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A Gestão da Comunicação de Crise não é uma Estratégia Isolada



Por Patrícia Milano Pérsigo (Professora Associada da UFSM, Doutora em Comunicação) 

Recentemente, a cena cinematográfica foi tomada por uma disputa de discursos e ajustes estratégicos em decorrência da crise envolvendo a atriz principal do filme “Emilia Pérez”, Karla Sofía Gascón. Refletir sobre o ocorrido sob a perspectiva da gestão de crise exige, antes de tudo, o reconhecimento de que a Gestão da Comunicação de Crise não é um trabalho isolado dos demais processos comunicativos. Embora essa afirmação seja amplamente aceita, na prática — mesmo em grandes organizações — ainda são evidentes as lacunas na implementação de processos eficazes. Os parágrafos a seguir propõem uma reflexão sobre o caso, destacando algumas áreas da comunicação organizacional diretamente envolvidas na gestão de crise.

Identidade, imagem e reputação são conceitos fundamentais para o trabalho de qualquer profissional de Relações Públicas. Desde a formação universitária, aprendemos sobre a importância do alinhamento e da coerência que devem permear toda atuação organizacional. Também compreendemos, cada vez mais na prática, que organizações não são apenas empresas privadas; incluem-se nesse conceito instituições do terceiro setor, órgãos públicos e personalidades públicas — de políticos a esportistas, artistas e influenciadores.

Embora esses princípios pareçam simples em teoria, a realidade atual complexifica sua aplicação. Vivemos em uma sociedade permeada pelo desenvolvimento tecnológico, com uma escalada generalizada da produção, edição e difusão de conteúdo. Esse cenário, aliado às polarizações e aos discursos de ódio, amplia significativamente a visibilidade e a velocidade de disseminação de informações e desinformações.

Recentemente, o cinema brasileiro celebrou uma conquista histórica com “Ainda Estou Aqui”, filme dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello. O filme foi indicado em três categorias do Oscar: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, feito inédito na cinematografia nacional. A equipe de divulgação tem conduzido uma campanha estratégica e determinada, mobilizando fãs para aumentar a bilheteria e engajando públicos nas redes sociais.

Paralelamente, nessas mesmas três categorias também concorre o filme francês “Emilia Pérez”, e é exatamente nesse contexto que surgem incoerências e lacunas na gestão da identidade, imagem e reputação tanto da produção cinematográfica quanto de sua protagonista, Karla Sofía Gascón. Em entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo”, Gascón afirmou que pessoas ligadas ao filme brasileiro estavam promovendo uma campanha contra “Emilia Pérez” e sua atuação. A declaração, feita sem apresentação de provas, rapidamente gerou forte reação dos brasileiros nas redes sociais, que passaram a questionar sua postura. Aqui se observa uma primeira falha: a ausência de um adequado treinamento de mídia. Tanto Gascón quanto sua assessoria deveriam estar cientes dos riscos dessas declarações, que resultaram em sucessivas tentativas de explicação e consequente desgaste de imagem.

A situação se agravou quando usuários de redes sociais resgataram postagens antigas da atriz com conteúdo considerado racista, islamofóbico e xenofóbico, além de críticas ao próprio Oscar e seus antigos premiados. O escrutínio público se intensificou, gerando uma onda de debates e manifestações, amplificando a associação negativa entre Gascón e “Emilia Pérez”, justo no momento em que a campanha do filme para o Oscar deveria estar em sua fase mais positiva.

Diante dessa crise, a Netflix — distribuidora do filme nos EUA, Canadá e Reino Unido — decidiu afastar Karla Sofía Gascón das campanhas promocionais. Sua presença em eventos públicos foi cancelada e o próprio diretor do longa manifestou que não pretende renovar o contrato com a atriz. A imprensa internacional também destacou o impacto negativo das controvérsias na campanha de “Emilia Pérez” ao Oscar, com manchetes como: “The disturbing tweets — and messy apology tour — blowing up Emilia Pérezs Oscars campaign” (Vox), “Zoe Saldaña ‘sad’ and ‘disappointed’ about controversy surrounding her Emilia Perez costar Karla Sofía Gascón” (Entertainment Weekly) e “The rise and fall of Emilia Perez: how did it all go so wrong for the Oscar-nominated film and its star?” (The Guardian). O The Guardian classificou o caso como um escândalo de redes sociais desencadeando uma reação devastadora.

Observando os acontecimentos sob a perspectiva da Gestão da Comunicação de Crise, restam algumas reflexões que podem nos guiar a processos mais efetivos nesse cenário. A gestão da identidade, imagem e reputação de uma produção cinematográfica não deve ser vista como apenas dela, mas sim, de todos que direta ou indiretamente “emprestam” suas imagens públicas à obra.

Somado a esse cenário, também é urgente considerar a gestão da comunicação digital, lembrando sempre que a memória digital é extensa e o escrutínio público conta atualmente com inovadoras ferramentas de IA para facilmente alcançar antigos posicionamentos e aparições. Além disso, este caso reforça a necessidade de preparação estratégica contínua, destacando que, em um ambiente digital altamente polarizado e com grande capacidade de resgatar e amplificar discursos passados, a prevenção é tão essencial quanto a resposta imediata.

Produções cinematográficas (e qualquer organização ou figura pública) precisam antecipar cenários de crise, garantindo que porta-vozes estejam preparados para lidar com entrevistas e que o histórico digital de seus envolvidos tenha sido avaliado estrategicamente. A crise em questão evidencia que não basta reagir quando um problema surge; é preciso atuar preventivamente, reconhecendo os riscos reputacionais antes mesmo de uma campanha ser lançada.

Dessa forma, o caso em questão é um exemplo claro de que a Gestão da Comunicação de Crise não é um documento isolado e guardado a sete chaves. Muito pelo contrário, é uma mentalidade presente e minuciosamente atenta perpassando todas as demais áreas da Comunicação, seja de pessoas públicas, marcas ou mesmo produções cinematográficas.

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