A água é um recurso indispensável para a nossa sobrevivência. Como exposto numa na matéria Nós precisamos falar sobre a água, os corpos d’água vêm sofrendo cada vez mais com as consequências das ações do ser humano. A pesca predatória, a deposição de resíduos industriais, agrotóxicos, esgoto doméstico e o plástico são os principais agentes poluentes dos recursos hídricos. A fauna e a flora marinha vêm perdendo grande parte de sua diversidade devido a essas problemáticas e isso se tornou pauta de diferentes congressos mundiais.
Pensando nisso, a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) prevê o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) número 14, que visa conservar e promover o uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável.
“Até 2025, prevenir e reduzir significativamente a poluição marinha de todos os tipos, especialmente a advinda de atividades terrestres, incluindo detritos marinhos e a poluição por nutrientes.”
Artigo 1 do ODS 14
Mas para mudar o cenário atual, é necessário entender como a água funciona, quais são seus ciclos e quais caminhos ela percorre desde a sua nascente até chegar à foz do rio, quando se encontra com um corpo d’água maior, geralmente os oceanos. Quanto a isso, o projeto de extensão “Hidrossítios no Geoparque da Quarta Colônia”, coordenado pela professora do Departamento de Geociências do Centro de Ciências Naturais e Exatas (CCNE) e do Programa de Pós Graduação em Geografia da UFSM, Eliane Maria Foleto, ganha grande destaque.
Com início datado em 2018, a ação visa, através de visitas aos nove municípios que abrigam o Geoparque Quarta Colônia, levantar junto aos gestores e representantes da comunidade quais são os mananciais hídricos, superficiais, subterrâneos que apresentam singularidade; definir dentre mananciais apontados quais possuem atributos excepcionais a serem inventariados; delimitar os hidrossítios de maior valor patrimonial e, construir junto ao Poder Público e comunidade, o caminho das águas no Geoparque da Quarta Colônia.
A Quarta Colônia é composta por nove municípios gaúchos: Agudo, Dona Francisca, Faxinal do Soturno, Ivorá, Nova Palma, Pinhal Grande, Restinga Seca, São João do Polêsine e Silveira Martins.
Apesar da ação ser recente, o contato de Eliane Foleto com a natureza e os recursos hídricos começou muito antes disso. “Estou nesse debate muito antes da cúpula da Agenda 2030 traçar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, diz a professora. Desde pequena, filha de agricultores e com infância dentro do meio rural, ela brincava com o pé no chão e nos rios próximos de casa.
Ao entrar na Faculdade de Ciências e Letras Imaculada Conceição (FIC), no curso de Geografia Licenciatura, ela teve maior contato com as questões ambientais e nutriu ainda mais o seu interesse em se tornar professora, pois ela gostava da ideia de difundir e “plantar sementinhas” de conhecimento. Ao terminar sua graduação em 1989, ela optou por continuar sua carreira acadêmica e fez mestrado em Engenharia Civil, na área de Cadastro Técnico Multifinalitário, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 1995.
Já em 1996, entrou no quadro de docentes da Universidade Federal de Santa Maria, oferecendo, dentre outras disciplinas, a matéria de Hidrogeografia. Nessa cadeira, a água é trabalhada como um indicador de qualidade ambiental e ainda como um agente que se transforma (seus estados físicos da matéria), mas ao mesmo tempo, transforma a paisagem, através de processos de erosão, transporte e deposição. Outra perspectiva trazida por essa disciplina é olhar a água como elemento integrante e estruturante da paisagem.
Nesse mesmo período, o Brasil estava passando por uma reestruturação na legislação ambiental e aprovou em 1997 a Lei n. 10.350, que indica como instrumentos de gerenciamento da água o plano de recursos hídricos, o enquadramento de recursos hídricos, a outorga dos usos e o plano de informações para tais recursos.
A partir dessa movimentação política nacional, a professora sentiu a necessidade em se especializar na área de recursos ambientais. Então, ela solicitou o afastamento na Universidade e foi fazer o doutorado na área de Engenharia de Produção da UFSC numa linha de pesquisa de Gestão Ambiental. Quando ela retornou de seu doutorado, no final de 2003, o curso de mestrado em Geografia acabara de ser aprovado na UFSM. A partir de então, a professora passou a ministrar uma disciplina que discute sobre o uso racional dos recursos hídricos e o desenvolvimento sustentável.
Apesar de estar ligada às causas ambientais em função da pesquisa, Foleto sentia vontade de aplicar esses conhecimentos com a comunidade e colocar em prática aquilo que estudava na Universidade. Seguindo essa vontade, em 2004, a professora aproximou-se da Fundação Mo’Ã de Santa Maria, uma ONG que foi instituída por professores aposentados da UFSM e atua, desde 1997, na região central do Rio Grande do Sul. A fundação tem lugar de fala em vários conselhos, como o Conselho Municipal de Meio Ambiente de Santa Maria e no Comitê de Bacias Hidrográficas de Santa Maria.
Em setembro de 2007, a organização recebeu por doação uma propriedade de 25 hectares no município de Itaara, distante 12km do centro de Santa Maria. Lá, a professora foi desafiada a criar uma Unidade de Conservação. Dentro desse território, existem três nascentes de água e a professora faz questão de levar seus alunos para lá. Os discentes da UFSM pesquisam e realizam ações nas unidades de conservação no município de Santa Maria. Dentro dessas discussões científicas, surgiu o livro Áreas Protegidas. Publicado pela Editora da UFSM, é uma coletânea de trabalhos realizados voluntariamente por acadêmicos e docentes da UFSM nessa perspectiva de áreas protegidas e foi organizado pela professora Eliane Maria Foleto e pela Dalvana Brasil do Nascimento. Ele está disponível para compra no site da Editora da UFSM e também possui versão e-book.
Ainda dentro da Mo’Ã, Foleto organizou a obra A Conservação da Água sob Diferentes Olhares, que foi uma consequência do trabalho da Fundação em conjunto com a comunidade do município de Itaara e de parcerias acadêmicas relacionadas ao projeto.
Em 2015, o Grupo de Pesquisa que a professora fazia parte, o Grupo de Análise e Investigação Ambiental (Gaia), teve uma ampliação e foi criado o Grupo Patrimônio Natural Geoconservação e Gestão da Água (Pangea). Nele, a professora é responsável pela temática Gestão da Água, na área dos hidrossítios.
Nesse mesmo período, a questão dos Geoparques começou a ganhar maior visibilidade no meio acadêmico e a UFSM acabou se envolvendo diretamente com esses dois projetos. Atualmente, a Universidade possui ações nos Geoparques Caçapava do Sul e Quarta Colônia. E é a partir daí que o projeto coordenado por Foleto ganha suas primeiras formas.
“O hidrossítio é um patrimônio. A ideia é que utilizemos esses geossítios de caráter hidrológico que têm um apelo muito grande junto à sociedade para conscientizar a comunidade sobre a importância da conservação da água.”, explica a professora.
Mas não são todos os recursos hídricos que se tornam hidrossítios: “O hidrossítio precisa ter valor ecológico, valor hidromorfológico, valor estético para o apelo da comunidade, sociocultural (roda d’água, barramento) e importância científica”, ressalta Foleto.
Os chamados hidrossítios servem como uma espécie de bandeira para a sensibilização e conscientização da população frente à conservação do meio ambiente e dos recursos hídricos. “A importância de manter áreas verdes e instituir unidades de conservação neste processamento de água é que elas possuem papel fundamental s vão reter naturalmente o escoamento e fazer com que as águas infiltrem e regulem a vazão nos períodos de estiagem”, esclarece a professora.
Foleto também chama a atenção para a crise ambiental que estamos vivendo. Ela diz que é essencial que haja uma revisão do nosso consumo e das problemáticas relacionadas ao meio ambiente o quanto antes, pois se não, as consequências serão ainda mais graves.
Em relação à docência e à ideia de plantar sementes de conhecimentos, a professora Eliane Foleto já vem colhendo frutos. Ela se orgulha em dizer que tem um ex-aluno concursado que atua hoje no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis no Norte do país e também fala sobre uma aluna de doutorado que trabalha em um projeto de investigação na Universidade de Coimbra, definindo áreas prioritárias para conservação, nessa mesma perspectiva ambiental.