simulados progressivos, criou os protocolos de comunicação em desastres, de voluntariado e desenvolveu as ações de educação comunitária. Em 2024, o programa mantém sua atenção às equipes de emergência, mas amplia o seu alcance envolvendo agora a comunidade, políticos, setor privado e escolas.
- A partir da sua experiência, quais são os principais desafios em comunicar no contexto de um desastre?
The right message at the right time from the right person can save lives. Essa frase que introduz o documento do CDC, CRISIS AND EMERGENCY RISK COMMUNICATION (2002), resume toda a minha compreensão sobre a comunicação em desastres. No primeiro capítulo do documento ele trata da psicologia da crise afirmando que a compreensão sobre como a mensagem é recebida no contexto dos desastres, pode contribuir na construção dela. Considero que muitos erros que temos cometido sobre isso passa por essa não compreensão. E daí “saímos” comunicando por intuição e não por evidência.
- Na mesma direção da pergunta anterior, quais seriam as melhores práticas para a comunicação em momentos de desastres? Há um protocolo-base?
Há protocolo sim. O melhor e utilizado pela agência americana de gestão de emergência (FEMA). Em resumo, o CRISIS AND EMERGENCY RISK COMMUNICATION (2002) diz que o ciclo de comunicação em desastres se organiza em cinco fases: pré-crise, inicial, manutenção, resolução e avaliação.
- Qual a tua avaliação sobre a gestão pública de riscos e de crises no contexto do desastre ocorrido entre abril e junho de 2024 no Rio Grande do Sul?
Não vou citar as falhas de indivíduos e nem de instituições porque considero que isso não traz benefícios e nem leva a mudança, mas vou destacar quais indicadores quem está lendo essa entrevista deve observar para pessoalmente, fazer a sua avalição. 1. Investimento em defesa civil municipal: esse órgão é responsável por gerenciar a coordenação de todos os serviços públicos, privados e outros nos desastres; se ele não existe, está sucateado, é porque não houve interesse e nem esforço na preparação. 2. Comunicação em desastres: esse é o fio de ouro; ou se acerta ou se erra, e tudo que operacionalmente pode ter sido positivo, perde todo o benefício; comunicação se estrutura antes com uma estratégia de coordenação; comunicação não é só publicação de rede social. 3. Educação comunitária: a população precisa saber o que fazer nos desastres. E isso deve ser feito, antes dos desastres.
- Conte-nos um pouco da atuação da Hopeful no RS neste período crítico.
A Hopeful cooperou com seus parceiros e clientes durante os desastres. Contudo, antes de detalhar algumas das ações, vale recordar que o pesado da nossa ação é antes do desastre, quando poucos, pouquíssimos, se empenham em se engajar. Para Santa Maria, o longo trabalho que já temos realizado desde setembro de 2023, fez com que o município desse uma rápida resposta na execução do plano de contingência, garantindo uma eficiente execução na criação e coordenação dos abrigos, na gestão dos voluntários, nos resgates da população em área de riscos, no comando centralizado no CIOSP, além dos programas sociais de reconstrução e reparação. Para Porto Alegre, cooperamos na assistência aos resgates, gestão dos abrigos, organização do voluntariado e desenvolvimento de software e protocolos para a resposta aos desastres.
*Abner Willian Quintino de Freitas é mestre pela UFCSPA pesquisando sobre epidemiologia dos desastres, mestrando na PUCRS pesquisando resiliência dos sistemas de saúde nos desastres. Fundador da Hopeful, startup no TECNOPUC que trabalha com educação em desastres. Coordena o Programa Santa Maria Resiliente. Coordenou o primeiro plano de contingência de Porto Alegre. Tem experiência com desastres e defesa civis na Bélgica, Itália, Malta, Albânia, Marrocos e Jordânia.