O final do mês de outubro de 2023 será lembrado com tristeza por centenas de funcionários da General Motors (GM) que, sem qualquer aviso prévio, receberam em sua casa, por telegrama, a notícia de que estavam demitidos. Segundo os sindicatos de metalúrgicos que atuam em São Paulo, a empresa realizou no total mais de mil cortes nas fábricas de São José dos Campos, São Caetano do Sul e Mogi das Cruzes.
A demissão de funcionários, em tempos bicudos, não representa novidade, particularmente quando praticada por empresas (infelizmente, elas constituem parcela significativa do mercado brasileiro) que tentam reequilibrar suas finanças a partir da redução de seus quadros. Neste sentido, a GM não inovou, mas, e sempre tem um “mas”, a tradicional montadora incorporou a esse processo, que já é dolorido para aqueles que dele participam (na verdade, são alvo!), uma atitude absolutamente condenável: sem comunicar nada a ninguém, despediu os seus “valiosos colaboradores” pelo correio.
Embora houvesse um acordo coletivo firmado com os sindicatos, assegurando a estabilidade e a volta dos funcionários (que cumpriam “lay off” em casa) em dezembro, ele foi quebrado, unilateralmente, pela empresa.
O setor de Gestão de Pessoas da GM (na prática, ao que parece, os seus trabalhadores são percebidos não como pessoas, mas como “mão de obra”) não hesitou em contrariar os princípios básicos do relacionamento de uma empresa com os seus funcionários e tomou, na calada da noite, a decisão mais prática e mais desumana.
Segundo os sindicatos, até grávidas entraram nessa lista de demissões, o que comprova que, sem critério algum, a GM fez o que era sua intenção: reduzir os quadros de maneira intempestiva e truculenta.
A reação, evidentemente, não poderia ser outra: os funcionários entraram em greve, realizaram protestos nas portas das fábricas, e, numa sociedade conectada como a nossa, a repercussão veio a galope, aliás em alta velocidade: o fato ganhou grande destaque na mídia e expôs, cruamente, a tenebrosa política de “gestão de pessoas” de uma montadora que lucra, e muito, com a venda de seus automóveis.
A medida condenável da GM passou a frequentar, com intensidade, a grande imprensa, mas também as mídias sociais que ecoaram, em alto e bom som, a atitude da montadora que, de maneira hipócrita, em eventos e na sua comunicação institucional, proclama o seu compromisso com a responsabilidade social.
É importante destacar também a postura da empresa que, avessa ao diálogo e à transparência que devem caracterizar uma organização moderna, tirou do ar, inclusive, a página do seu portal – Trabalhe Conosco- utilizada para atrair possíveis interessados em trabalhar na GM. Ao tentar acessá-la, na manhã do dia 26 de outubro, ela apresentou o erro 404, que significa “página não encontrada”.
De forma também hipócrita, ainda no seu portal, mais precisamente no menu Instituto GM, declara que” Somos parte de uma indústria que conhece e acredita em grandes mudanças. Trabalhamos em prol da transformação social investindo em quem move o mundo: as pessoas. Para nós do Instituto GM, o crescimento precisa vir acompanhado de um desenvolvimento econômico e social que gere impactos positivos no país.”
A GM merece a crise de imagem e reputação que ela mesmo cultivou e integra, mais uma vez, de forma emblemática, o universo de empresas que adotam um discurso que afronta escandalosamente a sua prática.
A saída adotada pela GM para “equilibrar as suas finanças” faz parte de uma ultrapassada política de gestão de pessoas, que deve ser repudiada por profissionais, entidades e trabalhadores em geral.
O telegrama que traz péssimas notícias retornou para o remetente, a General Motors, em alta velocidade. Sua atitude derrapou na pista e o choque na reputação foi inevitável. Infelizmente para ela, não há seguradora que cubra esses danos, Deu PT, como dizem os motoristas: perda total.
Por Wilson da Costa Bueno (Doutor em Comunicação/Jornalismo, Professor sênior da USP, Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa)