Glúten
O glúten pode ser definido como uma massa proteica gomosa que permanece depois de lavar a massa de trigo para eliminar o amido. Os principais componentes proteicos do glúten gliadinas e gluteninas são proteínas de armazenamento do trigo. O glúten e as proteínas relacionadas ao glúten estão presentes no trigo, centeio e cevada, e são muito utilizadas na elaboração de alimentos para dar à massa as propriedades de cozimento desejadas, acrescentar sabores e melhorar a textura. A exposição ao glúten em indivíduos geneticamente predispostos pode conduzir à doença celíaca
Fisiopatologia
O glúten e as proteínas relacionadas presentes no trigo, centeio, cevada e na aveia (quando não foi evitada a contaminação com o trigo) são os agentes externos que causam a doença celíaca. A doença celíaca ocorre quase exclusivamente em pacientes que expressam o antígeno de leucócitos humanos do complexo de histocompatibilidade principal (MHC) classe II, a sub-região DQ 2 (HLA-DQ2) e as moléculas HLA-DQ8. A DC é uma das causas mais comuns de má absorção crônica. Isto resulta de lesão no intestino delgado mediada por uma reação autoimune de linfócitos com destruição das vilosidades intestinais, ocasionando perda de área de superfície de absorção, redução de enzimas digestivas e consequente absorção prejudicada de micronutrientes, como vitaminas lipossolúveis, ferro e, potencialmente, B 12 e ácido fólico. Além disso, a inflamação exacerba os sintomas de má absorção, causando secreção líquida de líquido que pode resultar em diarreia. A falha na absorção de calorias adequadas leva à perda de peso e a má digestão resulta em dor abdominal e distensão abdominal. Estes são sintomas comuns associados à DC.
Epidemiologia
A DC é comum, com uma prevalência pontual em torno de 1% na maioria das populações. A incidência do diagnóstico de DC aumentou nas últimas décadas, e este aumento foi atribuído ao aumento da conscientização e dos testes. A medição da carga da DC é limitada por vários fatores, tais como indivíduos assintomáticos não diagnosticados e o fato de não existirem medicamentos prescritos para tratar a doença, o que provavelmente leva à subnotificação.
Sintomas e sinais clínicos
Pacientes com sintomas, sinais ou evidências laboratoriais sugestivas de má absorção, como diarreia crônica com perda de peso, esteatorreia, síndrome do intestino irritável, dor abdominal e distensão abdominal, devem ser considerados para teste de DC.
Adultos: diarreia crônica (antigamente considerada o sintoma mais comum), perda de peso, anemia ferropriva, distensão abdominal por inchaço, mal-estar e fadiga, edema (hipoproteinemia), dermatite herpetiforme.
Crianças: atraso no desenvolvimento, perda de peso, atraso no crescimento, vômitos, diarreia crônica, distensão abdominal por inchaço, anemia ferropriva, perda muscular, edema (hipoproteinemia), irritabilidade e desconforto.
Diagnóstico
TTG IgA e IgA total altos + Endoscopia Digestiva Alta com biópsia duodenal contendo alterações histopatológicas características nas biopsias da mucosa intestinal, incluindo linfocitose intraepitelial, hiperplasia das criptas e vários graus de atrofia vilositária. Evidência de que a enteropatia do intestino delgado depende do glúten, o que pode ser demonstrado pela presença de anticorpos positivos específicos da doença celíaca e/ou uma melhoria clínica e/ou histológica em resposta a uma dieta sem glúten.
Terapia
Os pacientes com doença celíaca não deveriam consumir produtos contendo glúten, tais como trigo, centeio ou cevada. Os pacientes em geral precisam seguir uma dieta estrita sem glúten pelo resto da vida. Recomendações: É recomendado fazer uso de aveia sem glúten na dieta de pacientes com DC, pois, acrescenta palatabilidade, nutrição (fibra solúvel, óleo poli-insaturado, vitaminas B, ferro, tiamina) e benefícios de laxação.
Fatores de risco
- A doença celíaca é hoje conhecida por afetar todas as faixas etárias, inclusive os idosos;
mais de 70% dos novos pacientes são diagnosticados acima dos 20 anos.
- Pacientes com um familiar de primeiro grau com diagnóstico confirmado de DC devem ser testados para DC. A frequência da DC aumenta substancialmente em pacientes que têm um familiar de primeiro grau afetado pela DC.
- Síndrome de Down, Síndrome de Turner.
- Doença tireoidiana autoimune
- Doença hepática autoimune
- Pacientes com diabetes mellitus tipo I devem ser testados para DC se houver quaisquer sintomas ou sinais sugestivos. Há evidências de que a DC é substancialmente mais comum em pacientes com diabetes tipo I do que na população branca em geral. As estimativas variam entre 3% e 10% ( 138 ). Em crianças, foi sugerido que a triagem anual ou a cada dois anos para DC seja realizada por meio de sorologia.
Complicações
Os pacientes com doença celíaca (não tratada a longo prazo) têm risco elevado de complicações benignas e malignas, e de mortalidade.
- Câncer — maior risco nos primeiros anos após o diagnóstico – diminui para risco (quase) normal no quinto ano.
- Linfomas malignos
- Adenocarcinoma do intestino delgado
- Tumores orofaríngeos
- O risco de mortalidade é elevado em pacientes celíacos adultos, devido a um maior risco de neoplasia fatal
Dúvidas comuns
É recomendado uso de probióticos para paciente com DC? Não há evidências suficientes para recomendar a favor ou contra o uso de probióticos para o tratamento da DC.
Existem também vários “mitos”, como:
- A doença celíaca é rara.
- A doença celíaca ocorre: apenas em caucasianos principalmente na Europa e nos Estados Unidos, apenas na infância, apenas em pacientes com diarreia crônica, a doença celíaca pode ser curada após (um período de) tratamento
Sensibilidade ao glúten não celíaca (SGNC): Caracteriza-se por uma hipersensibilidade ao glúten, a qual não é caracterizada como a DC por uma cascata de inflamação, uma vez que, diferentemente da mucosa dos pacientes celíacos, a mucosa daqueles com SGNC, ao ser incubada com gliadina, não expressa os marcadores de inflamação e também não provoca ativação dos basófilos, nem tampouco há atrofia de vilosidades intestinais observada na DC, logo, não há redução da absorção de nutrientes como também observado na DC. A recomendação seria uma avaliação pelo gastroenterologista de confiança para realizar consulta para investigar se trata-se ou não de uma SGNC, seu tratamento consiste na isenção de glúten na dieta resultando no desaparecimento dos sintomas.
Referências
- HUSBY, S. et al. European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition guidelines for the diagnosis of coeliac disease. (Diretrizes para o diagnóstico da doença celíaca da Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica). Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, v. 54, p. 136-160, 2012.
- LUDVIGSSON, J. F. et al. Diagnosis and management of adult coeliac disease: guidelines from the British Society of Gastroenterology. (Diagnóstico e tratamento da doença celíaca em adultos: diretrizes da Sociedade Britânica de Gastroenterologia). Gut, v. 63, p. 1210-1228, 2014.
- LUDVIGSSON, J. F. et al. Transition from childhood to adulthood in coeliac disease: the Prague consensus report. (Transição da infância para a idade adulta na doença celíaca: relatório de consenso de Praga). Gut, v. 65, p. 1242-1251, 2016.
- RUBIO-TAPIA, Alberto et al. ACG clinical guidelines: diagnosis and management of celiac disease. (Diretrizes clínicas da ACG: diagnóstico e manejo da doença celíaca). The American Journal of Gastroenterology, v. 108, p. 656-676; quiz 677, 2013. DOI: 10.1038/ajg.2013.79.
- RUBIO-TAPIA, Alberto et al. Atualização das Diretrizes do American College of Gastroenterology: Diagnóstico e Tratamento da Doença Celíaca. The American Journal of Gastroenterology, v. 118, n. 1, p. 59-76, jan. 2023. DOI: 10.14309/ajg.0000000000002075.
Autores
Hayner Wernersbach Aranha, discente do curso de graduação em Medicina pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), participante do grupo Traduzindo Ciência.
Marco Antônio Piletti, discente do curso de graduação em Medicina pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), participante do grupo Traduzindo Ciência.