Por Wilson Costa Bueno (Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa, consultoria na área de Comunicação Corporativa/ Jornalismo Especializado)
A tragédia de Vinhedo, que enlutou o país, escancara duas realidades insofismáveis: falta maior controle sobre as condições das empresas aéreas que operam no Brasil e é notório o desvio ético da mídia na cobertura jornalística de acidentes.
A repetição, que pode não ser coincidência, de desastres ocorridos com empresas áreas em nosso país, muitos deles com vítimas fatais, tem estado associada a problemas que extrapolam a questões técnicas ou climáticas, como o mal funcionamento dos motores ou uma pane nos circuitos elétricos, a emergência de tempestades ou a vigência de temperaturas extremas. Assim, para tentar “adivinhar” os motivos pelos quais os aviões estejam caindo, a imprensa, sobretudo no caso da Voe Pass, levantou suspeitas sobre a manutenção inadequada das aeronaves, sobre o estresse dos pilotos, submetidos à sobrecarga de trabalho e muitos outros.
É preciso reconhecer que a tentativa de identificar as falhas que, porventura, possam ter provocado a queda de aviões, faz sentido, mas o que não pode ser aceito é que essa iniciativa seja deixada de lado assim que arrefece o interesse da opinião pública sobre os acidentes. Levantar suspeitas e não se aprofundar sobre o tema é típico de uma imprensa não investigativa e que, na prática, só se manifesta e formula hipóteses no calor da cobertura e que, depois disso, muda o disco e vai à procura de outra notícia.
Cunhei, há algum tempo, a expressão “síndrome da baleia encalhada” para caracterizar esta tendência da mídia que consiste em fazer barulho quando algo acontece, mas que não se aprofunda sobre as causas, porque, na prática, está atrás apenas de fatos bombásticos. A baleia encalha, muita gente se aglomera em volta dela, e, quando , por conta própria ou com a ajuda de voluntários, ela consegue voltar para o oceano, a cobertura correspondente também se encerra, sem que sejam analisados os motivos pelos quais a baleia foi parar ali. O importante para a mídia, pelo que sabemos, é que essa ocorrência gera boas fotos e bons vídeos que contribuem para ilustrar o noticiário.
No caso das aeronaves que voam por aqui, os acidentes têm se repetido com alguma regularidade. Em um período reduzido, inferior a uma semana, além da tragédia de Vinhedo, tivemos a queda de um avião de pequeno porte em Mato Grosso, que matou 5 pessoas, 3 da mesma família, e (coincidência?) um problema técnico com outro avião da Voe Pass, obrigado a abortar o voo e descer rapidamente em um aeroporto no meio da sua rota original*.
O que é preciso também é avaliar o comportamento da imprensa que, novamente, espetacularizou um acidente, com o intuito de aumentar a audiência, dedicando um espaço significativo para o caso, ainda que à custa de recursos que afrontam a ética. Ela não apenas manteve o tema no ar durante horas no dia da sua ocorrência, mas pelo menos nos 3 dias posteriores, expos as vítimas e as suas famílias, estimulando relatos pungentes, o que certamente contribuiu para aumentar a sua dor.
A proposta de tornar pública a tragédia humana que envolvia cada um dos passageiros precisava ter limites porque, caso contrário, serviu apenas para atrair a audiência e manter ativo o noticiário. Na maioria dos casos, o interesse jornalístico se sobrepôs ao respeito devido aos familiares que, certamente, teriam preferido o silêncio.
As redações precisam incorporar às diretrizes existentes sobre a cobertura de acidentes princípios éticos que priorizem o respeito aos sentimentos das pessoas envolvidas, mesmo que isso possa significar menor audiência.
Uma cobertura competente e responsável de desastres está respaldada na ética que não recomenda a exploração de pessoas em condição de vulnerabilidade, nem o bombardeio informativo que apenas mantém aceso e amplia o sofrimento humano., Nesse caso, julgamos que a decisão de transformar o acidente em um espetáculo midiático deveria ter merecido da mídia uma aterrisagem forçada e não contribuído para fazer decolar os sentimentos.
O gelo pode depositar na asa dos aviões, mas não na alma dos jornalistas que cobrem os desastres. Quando isso acontece, também estamos diante de um desastre na comunicação.
*Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/aviao-da-voepass-faz-pouso-em-uberlandia-mg-por-problema-tecnico/
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