O maior desastre climático no Estado do RS, ocorrido em 2024, atingiu mais de 2,4 milhões de pessoas, em 93% dos municípios gaúchos, resultando em 182 pessoas mortas em função das inundações, enchentes e deslizamentos de terra ocasionados pela chuva em excesso decorrente das mudanças climáticas. Dois meses depois, 31 pessoas seguem desaparecidas e centenas ainda estão em abrigos provisórios.*
De 2011 para cá, foram quase vinte tragédias climáticas no Brasil, resultando em 1.800 mortes. Não é novidade que eventos extremos serão cada vez mais frequentes daqui para frente e, por isso, é preciso que as organizações e o poder público estejam preparados para agir imediata e assertivamente. No contexto do RS, pôde ser observado atraso na emissão de alertas oficiais, falta de objetividade e clareza das advertências, emissão de informações desencontradas, além da disseminação de desinformação e falta de coordenação dos processos de gestão e da comunicação de risco e de crise.
Nessa direção, a fim de contribuir para a superação deste cenário, além de pensar em formas de, daqui para frente, aperfeiçoarmos a comunicação em contextos extremos, elencamos algumas orientações básicas para prevenção, mitigação, preparação, resposta, restabelecimento e recuperação em situações críticas e de desastres. A partir das sugestões abaixo, da experiência e de pesquisas científicas, é possível perceber que o momento em que é mais demandado esforço e energia é na fase da prevenção, mitigação e preparação, momento que histórica e sistematicamente são negligenciados no Brasil.
As orientações a seguir partem de uma perspectiva comunicacional e leva em conta uma visão interdisciplinar visto que a gestão de riscos e de crises é um processo complexo que necessita da atuação conjunta de diversas áreas especializadas. Tais sugestões são voltadas à população, às organizações públicas e privadas, governos e aos veículos de comunicação para ação em casos de tempestades, incêndios florestais, deslizamentos de encostas, tornados, ciclones, inundações e enchentes.
ORIENTAÇÕES:
PREVENÇÃO, MITIGAÇÃO E PREPARAÇÃO
– Monitoramento contínuo de situações de risco para identificação, mapeamento e acompanhamento em tempo real;
– Emissão de alertas em tempo hábil para que a população possa agir;
– Alertas precisam informar o que a população deve fazer (para onde ir e o que levar, por exemplo);
– Programas de educação nas escolas a fim de contribuir para a percepção de risco pelos estudantes, para a prevenção e o que fazer em cada potencial evento crítico;
– Projetos de educomunicação nas escolas visando à alfabetização midiática e informacional;
– Dispositivo público de referência que centralize informações e alertas (relativos ao clima e a outras áreas como saúde ou segurança pública);
– Profissionalização da área de gestão de risco e crise, com profissionais de carreira, de perfil técnico, competentes para atuar em contextos de risco e crise;
– Treinamento e capacitação (oficinas e cursos de formação) para diversos setores da sociedade visando ao desenvolvimento de habilidades e competências para lidar com situações de risco e de crise;
– Cooperação entre órgãos de Proteção e Defesa Civil nacionais, estaduais e municipais junto aos governos com Universidades e Institutos de Pesquisa;
– Órgão que centralize e coordene a integração dos esforços de diferentes frentes de atuação (a exemplo da FEMA nos EUA);
– Plano de contingência que considere diferentes cenários e delineie as ações de resposta em caso de emergência;
– Porta-vozes treinados para situações de crise, sejam eles prefeitos, secretários, assessores, governadores, Presidente da República, Ministros de Estado;
– Realização de simulados envolvendo a população ou grupos da comunidade que possam auxiliar em momentos-chave, e não apenas militares e outros servidores dos governos;
– Realização de campanhas informacionais permanentes sobre áreas de risco, mudanças climáticas, percepção de risco, alertas, segurança, etc.;
– Conselhos Municipais que realizem encontros periódicos com a participação da comunidade;
– Formação para jornalistas e inclusão das mudanças climáticas como pauta permanente e crítica na imprensa;
– Gabinete de Crise/Sala de Crise com atuação permanente e não apenas durante o evento extremo;
– Investimento financeiro, material e em pessoal para atuar exclusivamente em prevenção, mitigação e preparação;
– Moradores de cada região devem se cadastrar nos sistemas de alerta da Defesa Civil (SMS: enviar o CEP da localidade para 40199 por SMS, Telegram: pesquisar o contato Defesa Civil Alertas, Whatsapp: cadastrar o nº 6120344611 e interagir com o robô informando CEP);
– Além da emissão de alertas via dispositivos eletrônicos e/ou digitais, a comunicação precisa ser feita de forma offline também, através de líderes comunitários, sistemas de alto-falantes, sirenes, carros de som e rádio;
– Ao primeiro sinal de alerta, a população precisa ter em mãos um kit de emergência com itens de primeira necessidade, sobrevivência ou de importância para identificação.
RESPOSTA
– A população deve informar-se pelos canais de comunicação oficiais dos governos e de outros órgãos oficiais envolvidos (Defesa Civil, Bombeiros, INMET, Cemaden, empresas de distribuição de energia elétrica e água);
– Estar atento às notas e aos comunicados emitidos pela Sala de Situação e/ou Gabinete de Crise dos governos;
– Empresas devem adiar campanhas de comunicação de caráter mercadológico, pois nada é mais importante do que salvar vidas;
– Compartilhar alertas oficiais para que as pessoas saiam das áreas de risco a fim de diminuir o número de resgates e concentrar os esforços das equipes;
– A população deve evitar registrar e postar imagens em redes sociais digitais apenas por entretenimento ou em busca de seguidores e curtidas, principalmente se houver crianças e idosos nas fotografias e vídeos;
– Não compartilhar informações inverídicas, sem checagem e sem apuração;
– Disponibilização rápida de abrigos temporários e provisórios em local seguro e acessível para a população afetada;
– Garantia de dignidade para as pessoas atingidas (segurança, água potável, alimentação, banheiro, coberta), principalmente para crianças, mulheres, pessoas com deficiência e idosos;
– Não compartilhar informações que não contribuam para ajudar as vítimas e as equipes de resgate e assistência;
– Alertas de emergência devem ser veiculados imediatamente através de plantão de notícias televisivo em redes de TV aberta local e regional;
– Empresas devem usar seus perfis nas redes sociais digitais e seus contatos para amplificar o auxílio às vítimas;
– Veículos de comunicação devem, além da cobertura das consequências do ocorrido, relacionar com as mudanças climáticas e suas causas;
– A abordagem da mídia sobre o desastre deve ocorrer de forma responsável, evitando sensacionalismo, relativização ou espetacularização;
– Gestores de empresas, parlamentares e governantes precisam se posicionar publicamente diante do evento, tendo em vista a responsabilidade e o capital social inerentes aos cargos que ocupam;
– Influenciadores digitais e personalidades artísticas e esportivas podem contribuir para a disseminação responsável de informações relevantes tendo em vista a grande base de seguidores na ambiência da internet;
– Empresas devem realizar campanhas que tenham a finalidade de ajudar na situação crítica, dando visibilidade para a causa e não para marca/personalidade/instituição/ empresa/produto/serviço;
– A população deve buscar informar-se a partir de publicações de veículos de comunicação reconhecidos pela prática do Jornalismo (impresso, digital, radiofônico, televisivo);
– Os governos podem potencializar o uso de emissoras de Rádio, sistema de alto-falantes e carros de som nas ruas, se possível, como alternativa à internet e outros meios que necessitam de energia elétrica, a fim de realizar alertas e informes sobre a situação;
RESTABELECIMENTO e RECUPERAÇÃO
– Atuação conjunta de governos, órgãos governamentais, institutos de pesquisa, Universidades, empresas e ONGS;
– Fortalecimento da resiliência das cidades e da população por meio da avaliação do acontecimento, listagem de aprendizados e de medidas a serem tomadas com vistas à prevenção, mitigação, preparação e resposta para possíveis eventos climáticos extremos;
– População deve informar-se pelos canais oficiais de comunicação dos governos a fim de evitar cair em golpes de criminosos (informação de dados pessoais, depósitos em contas bancárias, entre outros);
– Parcerias público-privadas que auxiliem na reconstrução das cidades;
– Investimento público imediato em infraestrutura e reconstrução de curto, médio e longo prazos;
– Fortalecimento das instituições de resposta a desastres, a exemplo da Defesa Civil e dos Bombeiros;
– A partir dos acontecimentos e após o restabelecimento, verificar falhas a serem corrigidas e evitadas em eventos climáticos extremos futuros;
– Fiscalização do uso de recursos públicos, do trabalho de voluntários, da estrutura de abrigos e da atuação de agentes públicos neste momento;
– A mídia tem papel preponderante em potencializar e fortalecer a discussão sobre as mudanças climáticas (relacionando de forma complexa e crítica com as práticas de gestão pública, políticas públicas existentes ou não, cultura da prevenção), evitando relativização e esquecimento. Esta pauta é urgente e deve permear o debate de diversos assuntos, a exemplo de política, responsabilidade social e eleições;
– Assistência psicológica de curto a longo prazos para a população afetada pelo evento extremo;
– A comunicação institucional dos governos e órgãos competentes da área em questão devem realizar um processo de fortalecimento da área a fim de gerar confiança da população e ser/tornar-se canal de referência para informações de utilidade pública.
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*Fonte: Defesa Civil – números do último balanço das enchentes (08/07/2024). Disponível em: https://www.defesacivil.rs.gov.br/defesa-civil-atualiza-balanco-das-enchentes-no-rs-08-7
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