Por Wilson da Costa Bueno (Jornalista, Professor sênior da ECA/USP e diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa)
Não há dúvida de que atravessamos, ostensivamente, a civilização da imagem, com a difusão abusiva de fotos, vídeos ou infográficos, utilizados, quase sempre, para ilustrar textos, expor ideias ou para sintetizar pensamentos e posições.
É sabido que o uso destes recursos contribui para chamar a atenção da audiência e, em consequência, para destacar as nossas informações em meio a uma vertiginosa avalanche de notícias e posts que circulam pela rede.
O problema é que, em muitos casos, desavisadamente, gestores de conteúdos, sejam eles jornalísticos ou não, lançam mão de fotos, vídeos ou ilustrações sem o devido cuidado, acarretando, por parte dos leitores ou internautas, interpretações controversas, com efeitos negativos para aqueles que os produzem e os disseminam.
Dentre as inúmeras situações que documentam este uso inadequado, podemos destacar um caso recente, que envolveu o jornal O Estado de S. Paulo, ao noticiar um fato dramático ocorrido no estado do Espírito Santo.
Um jovem, de 16 anos, branco, filho de um policial militar, no dia 25 de novembro de 2022, invadiu duas escolas, uma estadual e outra privada, na cidade de Aracruz, deixando 3 pessoas mortas (duas professoras e uma aluna) e mais de uma dezena de feridos. Para tanto, o assassino utilizou duas pistolas de seu pai e, como motivação, além de óbvia perturbação mental, mencionou a existência de desavenças na escola pública que havia frequentado.
O episódio teve ampla repercussão na mídia tradicional e nas mídias sociais, mesmo porque estas situações não são comuns na realidade brasileira, embora se repitam, com razoável frequência em outros países, como, por exemplo, nos EUA, onde o acesso às armas é absurdamente liberado.
Os veículos que divulgaram o fato recorreram, como é de costume, a fotos e vídeos reais da tragédia, particularmente aqueles que traziam a presença do jovem na cena do crime.
O Estado de S. Paulo, no entanto, por desatenção ou incúria de um (a) jornalista, noticiou o fato no Twitter, no dia 26 de novembro, às 13h52, ilustrando-o com uma mão negra segurando a arma. Como, na verdade, o assassino era um homem branco, a reação da opinião pública foi imediata. As mídias sociais, ao identificarem o lamentável equívoco, denunciaram, ruidosamente, a falha do jornal, associando-a ao indiscutível preconceito estrutural contra negros em nosso país.
Autoridades e cidadãos comuns estiveram presentes na web comentando a falha. Marina Silva, ministra do meio ambiente e deputada federal, publicou tweet afirmando que “o racismo está tão incrustado em nossa sociedade que mesmo quando um branco comete crime atroz, como o de Aracruz (ES), usa-se a pele negra para representar o ato violento”. Fernando Haddad, atual ministro da Fazenda, também escreveu: “Não, não era uma mão negra que empunhava a arma que matou professoras e alunas (…) Há muitas maneiras de contar uma mentira”. André Janones, político e influenciador digital, que atuou de forma contundente durante a campanha eleitoral de Lula, não perdoou: “Um branco, nazista, invade uma escola e mata três pessoas, sob a influência do pai, um policial bolsonarista, e a matéria do Estadão coloca a mão de um negro, segurando a arma. O racismo no Brasil é estrutural, e é uma desgraça”.
O jornal O Estado de S. Paulo acusou a revolta dos cidadãos na rede e retificou a publicação, corrigindo-a com uma foto do verdadeiro assassino, empunhando a arma. O veículo escreveu, no mesmo dia, no seu perfil oficial do Twitter: “Uma versão anterior deste post usou uma imagem inadequada para ilustrar a reportagem. Alertados por nossos leitores, trocamos a foto, corrigindo o erro.”
O estrago à imagem do veículo, porém, já estava feito e o equívoco tem sido destacado como preconceito e desrespeito à verdade. Muitos generalizaram o ocorrido, creditando-o à falta de atenção, ao preconceito e à ausência de profissionalismo da imprensa brasileira.
Utilizar imagens que não estão devidamente articuladas com os fatos expostos, e que podem inclusive afrontá-los, não é novidade e este fato pode ocorrer novamente.
Posso citar um caso, pessoalmente dramático que me envolveu há alguns anos. Em novembro de 2010, o jornalista e escritor Wilson Bueno foi assassinado no Paraná e vários veículos de imprensa, como a UOL, a Band News e a TV Gazeta, publicaram o fato, ilustrando-o, porém, com a minha foto, extraída do Google. Inúmeros familiares e amigos acreditaram na notícia porque, pela proximidade do meu perfil com o do escritor paranaense (morei em Londrina e meu registro profissional é do Paraná) e pela evidência da(s) foto(s) publicada(s), a leitura equivocada foi imediata. Após a triste surpresa, recuperei-me rapidamente, e busquei informar os amigos, desmentindo o fato. Publiquei também, jocosamente, texto no Portal Imprensa, com o seguinte título: “Digam para a Band News, TV Gazeta e UOL que eu não morri!”. (https://portalimprensa.com.br/noticias/wilson+da+costa+bueno/678/digam+para+a+band+news+tv+gazeta+e+uol+que+eu+nao+morri).
A civilização da imagem pode pregar muitas peças (e sustos) para produtores e pessoas, sobretudo quando profissionais da imprensa, pela ânsia de ilustrar os seus textos e matérias, se mostram descuidados e não medem as consequências de suas ações apressadas. A credibilidade da imprensa e dos jornalistas exige, como podemos concluir, “muito cuidado nessa hora”.
Artigos assinados expressam a opinião de seus autores.