Inquérito do MPF apura responsabilidades do Banco do Brasil no período da escravidão. A partir de pedido feito por grupos de pesquisadores, a ação civil pública solicita esclarecimentos pela participação do Banco do Brasil no crime de escravidão e exige ações propositivas de reparação histórica.
Nos últimos meses, a presidência do Banco do Brasil tem sido intimada pelo Ministério Público Federal (MPF) a dar explicações sobre a real participação da instituição no período escravocrata brasileiro. Isso acontece devido à instauração de um inquérito civil[1] que, segundo o MPF, visa apurar as responsabilidades e a participação do Banco do Brasil na escravidão e no tráfico de pessoas negras no século 19. Dentre outras coisas, a ação tem como objetivo promover a reflexão sobre o tema de modo a assegurar que crimes contra a humanidade como esse jamais se repitam, além de garantir mecanismos de reparação com um olhar voltado para o presente e o futuro, em uma discussão sobre memória, verdade e justiça. “Revisitar a escravidão implica desnaturalizar a forma como tratamos o papel das instituições e de pessoas que se constituíram e enriqueceram a custa dessa mancha em nossa história” pontua o inquérito da MPF.
Esse inquérito não é inédito no mundo e vem na esteira de movimentos semelhantes que estão acontecendo nos últimos anos em diferentes países e que visam a reparação histórica por grandes instituições que estiveram envolvidas na escravidão. É o caso, por exemplo, de intimações direcionadas ao Bank of England, na Inglaterra, e às universidades Harvard e Brown University, nos Estados Unidos, que foram acionadas para reconhecer suas responsabilidades no período da escravidão (Veja mais[2]).
O inquérito foi instaurado pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro (PRDC/RJ) após uma manifestação apresentada por um grupo de 15 professores e universitários, oriundos de diversas universidades brasileiras e estrangeiras, que realizaram uma pesquisa que aponta para a negação e o silêncio sobre a participação de instituições brasileiras na escravização de pessoas, particularmente, neste caso, da instituição Banco do Brasil.
Os historiadores apuraram que havia uma relação de “mão dupla” da instituição financeira com a economia escravista da época, que se revelava no quadro de sócios e na diretoria do banco, formados em boa parte por pessoas ligadas ao comércio clandestino de africanos e à escravidão. Com isso, o banco se valeu de recursos oriundos da arrecadação de impostos sobre embarcações dedicadas ao tráfico de pessoas escravizadas. O despacho assinado pelos procuradores Jaime Mitropoulos, Julio José Araujo Junior e Aline Caixeta, dava prazo de 20 dias para que o banco apresentasse suas considerações sobre a pesquisa que subsidiou a investigação; informações sobre traficantes de pessoas escravizadas e a relação delas com o banco; informações sobre financiamentos realizados pelo Banco do Brasil e relação com a escravidão. O MPF solicitou também informações sobre iniciativas do banco com fins de reparação histórica em relação a esses grupos que foram minorizados, além de reunião com a presidência da instituição[3].
Em nota, o Banco do Brasil afirma estar à disposição do MPF “para continuar protagonizando e envolver toda a sociedade na busca pela aceleração do processo de reparação”. A nota diz ainda que a história do país e suas relações com a escravidão das comunidades negras precisam ser um processo de reflexão permanente. “Em relação à reparação histórica, o BB entende que essa é uma responsabilidade de toda a sociedade” afirma. Segundo a própria instituição, o BB tem sido uma das empresas brasileiras que mais tem contribuído nesse sentido, citando ações relacionadas, como a assinatura de um protocolo de Intenções com o Ministério da Igualdade Racial, que visa unir esforços em ações direcionadas à superação da discriminação racial, à inclusão e à valorização das mulheres negras.
O banco pontua também ter se tornado, em agosto deste ano, embaixador de três importantes movimentos de direitos humanos da Rede Brasil do Pacto Global das Nações Unidas: “Elas lideras 2030”, “Raça é Prioridade” e “Salário Digno”, que buscam mobilizar empresas para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Em outro posicionamento, publicado em outubro deste ano[4], o “BB destaca – com veemência – que lamenta profundamente esse infeliz capítulo da história da humanidade e da nossa sociedade, com efeitos de um triste legado até os dias atuais. A escravização por centenas de anos causou danos irreversíveis às pessoas escravizadas à época e aos seus descendentes; portanto é um momento da história que deve ser lembrado e discutido”. A nota afirma também que a instituição valoriza o trabalho de historiadores, mantendo um Museu aberto ao público, com seu Arquivo Histórico disponível para pesquisas, no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. “O Banco considera que os debates sobre a escravidão, para serem efetivos e ganharem a dimensão merecida, devem envolver toda a sociedade brasileira atual, devendo as instituições do presente compartilhar iniciativas que contribuam para a construção de um país com cada vez mais justiça social. Da mesma forma, é importante que se tenha uma leitura mais completa da realidade da época, com a devida consideração do contexto histórico, social, econômico, jurídico e cultural do período em que se desdobrou a escravidão”, pontua a nota. Nesse caso, o BB sugere que podem ter feito parte do seu quadro acionário abolicionistas de destaque no cenário nacional. Entre os citados estão Rodrigo Augusto da Silva, autor da Lei Áurea, e Affonso Pena, ex-presidente da República e do próprio banco.
Ademais, o posicionamento enumera iniciativas realizadas pelo Banco do Brasil na busca por equidade racial, como acordos com diferentes entidades e compromissos de inclusão na própria instituição.
Recentemente, em novembro deste ano, o Banco do Brasil anunciou[5] uma série de ações para promover a igualdade étnico-racial e combater o racismo estrutural no país. Dentre elas, cita: a inclusão de cláusulas de fomento à diversidade em contratos com fornecedores; parcerias para o encaminhamento de jovens egressos de seu programa Menor Aprendiz do BB para o mercado de trabalho; realização de workshops sobre a promoção da diversidade, equidade e inclusão com estatais e fornecedores; investimentos em pesquisas aplicadas à temática racial e que apresentem mecanismos de aceleração de representatividade e combate à discriminação no Brasil; Programa de Aceleração “Raça é Prioridade” que visa selecionar e desenvolver a carreira de funcionários pretos e pardos do BB, além de Programa de Mentoria em Liderança Negra.
Para Tarciana Medeiros, primeira mulher negra a presidir o Banco do Brasil, “direta ou indiretamente, toda a sociedade brasileira deveria pedir desculpas ao povo negro por algum tipo de participação naquele momento triste da história. Neste contexto, o Banco do Brasil de hoje pede perdão ao povo negro pelas suas versões predecessoras e trabalha intensamente para enfrentar o racismo estrutural no país”, afirma.
Segundo informações apuradas pela Agência Brasil[6], embora a ação contra o Banco do Brasil ainda não tenha uma conclusão, o MPF já fez encontros com setores da sociedade civil organizada, notadamente ativistas do movimento negro, para buscar ideias de reparação a serem oferecidas pelo banco à população afrodescendente. “Essa é uma questão que não é o MPF que vai monopolizar. Esse é um tema para discutir com toda a sociedade”, afirma o procurador da República Julio José Araujo Junior.
Referências
[1] https://www.mpf.mp.br/rj/sala-de-imprensa/docs/pr-rj/despacho-ic-banco-do-brasil-escravidao
[2] https://www.mpf.mp.br/rj/sala-de-imprensa/noticias-rj/mpf-instaura-inquerito-para-apurar-responsabilidades-do-banco-do-brasil-no-trafico-de-pessoas-negras-escravizadas-3
[3] Veja mais sobre a denúncia do MPF: https://www.youtube.com/watch?v=uW5cZjdyHfM
[4] https://www.bb.com.br/pbb/pagina-inicial/imprensa/n/67675/posicionamento
[5] https://static.poder360.com.br/2023/11/imprensa-bb-nota-povo-negro.pdf
[6] https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-11/banco-do-brasil-recebe-estudo-que-mostra-apoio-do-banco-escravidao