As relações comerciais e de consumo começaram a se intensificar no século XIX, com a ascensão da Segunda Revolução Industrial. O sociólogo Karl Marx estudou essa relação da sociedade com o mercado e elaborou o conceito do fetichismo da mercadoria, que se baseia na influência que o produto tem sobre a população. Nele, o consumo não se dá mais pela necessidade, mas sim pela ideia de que ela existe. Um exemplo disso é quando compramos uma peça de roupa da moda, quando temos outras roupas que possuem a mesma função.
No século XX, principalmente entre as décadas de 1920 e 1970, a produção e consumo industrial só aumentaram. Graças ao Fordismo, modelo de produção industrial que visa otimizar o tempo e produzir em massa, o sistema industrial se transformou por completo, focando mais na quantidade do que na qualidade. A partir desse contexto, de lá até aqui, o consumo desenfreado continuou aumentando.
A problemática dessa questão é transversal, pois com a alta demanda da produção e consumo, a retirada de matérias primas da natureza aumenta a quantidade de resíduos gerados antes, durante e após a compra do produto. Isso não só traz prejuízos ao meio ambiente, como a questão do lixo e poluição dos oceanos, por exemplo, mas também revela as desigualdades sociais que um consumo não sustentável traz para a comunidade. Enquanto muitos consomem demais, milhões estão abaixo da linha da pobreza.
Outra análise cabível a essa discussão sobre consumo é o uso descabido de água e energia. Além do custo ser alto, as consequências para a natureza derivadas desse comportamento nocivo são graves. E ainda: a preferência nacional por produtos e serviços internacionais. O mercado nacional e principalmente o local, como comércios de pequenos produtores rurais, se desvaloriza com isso e perdemos um grande potencial de gerar riquezas em nosso país de origem.
Diante desse contexto, a Agenda 2030, objeto criado pela Organização das Nações Unidas que visa um Desenvolvimento Sustentável, lançou o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 12, que visa o Consumo e Produção Responsáveis.
“Até 2030, garantir que as pessoas, em todos os lugares, tenham informação relevante e conscientização sobre o desenvolvimento sustentável e estilos de vida em harmonia com a natureza”
Artigo 8 do ODS 12
A Universidade Federal de Santa Maria realiza diversas ações que atendem esse ODS, mas no 12º episódio da série Mulheres Sustentáveis e Transformadoras, damos destaque ao projeto “Geoparque Quarta Colônia”, coordenado pela técnica em Assuntos Educacionais na Pró-Reitoria de Extensão da UFSM, Jaciele Carine Sell. Sell também é pesquisadora do Grupo de Pesquisa Patrimônio Natural, Geoconservação e Gestão da Água (PANGEA), e atua principalmente nos seguintes temas: Educação Ambiental, Patrimônio Paisagístico, Ordenamento Territorial, Impactos Socioambientais e Sustentabilidade.
O projeto em questão prevê a implementação e coordenação de uma estratégia de desenvolvimento regional sustentável no território da Quarta Colônia, visando à certificação geoparque por meio da conservação do patrimônio natural e cultural, da educação para o meio ambiente, bem como do incentivo ao turismo local, através da apropriação do conhecimento, da formação acadêmica, da pesquisa, da extensão, da intervenção e da articulação junto ao poder público local, entidades e sociedade civil organizada.
Geoparques são territórios de características singulares reconhecidas pela UNESCO em que as características geográficas e culturais são únicas e devem ser preservadas e utilizadas de forma sustentável para gerar desenvolvimento regional. Esse desenvolvimento pode se dar no turismo, na criação de produtos, na gastronomia, no artesanato e em todas as formas de atividades que conservem e valorizem o patrimônio geológico-geomorfológico, como rochas, minerais, água, solos, relevos, paisagens e fósseis, em associação à cultura da comunidade.
“Desenvolver e implementar ferramentas para monitorar os impactos do desenvolvimento sustentável para o turismo sustentável que gera empregos, promove a cultura e os produtos locais”
Artigo B do ODS 12
O Geoparque da Quarta Colônia é composto por nove municípios gaúchos: Agudo, Dona Francisca, Faxinal do Soturno, Ivorá , Nova Palma , Pinhal Grande , Restinga Seca , São João do Polêsine e Silveira Martins.
A entrada de Jaciele Carine Sell nesse projeto é cercada de muita história e está intrinsecamente ligada à Universidade. “Toda a minha história se constrói pela UFSM”, diz.
Sell entrou na UFSM pela primeira vez em 2005, aos 17 anos, no curso de Geografia. Lá, a técnica teve contato com essa área que, segundo ela, é naturalmente crítica, já que discute uma série de acontecimentos políticos e históricos pelo globo. A partir daí, Sell se envolveu cada vez mais com o meio universitário, morou na Casa do Estudante, se envolveu em projetos de pesquisa e extensão e, inclusive, atuou como professora do Projeto Institucional de Extensão “ALTERNATIVA PRÉ-VESTIBULAR POPULAR” no Programa Universidade Aberta.
A técnica foi a primeira de sua família a entrar no ensino superior e decidiu seguir sua trajetória no meio acadêmico. Ela fez seu mestrado e doutorado em Geografia também pela UFSM e mais tarde, passou no concurso público para atuar como Técnica em Assuntos Educacionais na Universidade, cargo que exerce atualmente.
Durante sua atuação na Pró-Reitoria, Jacielle Sell entrou em contato com o projeto Geoparque Quarta Colônia e se tornou coordenadora da ação. Com mais de três anos de existência, esta iniciativa de extensão prevê o desenvolvimento regional, não só o econômico, mas em todas as esferas que ele atende.
“O território só se desenvolve se ele considera a sua identidade, suas características e o potencial local para criar estratégias de desenvolvimento e de forma alguma acredito que o desenvolvimento venha de fora, ou venha trazido por um capital externo”, diz a técnica.
Além da conservação ambiental, o ponto fundamental do Geoparque da Quarta Colônia, segundo Sell, é que a comunidade local ganhe dinheiro com o seu patrimônio sem o destruir e sem o vender.
Segundo Jaciele Sell, esta iniciativa serve de apoio para várias outras ações universitárias. “É um guarda chuva que tem diversos outros projetos dentro dele”, diz a técnica. Atualmente, são 54 áreas do conhecimento da Universidade que estão dentro desse guarda-chuva, entre elas a Educação Física, que conta com projetos de esportes de aventura para serem postos em prática no turismo ecológico da região.
Frente à pandemia, Sell conta que com o home-office, não há um limite: “Vivo 24 horas por dia nesse projeto”, diz ela. Seu marido também é geógrafo, atua como professor da Universidade, e participa ativamente do projeto Geoparque de Caçapava do Sul, o que só retoma as discussões sobre os geoparques dentro de casa. Sell conta que eles foram apelidados de “Geo casal”, e sua filha Joana, de 4 anos, de “Geoana”.
No entanto, a técnica diz que nem ela, nem sua família se incomodam com a presença dos projetos universitários em seu cotidiano, visto que são apaixonados pelo que fazem.
Fora do projeto, Jaciele Sell atua na linha de frente para a aprovação da Política de Igualdade de Gênero na UFSM, ação que visa ampliar e implementar os espaços de acolhimento do corpo acadêmico da Universidade. Apesar de estar envolvida em várias ações, a técnica confessa que ser mãe é sempre achar que está devendo participação em algum outro aspecto. Se passa muito tempo se dedicando ao projeto, ela sente que está faltando no processo de crescimento de sua filha, se passa muito tempo em casa, sente que não está dando seu máximo ao projeto.
Entretanto, a técnica reconhece: “Ser mãe e ser servidora pública é um privilégio”. Sell conta que apesar dos pesares, ela é privilegiada pelo espaço que ocupa e pelas condições de trabalho que usufrui, quando comparada à diversas outras mulheres do setor privado, que ainda possuem uma disparidade salarial alta em relação aos homens.
Sell finaliza sua fala deixando um ensinamento para as mulheres que estão no início de sua trajetória acadêmica e de trabalho: “Meu principal conselho é mediar. A construção de uma sociedade melhor passa por uma mediação”, finaliza a técnica.
Matéria: Caroline Siqueira | Bolsista de Jornalismo no UMA