Por João José Forni (Autor do livro “Gestão de Crises e Comunicação – O que Gestores e Profissionais de Comunicação precisam saber para enfrentar Crises Corporativas”)
O acidente grave de colisão de dois aviões no aeroporto internacional Haneda, em Tóquio, um dos mais movimentados do mundo, na noite de 1º de janeiro, ao mesmo tempo que mostra uma falha grave de algum dos controles de voo do aeroporto, seja erro humano ou problema de comunicação, nos propiciou também uma verdadeira aula sobre gestão de crises.
As cenas vistas praticamente ‘real time’ do choque dos aviões, seguido de dois incêndios, envolvendo 379 pessoas (12 tripulantes) no Airbus A350 da Japan Airlines (JAL), e seis tripulantes, no avião Dash-8 da Guarda Costeira japonesa, que taxiava na pista, pronto para decolar, são chocantes e inacreditáveis. Principalmente pelo fato de não ter se transformado numa grande tragédia. A ponto de já ter recebido o epíteto de “o milagre de Tóquio”.
O fato de todos os 367 passageiros e 12 tripulantes do Airbus da Japan Airlines terem conseguido sair do avião antes que o fogo consumisse totalmente a aeronave foi, realmente, uma ação de salvamento para ser muito comemorada. Para quem não acredita em milagres, a operação de retirada das quase 400 pessoas em 90 segundos, após a batida e o início do incêndio, não ocorreu por acaso. É resultado de uma série de procedimentos que a tripulação dominava, certamente, e muito, muito treinamento, principalmente para condições adversas.
As causas do acidente ainda estão sendo investigadas, mas o Ministério de Terras, Infraestrutura, Transportes e Turismo do Japão apontou que houve uma falha na comunicação entre os controladores do aeroporto e as aeronaves. O ministério afirma que o avião da Guarda Costeira, que seguiria para as regiões afetadas pelo terremoto de segunda-feira, havia recebido autorização para entrar na pista. Dois dias após, fica-se sabendo que ele não tinha autorização para decolar.
Contudo, o voo 516 da Japan Airlines, proveniente da ilha de Sapporo, no Norte, segundo informação que circulou terça-feira, também recebeu sinal verde para pousar na mesma pista, algo confirmado pela empresa em comunicado horas depois do acidente. Certamente, este será o ponto central das investigações: descobrir se alguém passou uma ordem errada, se os pilotos não entenderam as orientações, ou se foi uma combinação desses dois fatores. De qualquer forma, já há um consenso de que houve “erro humano” (expressão muito comum na gestão de crises, para acidentes desse tipo). E não problema de equipamento dos aviões ou pane em algum instrumento do aeroporto.
Combinação de fatores favoráveis
Segundo Igor Gielow, em artigo na Folha de S. Paulo de 3 de janeiro, “se a investigação ainda irá apontar os fatores que levaram à colisão logo após o pouso do grande A350, às 17h47 locais, é possível delinear alguns dos fatores que levaram à evacuação segura em condições extremamente adversas: treinamento da tripulação, a quantidade de combustível do avião e os materiais novíssimos usados em sua composição.”
Ainda na palavra do jornalista da Folha, “segundo os relatos disponíveis de passageiros e da empresa, todo mundo foi retirado do avião dentro dos 90 segundos exigidos pela legislação internacional como limite de segurança para esse tipo de operação.”
O número de vítimas fatais se limitou a cinco tripulantes do avião da Guarda Costeira. Um dos pilotos está em estado grave. No Airbus, onde todas as pessoas conseguiram sair ilesas, 17 delas ficaram feridas, sem gravidade. Cenas gravadas por alguns passageiros em meio à fumaça do incêndio, segundos antes da evacuação, mostram que ninguém estava de pé ou tentando pegar algum objeto dos bagageiros, certamente obedecendo às instruções da tripulação que naquele momento, sem pânico, estava no controle da situação, apesar do cenário caótico. Uma das ações, certamente, foi instrui-los a se dirigirem rapidamente de forma ordeira às duas únicas saídas de emergência. Apesar de o Airbus A350 ter um total de oito saídas, naquele momento, devido à propagação rápida do incêndio, por segurança só foram acionadas as duas da frente do avião. O fogo iniciou na cauda da aeronave.
A aparente calma dos passageiros, além de decorrer do preparo e da forma como a tripulação tratou, naquele momento, evento tão grave, também colaborou para o sucesso da operação a cultura, a disciplina e a formação do povo japonês, treinado desde criança para eventos extremos, como terremotos e maremotos. Segundo ainda o jornalista da Folha, “As imagens das pessoas sem malas nos escorregadores infláveis das saídas mostra também que a regra zero de evacuações, deixar tudo para trás, foi respeitada pelos passageiros. Num evento como esse, cada segundo é vital”.
Por que o avião não explodiu
É importante ressaltar que os acidentes aéreos envolvendo aviões de passageiros tornaram-se extremamente raros nas últimas décadas, com aeroportos e companhias aéreas implementando novos procedimentos e tecnologias que reduziram drasticamente o risco de colisão. Principalmente nas pistas dos aeroportos, extremamente monitoradas pela intensa movimentação e o aumento absurdo do número de aviões e de passageiros no mundo, nos últimos anos.
Como ocorre nos acidentes aéreos, em geral não existe uma única causa, mas quase sempre uma combinação de fatores que colabora para uma tragédia. No acidente de Tóquio, outras elementos, além do preparo da tripulação, colaboraram para a salvação das 379 pessoas a bordo. Se esse acidente fosse na decolagem do avião, provavelmente a tragédia teria sido fatal para os passageiros, porque os tanques de combustível estariam cheios. No caso, foi fundamental para não haver explosão, na hora da colisão, o fato de o avião levar em rotas domésticas menos combustível, além do 10% a mais de reserva, como determinam os procedimentos de segurança. Como o Airbus vinha de um voo curto, de Saporo a Tóquio, 800 km voados em 1h32min, certamente não estava com os tanques cheios.
Cenário caótico
No momento mais crucial do acidente, mais de 70 carros de bombeiros combateram as chamas e todos os 367 passageiros, incluindo oito crianças, além de 12 tripulantes, fugiram para um local seguro. Quando os passageiros se afastavam, pode-se ver, nos vídeos divulgados, que o avião já estava tomado pelo fogo, o que ocorreu em poucos minutos após o desembarque dramático dos passageiros. Ou seja, a evacuação de centenas de passageiros foi no meio de um caos, com fumaça, fogo e a intervenção dos bombeiros, num cenário quase incontrolável. Em compensação, o fato de ser um avião moderno, construído com materiais menos inflamáveis, pode ter ajudado a manter o fogo sob contenção nos segundos cruciais, após o choque. O jornal britânico The Guardian, em artigo publicado em 3 de janeiro, admite também milagre em Haneda: “como a tripulação de cabine conseguiu escapar do incêndio de um avião no Japão? O piloto que parou o avião em chamas com segurança, a tripulação que seguiu o exercício e os passageiros que deixaram suas bagagens para trás entregaram um manual de evacuação.” Deram uma aula de gestão de crises, portanto.
Dentro da aeronave, a confusão rapidamente se transformou em horror quando os passageiros notaram que um motor pegou fogo segundos depois que o avião pousou no final de um voo noturno vindo da ilha de Hokkaido. Imagens de vídeo amplamente compartilhadas mostram comissários de bordo na frente de uma cabine escura gesticulando para os passageiros permanecerem sentados e agradecendo-lhes pela cooperação. A certa altura, a câmera se move para mostrar uma moldura de janela cheia de luz laranja.
“Por favor, tire-me daqui”, grita uma mulher no vídeo. Ouve-se uma criança perguntando: “Por que você simplesmente não abre as portas?”
“O Japão tem um histórico fenomenal no que diz respeito à segurança dos transportes”, disse o professor Graham Braithwaite, diretor de sistemas de transporte da Universidade de Cranfield, no Reino Unido, à BBC, descrevendo a JAL como um “líder mundial” em segurança.”
“A evacuação foi bem-sucedida e é um lembrete de quanto foi investido no treinamento da tripulação de cabine”, acrescentou. “O foco deles é a segurança. Eles são as últimas pessoas a saírem do avião e, à primeira vista, parece que fizeram um trabalho incrível.”
Nas histórias que acabam bem, sempre há os heróis. “O piloto que fez o avião derrapar, agora parecido com uma bola de fogo, parar no nariz; a tripulação que, impossibilitada de utilizar o sistema de PA (serviço de alto-falante do avião) danificado, deu instruções calmamente através de megafones; e os passageiros, que permaneceram sentados antes de seguirem para os escorregadores de evacuação, deixando a bagagem de mão às chamas”, segundo o jornal britânico. Todos colaboraram para esse acidente se transformar num grande “case” de gerenciamento de crise e de extremo profissionalismo naquilo que estavam treinados para fazer.
Especialistas em aviação, ouvidos pelo jornal The Guardian, “disseram que a compostura inabalável demonstrada pelos comissários de bordo, combinada com o alto nível de cooperação entre os passageiros, provavelmente evitou que uma experiência profundamente perturbadora se transformasse em um grande desastre”.
O jornal lembra que “Menos de duas horas antes, os passageiros assistiram a um vídeo de segurança da JAL instando-os a fazer exatamente isso. No vídeo, uma comissária avisa: “Deixe sua bagagem ao evacuar!”, estendendo as palmas das mãos abertas para dar ênfase. Uma sequência animada mostra os danos que bolsas e sapatos de salto alto podem causar nos escorregadores infláveis de evacuação.” Coincidência? Não. Essa cultura de gestão de risco certamente faz parte da estratégia de negócios da empresa, o que explica o sucesso de uma operação que para qualquer companhia aérea teria uma alta probabilidade de se transformar em tragédia.
Essa obsessão da JAL pela segurança tem uma razão histórica. A insistência rigorosa na segurança durante a evacuação está enraizada em melhores designs de aeronaves e padrões mais rígidos em toda a indústria, mas também no papel da JAL no acidente mais mortal da história da aviação envolvendo uma única aeronave, como lembra o jornal britânico. Em 12 de agosto de 1985, um jumbo da empresa caiu em uma montanha a caminho de Tóquio para Osaka, matando 520 das 524 pessoas a bordo. É considerado o maior desastre aéreo da história, em número de vítimas.
Um case para a história
As ações da tripulação e dos passageiros foram creditadas, com muita justiça, fundamentais para evitar a tragédia. Incrivelmente, nenhum sofreu ferimentos graves. Quando os bombeiros chegaram para começar a combater as chamas, a tripulação já tinha acionado as rampas de fuga – que permitiu quase 400 pessoas, incluindo várias crianças pequenas, deslizarem para um local seguro, num recorde de tempo.
Quando se trata de acidentes dessa dimensão, que ocorreu certamente por algum erro que será apurado, muito raramente as histórias têm um final feliz. Perder as bagagens, as lembranças, os documentos, os presentes foi o mínimo que os 367 passageiros e 12 tripulantes consideram no dia em que nasceram de novo.
Para a Japan Airlines, um prejuízo de US$ 350 milhões (R$ 1,7 bilhão) pela perda total do avião. Fora eventuais ações na Justiça que poderá enfrentar, principalmente se alguma culpa for imputada à tripulação pelo choque com o outro avião. Mas a empresa aérea japonesa pode comemorar: esse acidente será lembrado por muito anos como uma lição de competência de uma tripulação que escreveu uma página incrível na história da aviação.
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Artigo publicado originalmente no site www.comunicacaoecrise.com
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