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Educação popular e ódio à democracia



 

Nos dias 16 e 17 de janeiro, educadores e educadoras do Pré-Universitário Popular reuniram-se para discutir o ódio à democracia e suas consequências na contemporaneidade. O evento contou, na segunda, com a presença do professor Ascísio Reis Pereira, Pró-reitor Adjunto de Extensão e coordenador pedagógico do Pré-Universitário Popular Alternativa. Professor Ascísio assinalou que o ódio à democracia atua de forma global e que as formas viáveis de combatê-lo é por meio de ações locais e alternativas. Além disso, frizou sobre a união entre política e religião, união essa que tem permitido a insurgência de ódio às diferenças sociais. 

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 Foto: Anderson Proença de Andrade

 

Nenhum reivindica uma democracia mais real. Ao contrário, todos dizem que ela já real demais. Nenhum se queixa das instituições que dizem encarnar o  poder do povo nem propõe medidas para restringir esse poder. […] É do povo e de seus costumes que eles se queixam, não das instituições do seu poder. Para eles, a democracia não é uma forma de governo corrompido, mas uma crise da civilização que afeta a sociedade e o Estado através dela. […] Nós nos acostumamos a ouvir que a democracia era o pior dos governos, com exceção de todos os outros. Mas o novo sentimento antidemocrático traz uma versão mais perturbadora da fórmula.  O governo democrático, diz, é mau quando se deixa corromper pela sociedade democrática que quer que todos sejam iguais e que todas as diferenças sejam respeitadas. Em compensação, é bom quando mobiliza os indivíduos apáticos da sociedade democrática para a energia da guerra em defesa dos valores da civilização, aqueles da luta das civilizações. O novo ódio à democracia pode ser resumido então em uma tese simples: só existe uma democracia boa, a que reprime a catástrofe da civilização democrática.

                                                                                    [Jacques Rancière, filósofo francês, em O ódio à democracia]

 

 

Na terça, os educadores e educadoras debateram sobre ações que o projeto pode viabilizar, a fim de combater opressões e discriminações locais. A defesa de direitos LGBT, de direitos dos negros, das mulheres e periféricos urbanos é uma forma de micropolítica que resiste ao revanchismo do fascismo na sociedade contemporânea. Isso porque, numa perspectiva freiriana, as ideologias de resistência são gestadas devido a existência de ideologias discriminatórias, e não o contrário. A fim, de complexizar a discussão, os educadores e educadoras também fizeram leituras dos contos Nova Iorque, Rush e Deus é bom nº8, do ficionista André Sant’Anna. Os contos, os leitores podem conferir aqui no site, na seção Leituras de Ficção contemporânea

 

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  Foto: Anderson Proença de Andrade

Nos últimos anos, o Brasil se tornou um exemplo de inclusão social, com dezenas de pessoas saindo da pobreza e da miséria para terem uma vida melhor. Em que pese a inclusão ter ocorrido sobretudo pelo consumo – mais que pela educação –, ela mudou o país. Hoje, ninguém disputa o Poder Executivo atacando os programas de inclusão social. Eles se tornaram um consenso junto à grande maioria dos eleitores. Entretanto, um número expressivo de membros da classe média os desqualifica, alegando diversos pretextos. Para eles, o Brasil era bom quando pertencia a poucos. Assim, quando os ‘polloi’ – a multidão – ocupam os espaços antes reservados às pessoas de “boa aparência”, uma gritaria se alastra em sinal de protesto. O que é isso senão o enorme mal-estar dos privilegiados quando se expande a democracia? Democracia é hoje um significante poderoso, palavra bem-vista e que agrega um número crescente de possibilidades, indo da eleição pelo povo até a igualdade entre os parceiros no amor. Mas essa expansão da democracia incomoda. Daí, um ódio que domina nossa política, tal como não se via desde às vésperas do golpe de 1964, condenando medidas que favoreciam os mais pobres como populistas e demagógicas. Por isso são relevantes ensaios sustentando que a democracia não é um Estado acabado, nem um estado acabo das coisas; que ela vive constante e conflitiva expansão; que não se reduz ao desenho das instituições, ou á governabilidade, ou ao jogo dos partidos, mas é algo que vem de baixo, desdenhando desde os gregos como o empenho insolente dos pobres em invadir o espaço que era de seus melhores, de seus superiores. Porque a ideia de separação social continua presente e forte. Se as ditaduras deixaram, desde os anos 1980, de tutelar a maior parte da humanidade, se os governos eleitos proliferam, se a orientação sexual dissidente é mais bem aceita hoje, isso não significa que se tenha completado a democratização das formas de convivência social”. 

                                                [Renato Janine Ribeiro, em orelha ao livro O ódio à democracia, de Jacques Rancière]

 Sugestões de leituras:

Como sair do ódio entrevista com Jacques Rancière.

 Educação permanente e as cidades educativas, Anotações sobre unidade na diversidade e Do direito de criticar: do dever de não mentir, ao criticar, de Paulo Freire, disponíveis no livro Política e Educação.

Devir criança, malandro, bicha, de Félix Guattari, no livro Revolução molecular: pulsações políticas do desejo.

O anti-Édipo: uma introdução à vida não fascista, prefácio de Michel Foucault ao livro O anti-Édipo, livro de Gilles Deleuze e Félix Guattari.  

1968-2008: o mundo que eu vi e vivi, de Edgar Morin.  


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