Por Patrícia Milano Pérsigo (Professora Associada da UFSM, Doutora em Comunicação)
Segundo o dicionário online de significados, diversidade é o mesmo que “variedade, pluralidade, diferença”. É um substantivo feminino que caracteriza tudo que é diverso, que tem multiplicidade”. Assim também argumenta Fleury (2000) ao elencar diversas características que podem traduzir a diversidade de um dado grupo populacional.
Trazendo a reflexão sobre diversidade para o contexto organizacional é necessário perceber que esta é mais que uma causa a ser abraçada, mas uma política séria a ser gerida, se a organização pretende evitar crises de imagem. Martinez (2013) relembra que os estudos sobre diversidade nas organizações têm início aproximadamente em 1973 em função de mudanças no sistema produtivo e no mercado de trabalho. Com o passar dos anos destaca-se também a própria transformação da mão de obra: mais feminina, mais madura e mais intelectualizada. Entretanto, essa realidade também desencadeia uma série de demandas e protestos quanto a embates e entraves sociais “invisíveis”, relações de poder estabelecidas até então.
Nesse sentido que Fleury (2000) relembra que quando as relações de poder prevalecem nas organizações, a gestão da diversidade tende a ser uma imposição, como uma vitrine, algo posto para gerar visibilidade. Dessa forma, a organização assume o risco de estar propondo algo em seu discurso, mas que pode facilmente ser desmascarado por seus públicos ou por situações que vem à tona no cotidiano. Rapidamente lembramos dos vários casos envolvendo o Supermercado Carrefour, uma empresa que socialmente posiciona-se como pró-diversidade. “A brutal morte de um cachorro vira-lata em um Carrefour leva o Brasil ao divã” [1], “Homem negro é espancado até a morte em supermercado do grupo Carrefour em Porto Alegre” [2], “Carrefour já protagonizou polêmicas como acusações de racismo e xenofobia” [3], esses são alguns casos de crise de imagem em confronto direto com a Política de Diversidade da organização [4].
Nesse sentido é importante atentarmos para dois pontos.
Primeiro, assim como uma crise demanda a sua gestão, a diversidade também. Ações no dia X ou Y, programas de recrutamento… são apenas ações. A diversidade necessita ser diariamente sustentada a partir de políticas de inclusão. De nada adianta ter as iniciativas citadas anteriormente se não existem pilares de gestão e cultura organizacional que as sustentem. Nesses casos não ocorrerá a inclusão, mas a submissão da “bandeira” com base nos argumentos de ganhos, retorno de imagem… pelas relações de poder impostas. A diversidade sendo internalizada dessa forma, destacam-se aspectos com potencial de desencadear crises organizacionais. Quando a adoção de práticas de diversidade torna-se apenas uma imagem pretendida, a crise será uma questão de tempo.
Segundo ponto, é urgente pensar nas relações de trabalho para além das práticas de gestão de pessoas. As discussões sobre diversidade partem de algumas perspectivas: 1) de justiça social, 2) pelo reconhecimento das diferenças, compreendendo-as de forma positiva e 3) pela busca efetiva de participação de todos na construção social (Thomas e Ely, 1996). Essas podem ser três perspectivas para guiar a implantação de Políticas de Diversidade em sua complexidade.
No mercado atual, competitivo e dinâmico, a comunicação profissionalizada vai além do planejamento de mensagens e campanhas atentas aos diversos públicos, é necessário compreender o seu papel estratégico como forma de equilibrar e prever a representatividade nas organizações dos diversos grupos que compõem a sociedade. Trata-se da construção de relacionamentos estratégicos, imagem e reputação coerentes.
No cenário internacional, no ano de 2013, Guido Barilla, Presidente das massas Barilla, declarou publicamente que casais gays jamais estariam em seus comerciais. Inicialmente na Itália, depois Europa e por fim no mundo todo, os consumidores boicotaram os produtos, organizaram manifestações públicas e protestos em redes sociais. A empresa teve diversos prejuízos. Esse é um caso que ilustra uma gestão de crise que se tornou emblemática justamente por desrespeitar os relacionamentos organizacionais e a sua diversidade. Até então, a Barilla promovia ações isoladas, de vitrine, e pela manifestação de seu próprio Presidente suas iniciativas pontuais se tornaram uma crise de imagem [5]. Entretanto, há que se destacar que foi exatamente essa experiência que significou um novo posicionamento organizacional [6], quando já no ano de 2014 a empresa passa a integrar a lista das Empresas pró-LGBTQIA+ da Human Rights Campaign [7]. Vale ler mais sobre o assunto.
Sob essa perspectiva Serrano (2007) comenta que, inicialmente, refletir sobre os públicos organizacionais demanda compreender a diversidade em sua profundidade e extensão. É muito simples pressupor que os públicos estão divididos em determinados grupos por gênero, idade, religião ou atributos físicos; porém contemplar precisamente a diversidade do público seria apenas isso?
A diversidade pode ser categorizada em duas dimensões: a) a primária, que reúne características inatas, imutáveis e centrais para formação da identidade do indivíduo, sobre as quais a pessoa tem pouco ou nenhum controle, como Sexo, raça, idade, atributos físicos; b) secundária, que reúne características que podem ser modificadas ao longo da vida que, embora exerçam influência na autoestima e na autodefinição do indivíduo, não alteram o núcleo principal de sua identidade. (Serrano, 2007, p. 50 apud Loden e Rosener, 1991).
Ao promover programas e políticas de diversidade, a partir de uma abordagem primária, as organizações estariam atuando em um nível mínimo da questão. A comunicação organizacional estaria contemplando em suas estratégias e esforços certas generalizações apressadas e vulgares no contexto social, seria algo como a reprodução de modelos existentes, não necessariamente correspondentes com o contexto a que se pretende atuar. Compreendemos que os programas de diversidade em nível primário, provocando/estimulando a geração de estereótipos, é um fundo falso na realidade organizacional. Por esse ângulo, fica, mais uma vez, evidenciado o papel estratégico da comunicação. Interpretando minuciosamente tanto os atores sociais, quanto o ambiente social, a fim de posicionar a organização nesse contexto (OLIVEIRA E PAULA, 2007), atingindo a dimensão secundária da diversidade.
Esse posicionamento coerente resultará em ganhos de imagem e reputação, consequentemente. É a gestão da diversidade compreendida em sua complexidade, como valor organizacional, aquela que em situações de crises não será a causa, mas sim um dos ativos intangíveis a favor da retomada da reputação.
[1] Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/05/politica/1544035820_647759.html Acesso em 13 de novembro de 2023.
[2] Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2020/11/20/homem-negro-e-espancado-ate-a-morte-em-supermercado-do-grupo-carrefour-em-porto-alegre.ghtml Acesso em 13 de novembro de 2023.
[3] Disponível em: https://www.otempo.com.br/brasil/carrefour-ja-protagonizou-polemicas-como-acusacoes-de-racismo-e-xenofobia-1.2415914 Acesso em 13 de novembro de 2023.
[4] Disponível em: https://carrefourbr.vteximg.com.br/arquivos/politicapdf.pdf Acesso em 20 de novembro de 2023.
[5] Disponível em: https://julianonobrega.com.br/2021/07/23/a-receita-de-crise-da-barilla/ Acesso em 16 de novembro de 2023.
[6] Disponível em: https://www.bloomberg.com/news/features/2019-05-07/barilla-pasta-s-turnaround-from-homophobia-to-national-pride?leadSource=uverify%20wall#xj4y7vzkg Acesso em: 15 de novembro de 2023.
[7] Disponível em: https://exame.com/negocios/como-a-barilla-foi-de-vila-a-empresa-amiga-dos-lgbt/ Acesso em 16 de novembro de 2023.
Referências:
FLEURY, Maria Tereza Leme. Gerenciando a Diversidade Cultural. RAE, Revista de Administração de Empresas. Jul./Set. São Paulo, V. 40, n. 3. p. 18-25. 2000.
MARTINEZ, Victor de La Paz Richarte. Diversidade, voz e escuta nas organizações: estudos de casos em empresas brasileiras e espanholas. Tese (Doutorado em Administração). Programa de Pós-Graduação em Administração. Universidade de São Paulo, 2013.
OLIVEIRA, Ivone de Lourdes. PAULA, Maria Aparecida de. O que é comunicação estratégica nas organizações? São Paulo: Paulus, 2007.
SERRANO, Cláudia. Desenvolvimento de Competências no Contexto da Diversidade nas Organizações. Programa de Pós-Graduação de Empresas, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2007.
THOMAS, D. A.; ELY, Robin. Making differences matter. Harvard Business Review, Set/Out. 1996.
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