Estudos mostram que os jovens da geração atual têm deixado as bebidas alcoólicas de lado e recorrido a medicamentos, sem indicação, para lidarem com as tensões da vida. O uso recreativo de medicamentos, conhecido como fármaco-recreação, tem se tornado uma tendência entre os jovens nascidos após a década de 1990. Em 2021, o consumo abusivo de álcool entre brasileiros de 18 a 24 anos caiu para 19%, o menor patamar desde 2015, segundo o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa). Essa mudança de comportamento é o reflexo direto da personalidade da nova geração.
O zolpidem e o clonazepam (Rivotril) são fármacos hipnóticos e sedativos que são adquiridos muitas vezes sem um diagnóstico preciso, sendo de fácil acesso, principalmente com o objetivo de aumentar a concentração, controlar a ansiedade e moderar o humor. Outros medicamentos como os analgésicos opioides morfina, codeína, oxicodona e fentanil, que é o opioide mais potente que existe, ganharam espaço e vêm sendo consumidos constantemente. O uso recreativo se estende a outros medicamentos, como é o caso do metilfenidato e da lisdexanfetamina, que são utilizados para melhorar foco e concentração.
O zolpidem é um fármaco hipnótico, de rápida ação e curta meia-vida, com eficácia no tratamento dos distúrbios de ansiedade. Já os benzodiazepínicos, como o clonazepam, constituem um grupo de fármacos altamente prescritos na clínica médica geral, junto aos antidepressivos, com propriedades ansiolíticas, sedativas, anticonvulsivantes e relaxantes musculares de rápida ação. O consumo do zolpidem e do clonazepam é comum e infelizmente de fácil acesso, podendo causar dependência entre os jovens, a partir da sua interrupção abrupta, vindo à tona a sensação de ressaca após o efeito do medicamento no organismo. Além disso, esses medicamentos podem causar tolerância, visto que são remédios controlados e a sua administração recorrente é responsável por viciar o organismo, fazendo com que a pessoa tenha que administrar doses cada vez maiores para alcançar o mesmo efeito.
Já em relação aos analgésicos opioides, que são medicamentos utilizados para tratar a dor, estudos mostram que, basicamente, há duas fontes para conseguir adquirir o medicamento. Uma é o paciente que já busca recreativamente o uso de opioides para ter algum prazer, e a outra, que tem sido a maioria até então, são pacientes que tiveram dor, fizeram o uso prescrito por um médico e desenvolveram dependência. Infelizmente, os opioides são utilizados no preparo de outras drogas, como cocaína, para potencializar o efeito, podendo ocasionar o efeito zumbi, que foi relatado nas notícias nos EUA e atualmente no Brasil. Nos EUA, só esse ano, foi declarado que mais de 100 mil pessoas morreram por overdose no país, segundo o Departamento de Saúde Norte-Americano. O mais preocupante é que 60% dessas mortes foram causadas pela mesma droga, o fentanil.
Fármacos como o metilfenidato (Ritalina) e a lisdexanfetamina (Venvanse), que são indicados para o tratamento do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), também são alvos da fármaco-recreação. Jovens que sentem qualquer sinal de problema de aprendizagem buscam clandestinamente por esses medicamentos para aumentar o foco ou pedem para o médico receitar o medicamento sem um diagnóstico. O psiquiatra Nelson Antônio, mestre pela Santa Casa de São Paulo e especialista em Dependência Química pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica em uma entrevista que o diagnóstico de TDAH é muito desafiador e, por não haver um teste específico, depende de uma avaliação rigorosa do médico. “Não podemos pular etapas em busca de resultados imediatos”. Afirmando que a dificuldade de aprendizagem pode ser gerada por conta de outro problema.
A tendência crescente entre os jovens de substituir bebidas alcoólicas por medicamentos sem prescrição para lidar com o estresse, as tensões da vida moderna e a fuga do foco revela um comportamento preocupante. Esses medicamentos, apesar de eficazes no tratamento de distúrbios de ansiedade e outros problemas médicos, possuem um alto potencial de dependência e tolerância, o que pode levar ao uso abusivo e à necessidade de doses cada vez maiores para alcançar os mesmos efeitos. Portanto, é crucial promover uma maior conscientização sobre os riscos associados ao uso recreativo de medicamentos e incentivar abordagens mais seguras e saudáveis para lidar com o estresse e as dificuldades da vida. A intervenção precoce e a educação sobre os perigos da automedicação podem ajudar a minimizar os impactos negativos dessa tendência e promover o bem-estar entre os jovens.
Referências Bibliográficas:
BAANDRUP L et al. Pharmacological interventions for benzodiazepine discontinuation in chronic benzodiazepine users. Cochrane Database Syst Rev. v. 3, n.3 p. 1-159. 2018 Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6513394
MATSUSHITA, ANDREIA MIEKO. Caracterização de usuários de benzodiazepínicos na assistência ambulatorial no SUS Diadema. Trabalho de conclusão de curso de graduação. UNIFESP, 2018. Disponível em: https://repositorio.unifesp.br/items/239b51da-4531-4548-85a4-d0294a3ae717
PROFISSÃO REPÓRTER. G1 globo.com Disponível em: https://g1.globo.com/profissao-reporter/noticia/2023/10/25/morfina-codeina-oxicodona-fentanil-entenda-por-que-o-uso-recreativo-de-opioides-preocupa-especialistas-em-todo-mundo.ghtml
BERSCH, et al. Uso recreativo de los medicamentos: una realidad entre los adolescentes. EMERGENCIAS Pediátricas. V. 1, n. 3, 2022. Disponível em: https://seup.org/wp-content/uploads/2023/02/EmergPediatr_1-3.pdf
Autora:
Graziela Moro Meira
Acadêmica do curso de graduação de Farmácia, aluna de Iniciação Científica no Laboratório de Biogenômica – Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9393790545039879