Por Valdeci Verdelho (Jornalista, fundador da Verdelho Comunicação, especialista em gestão de crise)
Crises sempre nos ensinam alguma coisa. O ataque do Hamas a Israel não é diferente. A forma como o país foi surpreendido pela ofensiva terrorista expôs falhas do seu onipotente serviço de inteligência. O que podemos aprender com elas para gestão de crises?
Israel construiu a imagem de possuir o serviço de inteligência mais admirado, respeitado e temido do mundo. De repente, o país foi surpreendido pelo ataque sem precedentes de um inimigo conhecido. A reputação de onipotência do serviço de inteligência foi manchada e o governo tem de administrar uma tragédia internacional que o jornal francês Le Monde chamou de o “11 de setembro de Israel”.
Um ataque como o que foi feito pelo grupo Hamas contra Israel na madrugada de 7 de outubro, incluindo ofensiva por ar, terra e mar, exige um longo planejamento, envolve várias frentes de treinamento, exercícios militares e especialistas em diversas áreas como, por exemplo, explosivos, telecomunicações, logística, suprimentos. Apesar disso, o Hamas conseguiu levar a operação sigilosamente até o fim, sem que o serviço de inteligência de Israel detectasse a ameaça. Dessa forma, Israel foi pego de surpresa, sem dispor de um plano para evitar a situação ou mitigar os danos, que começaram com centenas de pessoas assassinadas no seu território.
Mais uma vez a história mostra que sistemas de segurança fracassam, que nem sempre as coisas funcionam como deveriam, e daí surgem as crises, sejam em países ou em empresas. O ataque terrorista do Hamas a Israel na semana passada, a invasão ao Capitólio dos Estados Unidos, em janeiro de 2021, o rombo financeiro das Lojas Americanas ou a prática análoga à escravidão nas vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton, no início deste ano, podem ter motivações bem diferentes, mas o que contribuiu para que ocorressem foram falhas, omissões, desvios de conduta, negligência, enfim, tudo que se recomenda evitar no gerenciamento de crise.
De acordo com especialistas, serviços de inteligência costumam errar por falta de compartilhamento de informações; viés e preconceitos que impedem análise acurada, geram interpretações viciadas e distorcem percepções; presunção de invulnerabilidade; desqualificação dos riscos, superestimação da própria capacidade ou recursos; cultura complacente que inibe questionamentos.
Será que isto acontece, também, nas empresas?
Crises sempre oferecem oportunidades de aprendizado. No caso do ataque do Hamas ao território israelense, a lição número um, apesar de uma obviedade a qual muitos executivos ainda resistem, é: ninguém está imune a crises. Elas acontecem, às vezes inesperadamente, inclusive para os mais poderosos ou os mais admirados. Neste exato momento tem alguém em alguma organização, grande ou pequena, em algum lugar do mundo enfrentando ameaças ou danos à reputação
A segunda lição é: histórico de competência e imagem de sucesso não representam, necessariamente, invulnerabilidade ou infalibilidade eternas. Ao contrário, podem gerar excesso de confiança e até arrogância, criando algum tipo de cegueira que contribui para falhas, impede compreensão da realidade e conduz a erros. Uma das perguntas que os especialistas em segurança têm feito é: como foi possível o Hamas montar um aparato terrorista em solo israelense sem ser detectado ou detido? Mesmo com todo o prestígio internacional alcançado com mais de sete décadas de atividades, o serviço de inteligência de Israel mostrou-se vulnerável
Finalmente, este fracasso deixa como aprendizado a necessidade de revisão, atualização e aprimoramento contínuos do gerenciamento de crise. Isto deve incluir os sistemas de apuração e análise das informações, o monitoramento das partes interessadas sem preconceitos ou vícios internos, a avaliação de cenários e ameaças sem presunção, a compreensão de realidades cada vez mais complexas, a humildade para reconhecer as outras forças, e a determinação para corrigir rumo quando necessário.
Este aprendizado é importante porque poucas empresas fazem isso regularmente de forma efetiva. Muitas limitam-se a ter algum manual de crise guardado (às vezes não se sabe onde) como um amuleto ao qual atribuem o poder de proteção para salvar a reputação. Outras, ainda pior, ignoram completamente o gerenciamento de crise na sua estratégia de negócio.
Com foco exclusivamente em gestão de crises, quais seriam as outras oportunidades de aprendizado a partir deste caso? Quais as falhas mais comuns das organizações que podem levá-las a um “11 de setembro”?
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