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Sem medo de causar medo: a estratégia da Comissão Europeia para a preparação diante de crises iminentes



Por Bianca Persici Toniolo (Doutora em Ciências da Comunicação, professora nas universidades da Beira Interior e de Coimbra e investigadora no LabCom – Portugal)

 

Desde o dia 26 de março de 2025, quando a Comissão Europeia (CE) realizou um conjunto de comunicações sobre a Estratégia da União Europeia para a Preparação (EU Preparedness Union Strategy), os feeds das redes sociais digitais foram inundados por publicações que repercutem as orientações para que a população se prepare frente aos riscos que ameaçam a segurança no Velho Continente. A iniciativa, detalhada no website oficial da CE, visa informar e instruir a sociedade para responder a emergências civis e militares. Contudo, as críticas à sua estratégia de comunicação evidenciam um dilema essencial: até que ponto a informação deve ser contundente na transmissão dos riscos sem gerar pânico? 

 

O conceito de risco pode ser compreendido como “a possibilidade de ocorrência de eventos futuros com consequências negativas coletivas, resultantes da tomada de decisões com propósitos individualistas” (Toniolo, 2025). Diante disso, o desafio das organizações públicas é comunicar esse risco de maneira concreta, incentivando ações preventivas sem alarmismo desnecessário. 

 

A preparação é um elemento essencial na gestão de riscos e desastres. A UNDRR (United Nations Office for Disaster Risk Reduction) define a preparação como o conhecimento e a capacidade de diversos setores para antecipar, responder e recuperar-se de desastres, o que envolve a análise dos riscos, integração com sistemas de alerta precoce, planejamento de contingência e realização de treinamentos e simulações. 

 

A literatura sobre gestão de emergências enfatiza a preparação como um conjunto de ações deliberadas, realizadas antecipadamente para minimizar impactos negativos e fortalecer a capacidade de resposta e recuperação (Roberton & Stephens, 2022). No contexto específico dos desastres climáticos, o Modelo Loop (Toniolo, 2025) estrutura a preparação como o desenvolvimento de capacidades para responder e recuperar-se desses eventos, garantindo transições organizadas entre socorro e recuperação (Plana et al., 2024). 

 

A preparação, segundo o Modelo Loop, enfatiza a necessidade de um discurso comunicativo que fortaleça a confiança na capacidade das organizações públicas e das próprias comunidades para lidar com crises. Baseando-se na perspectiva informativa da comunicação de risco e crise (Frandsen & Johansen, 2020), o papel da comunicação para a preparação diante de crises iminentes deve ser fornecer conhecimento sobre os riscos e os recursos necessários para enfrentá-los; informar sobre investimentos em infraestrutura, campanhas de conscientização e treinamentos; disponibilizar materiais educativos com instruções detalhadas para ações emergenciais; e incentivar cursos e treinamentos que desenvolvam habilidades para lidar com crises. 

 

Tais estratégias comunicativas têm o propósito de fortalecer a autoproteção individual comunitária, algo cada vez mais essencial diante da saturação dos serviços de proteção civil em situações de múltiplos desastres simultâneos (Almeida, Modarres & Rodrigues, 2024). 

 

A estratégia de comunicação adotada pela Comissão Europeia tem sido alvo de críticas sob a alegação de causar pânico. No entanto, a sua abordagem baseia-se no enquadramento positivo das ações, ou seja, enfatiza os benefícios da preparação, em vez de ressaltar os perigos do não cumprimento das orientações. 

 

O conceito de enquadramento (framing), conforme descrito por Hallahan (2005, 1999) e Entman (1993), refere-se à maneira como as informações são apresentadas para influenciar a percepção do público. A escolha do enquadramento, por sua vez, reflete o comportamento que o emissor deseja influenciar na audiência. No caso da comunicação de risco segundo a perspectiva informativa, o mais adequado é que as mensagens estejam centradas nos danos potenciais da inação (Seeger, Sellnow & Ulmer, 2003), mas a Comissão Europeia optou por um tom positivo e, até mesmo, bem-humorado. Exemplo disso é o vídeo protagonizado por Hadja Lahbib, no qual a comissária mostra o que tem na sua bolsa para enfrentar as 72 horas de desabastecimento em caso de ocorrência de desastres ou ataques.

 

Pesquisas mostram que o medo pode ser um fator funcional em adultos, incentivando comportamentos preventivos em crises sanitárias (Harper et al., 2020). Contudo, entre crianças, a exposição a mensagens alarmistas pode desencadear transtornos emocionais, como demonstrado por Jiao et al. (2020). Isso exige uma comunicação segmentada, que diferencie públicos e ajuste a narrativa conforme a vulnerabilidade emocional de cada grupo. 

 

A preparação para crises deve ser uma prioridade na gestão pública, e a comunicação desempenha um papel central nesse processo. Estratégias bem-sucedidas equilibram a necessidade de informar sobre os riscos reais sem gerar pânico ou histeria coletiva. O enquadramento positivo das ações pode fortalecer a confiança da população e incentivar a adesão às medidas preventivas. No entanto, quando a comunicação se torna excessivamente cuidadosa para evitar desconforto ou rejeição, pode acabar assumindo uma perspectiva política, mais preocupada com a proteção da reputação das organizações e autoridades do que com a real proteção da população.

 

Se o objetivo é garantir a segurança coletiva, as autoridades não precisam ter medo de causar medo, desde que a comunicação seja bem estruturada e adaptada a diferentes públicos. O medo, quando bem direcionado, pode ser um estímulo para a ação preventiva entre os adultos, como demonstram estudos sobre comportamento em crises (Harper et al., 2020). A sua aplicação, porém, deve ser cautelosa, especialmente em mensagens destinadas a crianças e grupos vulneráveis (Toniolo et al, 2021), para que a preparação não se transforme em um fator de insegurança emocional, mas sim em uma ferramenta de empoderamento.

 

Crises sempre existirão e muitas delas não podem ser evitadas, mas sua gestão eficaz depende de uma comunicação clara, estratégica e verdadeiramente comprometida com a segurança e o bem-estar da população. Isso significa equilibrar informação e alerta, garantindo que a mensagem seja compreendida, internalizada e gere ação, sem recorrer a alarmismos desnecessários nem a suavizações que comprometam sua efetividade.

 

Referências

Almeida, M.; Modarres, M. R.; & Rodrigues, T. (2024). Proteção das comunidades. In D. X. Viegas (Eds.), O Que Devo Saber Sobre Tempestades de Fogo? (pp. 89-107). Lidel.

Entman, R. M. (1993). Framing: Toward clarification of a fractured paradigm. Journal of Communication, 43(4), 51-58. https://doi.org/10.1111/j.1460-2466.1993.tb01304.x

Frandsen, F., & Johansen, W. (2020d). Public sector communication: Risk and crisis communication. In V. Luoma-aho & M.-J. Canel, The Handbook of Public Sector Communication (pp. 229-244). Wiley-Blackwell.

Hallahan, K. (1999). Seven models of framing: Implications for public relations. International Journal of Phytoremediation, 21(1), 205-242. https://doi.org/10.1207/s1532754xjprr1103_02

Hallahan, K. (2005). Framing theory. In R. L. Heath (Eds.), The Encyclopedia of Public Relations (pp. 340-343). Sage.

Harper, C.A., Satchell, L.P., Fido, & D. Latzman, R. D. (2021). Functional fear predicts public health compliance in the COVID-19 pandemic. Int J Ment Health Addiction, 19, 1875–1888. https://doi.org/10.1007/s11469-020-00281-5

Jiao, W.Y., Wang, L.N., Liu, J., Fang, S.F., Jiao, F.Y., Pettoello-Mantovani, M., & Somekh, E. (2020). Behavioral and emotional disorders in children during the COVID-19 epidemic. The Journal of Pediatrics 221, 264-266.e1. https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2020.03.013

Robertson, B. W., & Stephens, K. K. (2022). Communicating disaster preparedness. In W. T. Coombs & S. J. Holladay (Eds.), The Handbook of Crisis Communication (pp. 312-326). Wiley-Blackwell. https://doi.org/10.1002/9781119678953.ch21

Seeger, M. W., Sellnow, T. L., & Ulmer, R. R. (2003). Communication and Organizational Crisis. Praeger. 297p.

Toniolo, B. P. (2025). As tensões entre as perspetivas informativa e política da comunicação de risco e de crise: A comunicação das organizações públicas portuguesas sobre os incêndios florestais. Tese de Doutoramento. Universidade da Beira Interior. Covilhã, Portugal. 404 p. http://hdl.handle.net/10400.6/15128

Toniolo, B. P.,Baptista, J. P., Ramos, C., Piñeiro-Naval, V., & Gradim, A. (2021). General knowledge and perception of portuguese children about Covid-19. In A. Rocha (Ed.), Advances in Intelligent Systems and Computing. pp. 179-197. Cham, Suíça: Springer International Publishing. https://doi.org/10.1007/978-3-030-68418-1_19

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