Caroline Siqueira | Bolsista de Jornalismo do Projeto Universidade Meio Ambiente
A paz é elemento fundamental para o desenvolvimento sustentável. Quando uma nação entra em guerra, suas prioridades se tornam outras e demandas essenciais como alimentação, saúde e educação ficam em segundo plano. Uma guerra surge através das insatisfações de determinado grupo com as instituições vigentes, como por exemplo a desigualdade social, o preconceito, a corrupção, abuso e exploração de crianças e violências contra determinados grupos sociais. Ao longo da história, guerras e conflitos internos vitimaram milhares de civis e trouxeram ainda mais problemas à população afetada por estas ações.
Por não terem acesso a estes direitos básicos e por estarem sempre correndo risco de vida, a comunidade civil que está no palco de um conflito armado ainda se vê obrigada a deixar seu país de origem e pedir refúgio em outras nações, que nem sempre a recebem da melhor forma. Segundo relatório organizado pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) “Global Trends”, 79,5 milhões de pessoas estavam deslocadas até o final de 2019 por guerras, conflitos e perseguições – um número sem precedentes, jamais verificado pelo ACNUR.
Atualmente, pessoas naturais da Síria, Venezuela, Afeganistão e Sudão do Sul, países em guerra, lideram a quantidade de refugiados pelo mundo.
A melhor forma de acabar com as guerras é evitando que elas aconteçam. Para isso, é necessário que as instituições atuem de forma eficaz. Ao perceber os problemas sociais, é de extrema importância que as organizações responsáveis e aptas pensem em ações para solucioná-los, contribuindo para o bem-estar da comunidade e consequentemente, colaborando para um desenvolvimento sustentável.
Pensando nisso, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou na Agenda 2030 o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 16, que visa a promoção da paz e o estímulo às instituições eficazes.
“Reduzir significativamente todas as formas de violência e as taxas de mortalidade relacionada, em todos os lugares”
Artigo 1 do ODS 16
Dentro desse ODS, há também ações contra outros temas sensíveis, como o combate à exploração sexual, ao tráfico de pessoas e à tortura. Outros temas incluídos nas metas do ODS 16 são o enfrentamento à corrupção, ao terrorismo, a práticas criminosas, especialmente aquelas que ferem os direitos humanos.
Nesse contexto, o projeto de extensão universitária “Assessoria a Imigrantes e Refugiados (MIGRAIDH/CSVM) – Fase 2”, coordenado pela professora do Departamento de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Giuliana Redin, assume papel de destaque.
O Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão Direitos Humanos e Mobilidade Humana Internacional da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), MIGRAIDH, iniciou suas atividades nesse projeto em 2014, junto ao curso de Direito, comprometido com o direito humano de migrar. Inicialmente, era conhecido como Assessoria Jurídica a Imigrantes e Refugiados. No entanto, com a renovação da ação agora em sua segunda fase, o termo “Jurídico” foi suprimido, pois a Assessoria contava com apoio de outros cursos da Universidade além do Direito.
Atualmente, a iniciativa possui seis linhas de pesquisa nas áreas do Direito, Ciências Sociais, Comunicação Social, Letras e Psicologia da UFSM, lideradas por professoras-pesquisadoras dos respectivos cursos, e um Programa de Extensão, Assessoria a Migrantes e Refugiados. Esta Assessoria tem como objetivo geral promover ações para o acesso a direitos da população migrante refugiada. Para isso, é fundamental o reconhecimento de direitos e desenvolvimento de processos legislativos e políticas públicas, apoio psicossocial e ações de integração local desta população, por meio de assessoria técnico-jurídica, ações de acolhimento, atendimento psicológico, fortalecimento de redes e atuação política.
No início, a Assessoria trouxe como uma de suas pautas a instituição de uma política de ingresso na UFSM diferenciada para imigrantes em situação de vulnerabilidade e refugiados. Esta ação foi protocolada em dezembro de 2014 e inaugurou o campo extensionista do projeto. Foram publicados dois editais referentes a este sistema de ingresso, em 2017 e 2018.
“O campo das migrações foi pra mim um dos mais sensíveis na minha atuação como docente ainda muito antes de entrar na UFSM”, relata Redin. Em seu período de docência em outras instituições de ensino superior, ela ministrou a disciplina de Direito Internacional Privado e, nesta mesma época, trabalhava diretamente com o Estatuto do Estrangeiro, instrumento legal que, em sua visão, não atendia os direitos básicos dessa parcela da comunidade tão vulnerável.
A partir dessa insatisfação, ela desenvolveu sua tese de doutorado chamada “Direito de Imigrar: Direitos Humanos e Espaço Público” para denunciar a violência do Estado nessa agenda e pensar em perspectivas do reconhecimento de migrar como um direito humano.
O MIGRAIDH também contribuiu nos diálogos que antecederam o debate da nova lei de imigração. Em 2015, por exemplo, foi produzida uma nota técnica referente às novas legislações sobre os direitos dos imigrantes, que estavam em discussão no Brasil, que eles defenderam no Congresso Nacional e a UFSM foi a única Universidade que apresentou comentários exaustivos sobre esta temática.
Quando Redin entrou no corpo docente da UFSM, em 2012, começou a consolidar um espaço de discussão mais aprofundada sobre o tema das migrações internacionais sob a perspectiva do direito humano de migrar. Em 2013, foi fundada a primeira linha de pesquisa, que agora também está em sua segunda fase, chamada “Proteção e Promoção dos Direitos Humanos de Migrantes e Refugiados no Brasil”. Mais tarde, em 2014, surgiu a necessidade das ações práticas, visando a inclusão social dos imigrantes e refugiados, a partir daí, a Assessoria se iniciou.
Durante a pandemia, os problemas relacionados à assistência dessa comunidade foram agravados. Com o fechamento das fronteiras, os imigrantes começaram a entrar no país informalmente, o que trouxe uma série de casos de exploração de trabalho e supressão de direitos: “É uma situação em cadeia, uma situação de vulnerabilidade potencializada”, relata a professora. Por exemplo, os imigrantes que acabaram chegando ao país sem documentação, não conseguiram acessar o sistema de saúde brasileiro, nem matricular seus filhos nas escolas, pois como as aulas presenciais estavam proibidas e alguns pais estrangeiros também não conseguiam proporcionar financeiramente ferramentas fundamentais para manter o ensino remoto de seus filhos, como internet e computador.
Entretanto, a Assessoria continuou atendendo os imigrantes e refugiados de forma remota, por meio de números de telefone e Whatsapp. Hoje, a maior parte das pessoas atendidas são do Haiti, inclusive estão dentro do ambiente universitário, mas o projeto também atende uma série de outras pessoas de diferentes nacionalidades, como venezuelanos.
Dentro do ambiente universitário, a presença do imigrante traz, segundo Redin, uma “internacionalização por uma outra perspectiva, da riqueza cultural, da vivência que esses imigrantes possuem em seus países e podem aqui contribuir para uma educação contra-hegemônica”.
Durante o começo de sua trajetória acadêmica, que se iniciou aos 16 anos de idade no curso de Direito, Redin diz que seu maior conflito foi sentir que estava em um lugar que não lhe pertencia. “Não me sentia confortável. Era muito presente a estética da autoridade, do poder […] Os professores davam aula de terno e gravata e eu tive poucas professoras mulheres, uma ou duas”.
A professora só começou a se identificar com o Direito quando começou a fazer estágio em uma Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, onde teve maior contato com a população e suas questões diretamente ligadas com a desigualdade social. Foi a partir daí que começou a ver o Direito como uma área de luta por direitos. “Foram situações únicas que me ajudaram a ressignificar meu lugar no Direito”, diz Redin.
Já no mercado de trabalho, a professora conta que, na questão de gênero, sofreu um impacto muito grande quando se tornou gestante do primeiro filho, enquanto atuava em outra Instituição de Ensino Superior. Lá, ela ouviu um comentário de um homem dizendo que deveriam ser repensadas as contratações de professoras da idade que Redin estava na época, pois as professoras dessa idade estavam engravidando e isso seria um problema. “A gente tem que lidar com essa questão de ser um corpo instrumentalizado num sistema de produção”, desabafa a professora.
Mas Redin se mostra esperançosa quanto a mudança dessas estruturas e diz que, para iniciarmos essa mudança, é necessária a educação, e principalmente, a educação em Direitos Humanos. “A educação em Direitos Humanos é promotora de toda a educação, de todo um conhecimento emancipador e capaz de nos afirmar em nossa condição humana. […] Enquanto a gente tem esperança e vê o brilho no olho de um estudante, de um colega que se sensibiliza, é isso que vai nos motivando. E o brilho no olho é a esperança.”