“Evite beber água gelada, minha filha!” “Feche a janela, esse vento nas costas vai te deixar resfriado!” “Agasalhe bem essa criança, ela pode pegar uma gripe!” “Não ande descalço no chão frio, vai ficar doente!”
Todo mundo já ouviu uma advertência da mãe ou da avó sobre cuidar com a friagem para não ficar gripado. Mas afinal, será que o frio é o grande causador das gripes e resfriados?
Isso não é exatamente verdade. Entretanto, embora o frio não seja o responsável por causar diretamente as doenças, ele pode influenciar na sua propagação. Para discutirmos sobre esse assunto, é fundamental compreendermos as definições de gripe e resfriado.
A gripe é uma doença viral altamente contagiosa, causada pelo vírus influenza. A transmissão ocorre principalmente através de gotículas respiratórias que são liberadas quando uma pessoa infectada tosse, espirra ou fala. Essas gotículas podem conter o vírus e infectar outras pessoas que estejam próximas o suficiente para inalá-las ou tocá-las em superfícies próximas.
Frequentemente, confundimos a gripe com o resfriado devido à semelhança dos sintomas, que podem incluir tosse, dor de garganta e nariz entupido. As principais diferenças entre gripe e resfriado estão no tipo de vírus e na intensidade dos sintomas que esses vilões causam no nosso organismo. Enquanto nos resfriados a sintomatologia é mais leve e, geralmente, o agente causador é o rinovírus, na gripe percebemos um quadro mais intenso, com episódios de febre alta, calafrios, dores pelo corpo, dor de cabeça, cansaço e até alguns sintomas gastrointestinais, como vômitos e diarreia – são aqueles sintomas que “derrubam” a gente.
Mas então, se a gripe é uma doença provocada por um vírus e sem ele não há sintomas, por que no clima frio temos a impressão de que as pessoas ficam mais gripadas?
No inverno, a incidência de gripe tende a aumentar devido a uma combinação de diversos fatores que favorecem a propagação do vírus influenza. As condições climáticas desempenham um papel importante, já que as baixas temperaturas e a menor umidade relativa do ar criam um ambiente ideal para que o vírus sobreviva por mais tempo fora do corpo humano: estudos indicam que o vírus pode ser mais estável e manter sua capacidade infecciosa por mais tempo em superfícies frias e secas, o que facilita a sua transmissão. Além disso, durante os meses mais frios, as pessoas tendem a passar mais tempo em ambientes fechados e menos ventilados. Essa proximidade aumenta as chances de transmissão do vírus através de gotículas respiratórias, especialmente em locais onde há um grande número de pessoas aglomeradas.
Outro fator importante está relacionado a nossa imunidade sazonal. A cada ano e a cada temporada de gripe, novos tipos do vírus podem aparecer devido a sua alta capacidade de sofrer mutações. Isso quer dizer que a proteção que ganhamos de uma gripe passada ou de uma vacina pode não ser tão eficaz contra os novos tipos do vírus, necessitando da vacinação anual para ajudar o nosso corpo a combater uma possível infecção.
Sabemos, ainda, que o frio pode exacerbar outros problemas respiratórios, como as rinossinusites e as rinites não alérgicas. O tempo frio tende a ressecar as membranas mucosas do trato respiratório (nariz, garganta), facilitando a proliferação de microrganismos e causando um processo inflamatório que pode provocar sintomas semelhantes à gripe, como tosse, nariz entupido e espirros. A rinite não alérgica induzida pelo frio, conhecida como rinite vasomotora (por ser uma espécie de resposta exagerada dos vasos sanguíneos do nariz), também causa alguns sintomas parecidos, fazendo com que as pessoas se confundam e relacionem essa sintomatologia somente com gripes e resfriados – o que colabora para causar a impressão de que estamos cercados de pessoas “gripadas” no inverno.
Com isso, o que concluímos é que o vento nas costas e o sereno de uma noite de inverno não são os responsáveis por causar gripe, mas isso não tira a razão das nossas mães e avós, pois agora sabemos que a transmissão do vírus é facilitada quando as temperaturas estão mais baixas. Por esses motivos, é importante tomar medidas preventivas durante o inverno, como lavar as mãos com frequência, cobrir a boca ao tossir ou espirrar, evitar ficar muito próximo de pessoas doentes, e, se possível, vacinar-se contra a gripe todos os anos. Além disso, é importante manter uma alimentação balanceada, rica em frutas, verduras e proteínas, com uma boa ingestão diária de água. Essas são práticas fundamentais para reduzir a propagação do vírus e manter um sistema imunológico forte e funcional, independente das variações de temperatura.
Referências Bibliográficas:
1. Richards, Libby. “Will going out in the cold give you a cold?”. The Conversation, 2020. Disponível em: https://theconversation.com/will-going-out-in-the-cold-give-you-a-cold-151910
2. Lowen, Anice. C.; Steel, J. “Roles of Humidity and Temperature in Shaping Influenza Seasonality”. Journal of Virology, v. 88, n. 14, p. 7692–7695, 15 jul. 2014. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4097773/#B7
3. Varella, Drauzio. “Mito Ou Verdade: Ficamos Mais Doentes Quando Esfria? Portal Drauzio Varella”. Portal Drauzio Varella, Junho de 2024. Disponível em: https://drauziovarella.uol.com.br/imunologia/mito-ou-verdade-ficamos-mais-doentes-quando-esfria/amp/
4. Ministério da Saúde. “Gripe (Influenza)”. Ministério da Saúde, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/g/gripe-influenza
Autora:
Julia Piton
Acadêmica do Curso de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM) e colaboradora do Portal Ciência e Consciência.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7318426348944373