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Palavras Mal Ditas: quando a crise começa com o que se fala em tempo de visibilidade total



Por Valdeci Verdelho (Jornalista, fundador da Verdelho Comunicação, especialista em gestão de crise)

 

A comunicação é a ferramenta mais poderosa para resolver crises. Um bom discurso, uma mensagem bem estruturada, pode acalmar a opinião pública, reconstruir uma imagem abalada, inspirar confiança — e até virar o jogo político.

Mas vivemos um momento curioso (e perigoso): a mesma fala que pode solucionar uma crise é, muitas vezes, o que a provoca. E, pior, com uma velocidade que escapa ao controle de quem falou.

Esse é o paradoxo da comunicação contemporânea: nunca se falou tanto, nunca foi tão fácil ser ouvido — e nunca foi tão arriscado dizer algo.

Fala pública: território minado

Em tempos de redes sociais, câmeras sempre ligadas, transmissões ao vivo e escrutínio constante, uma frase pode derrubar reputações, arranhar instituições e se transformar em escândalo internacional.

Às vezes, uma simples frase — impensada, insensível ou mal interpretada — desencadeia protestos e crises que exigem explicações, pedidos de desculpas, recuos estratégicos ou até o fim de carreiras. E isso pode marcar uma pessoa para sempre.

Mais de três décadas se passaram, e ainda assim o ex-governador Paulo Maluf é lembrado pela infeliz frase: “estupra, mas não mata”, dita durante uma campanha presidencial. A declaração virou bandeira de seus adversários e manchou para sempre sua imagem pública.

Falar coisas que viram tempestades é um erro que se repete com frequência. Nas últimas semanas, vimos dois exemplos emblemáticos.


Caso 1 — A bola fora do presidente da Conmebol

Durante uma coletiva sobre a Copa Libertadores, o presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez, foi questionado sobre a possível ausência de clubes brasileiros na competição e respondeu:

“Uma Libertadores sem brasileiros é como o Tarzan sem a Chita.”

A intenção parecia ser leve e bem-humorada, mas o impacto foi o oposto. O contexto da pergunta era grave: clubes brasileiros cogitavam boicotar a competição como resposta aos episódios de racismo sofridos por jogadores — entre eles, Vinícius Júnior.

A metáfora, associando Tarzan (ícone branco) e Chita (um macaco), soou insensível e ofensiva, especialmente considerando a forte presença de atletas negros no futebol brasileiro.

As consequências:

  • Jogadores, clubes e torcedores brasileiros reagiram com indignação;
  • O governo brasileiro repudiou oficialmente a fala;
  • Críticos denunciaram a ineficácia da Conmebol no combate ao racismo;
  • A imprensa internacional repercutiu negativamente o episódio;
  • Domínguez precisou pedir desculpas públicas;
  • A imagem institucional da Conmebol sofreu novo desgaste.

É um caso clássico de como uma metáfora mal escolhida pode virar um gol contra.


Caso 2 — Ministro solta o verbo e cai numa armadilha

O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo e enfrenta níveis alarmantes de violência. Nesse cenário, é comum ouvir a frase: “a polícia prende e a justiça solta.”

Tentando se defender dessa crítica, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, respondeu:

“A polícia prende mal, e o Judiciário é obrigado a soltar.”

A frase caiu como uma bomba. A leitura geral foi de que o ministro estaria desqualificando o trabalho das polícias, o que provocou reação imediata de entidades de segurança e autoridades.

A repercussão:

  • A Associação Nacional dos Delegados da PF emitiu nota oficial contra a fala;
  • Governadores saíram em defesa das forças de segurança;
  • A oposição aproveitou para atacar o ministro;
  • Lewandowski se retratou, dizendo ter sido mal interpretado e reafirmando apoio às polícias.

Mesmo com a retratação, o dano estava feito. O caso ilustra como frases ambíguas, ditas por figuras públicas, podem gerar ruídos institucionais profundos.


Quando um comentário tolo derruba um presidente

Em 2007, o então presidente da Philips do Brasil, Paulo Zottolo, deu uma entrevista ao jornal Valor Econômico. Nela, declarou:

“Se o Piauí deixar de existir, ninguém vai ficar chateado.”

A fala — tida como um comentário “bobo” — provocou revolta imediata. Políticos, organizações civis e cidadãos piauienses consideraram a frase ofensiva, elitista e preconceituosa.

As reações:

  • Estudantes protestaram nas ruas do Piauí;
  • Empresários locais iniciaram boicote às marcas da Philips;
  • Parlamentares cobraram posicionamento oficial;
  • O governador repudiou publicamente o comentário;
  • A Assembleia Legislativa declarou Zottolo persona non grata;
  • A crise arranhou duramente a reputação da empresa no Nordeste.

Apesar do pedido de desculpas, o estrago foi irreversível. Um ano depois, Zottolo deixou o cargo e nunca mais voltou a liderar uma grande empresa.


O que todos esses casos têm em comum?

  • A fala foi espontânea, mal pensada ou mal formulada;
  • A repercussão foi rápida, pública e massiva;
  • As consequências foram reais: prejuízo à imagem, desgaste político e retratações forçadas.

Mais do que “gafes”, são alertas estratégicos. Mostram que a comunicação deixou de ser apenas ferramenta — ela é o próprio campo de batalha da reputação.


O que aprendemos com isso?

  • Toda fala é pública. Em tempos de superexposição, não existe “informalidade” para quem ocupa cargos de liderança.
  • Intenção não anula impacto. Mesmo frases “bem-intencionadas” podem ofender, constranger ou gerar crises.
  • Prevenção é melhor que reação. Treinar porta-vozes, revisar discursos e considerar o contexto pode evitar crises antes que elas comecem.
  • Retratação nem sempre reverte o dano. Como papel amassado, a reputação dificilmente volta ao estado original.

 

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