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Mudança nas formas de ingresso na UFSM gera debate

Processo deve ser discutido novamente no Cepe a partir de março



 

Desde o ano de 2022 está em pauta na UFSM a proposta de repensar as formas de ingresso na Instituição. Atualmente, o acesso à Universidade é feito 100% via Sistema de Seleção Unificada (SiSU). Revisar e atualizar os mecanismos de ingresso e permanência dos estudantes é, também, uma das ações elencadas no Plano de Gestão 2022-2025, desenvolvido pelo Gabinete do Reitor.

A nova resolução, que agora está em debate, propõe que, além do Sistema de Seleção Unificado (SiSU) e de outras formas de ingresso já tradicionais, a Universidade passe a adotar o Processo Seletivo Seriado e o vestibular presencial. Também consta no documento processos seletivos específicos para ingresso de pessoas de comunidades quilombolas; com 60 anos ou mais; atletas de alto rendimento; estudantes medalhistas em competições de conhecimento; pessoas transgênero; pessoas com deficiência; refugiados e imigrantes em situação de vulnerabilidade; indígenas, entre outros. No entanto, a proposta ainda gera dúvidas e divide opiniões. 

No dia 26 de janeiro, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) iniciou o debate sobre o tema e, durante a sessão, foi feito o pedido de vistas do processo, para que uma discussão mais ampliada pudesse ser realizada. Para contribuir com o debate, a Agência de Notícias da UFSM ouviu representantes de diferentes setores que puderam apresentar o que pensam sobre o assunto. Foram consultados: Anderson Luiz Machado dos Santos, professor do Departamento de Geociências e Coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI), Ascísio dos Reis Pereira, docente do departamento de Fundamentos da Educação e presidente da Seção Sindical dos Docentes da UFSM (Sedufsm), Jerônimo Tybusch, pró-reitor de Graduação, Luciano Schuch, reitor da Instituição, Luiz Eduardo Bonetti, representante do Diretório Central dos Estudantes e Silvia Pavão, coordenadora de Ações Educacionais.

 

A nova proposta de resolução prevê diferentes modalidades de ingresso na UFSM. Qual seu posicionamento sobre elas?

Anderson: Na UFSM enfrentamos um difícil debate desde ano de 2007 para a implementação das primeiras ações afirmativas voltadas ao povo negro e indígenas para ingressar na Instituição. Este movimento colocou em xeque as fraquezas das formas de ingresso vigentes na época, ou seja: o Vestibular e o Programa Especial de Ingresso no Ensino Superior (PEIES), os quais se demonstraram ineficazes em democratizar o acesso à Universidade. De acordo com a atual proposta de “novas/velhas” modalidades de ingresso, a centralidade do processo se situa no retorno do Vestibular e do Processo Seletivo Seriado (PSS) que, em 2026, serão responsáveis por 70% das vagas de ingresso na UFSM, o que consideramos um retrocesso ao SiSU, bem como essas modalidades dificultarão a manutenção e o aprofundamento da Lei 12.711/2012 que regula a adoção das cotas sociais e étnico-raciais nas Universidades Brasileiras. Para além disso, a nova proposta mantém ou insere em seus processos específicos, através de vagas suplementares, o processo seletivo indígena; nossa proposição acerca do ingresso para as comunidades quilombolas; de pessoas trans; com deficiência; medalhistas de competições de conhecimento; reserva de vagas para atletas de alto rendimento; dentre outras. Deste espectro, somos árduos defensores dos processos de ingresso para os povos indígenas e para as comunidades quilombolas, e aliado(a)s na luta das pessoas trans, com deficientes e demais grupos que estão alijados do acesso à universidade, desde que haja um amplo debate com os sujeitos e organizações envolvidas, assim como um amplo debate com a sociedade civil para que as mudanças ocorram. Para nós, as ações afirmativas já existentes e novas não podem estar condicionadas ao retorno do Vestibular e PSS.

Ascísio: Sobre esse ponto das diferentes modalidades, penso que já temos algumas, como por exemplo o processo seletivo indígena. Quando as formas são inclusivas, entendo que elas são importantes e contribuem para o crescimento da Universidade, assim elas são bem vindas sempre. Elas não podem nunca fazer cortes por preferência de classe social ou condição econômica. Todo processo seletivo é complexo, pois se estamos selecionando, significa que não temos vagas para todas as pessoas.

Jerônimo: Para além das modalidades já previstas na Resolução 02/2018 (Processo Seletivos Música e Dança Bacharelado, SiSU, Programa de Acesso e Ingresso de Refugiados e Imigrantes em Situação de Vulnerabilidade, PEG, Vestibular EaD, Ingresso e Reingresso, Processo Seletivo Indígena) somam-se os novos processos: Ingresso de Pessoa Trans, Ingresso de Quilombolas, Ingresso de Pessoa com Deficiência não abrangida pela Lei 12.711/2012, Ingresso de Idosos, Ingresso de Medalhistas de Olimpíadas de Conhecimento, Ingresso de Atletas de Alto Rendimento, Processo Seletivo Seriado, Vestibular. A diversidade das comunidades que buscam a UFSM exige uma variedade de processos seletivos que possam contemplar todas as realidades distintas. A partir da lei de cotas percebemos a necessidade de ampliar as formas de ingresso, pois Diversidade da Comunidade = Diversidade de Ingresso. Um único tipo de ingresso não dá conta das diferentes realidades. Junto a isso, o  preenchimento das vagas no SiSU não se dá em face da tipologia do ingresso e sim a partir do processo de confirmação de vaga por chamada oral, que pode ser aplicado a qualquer sistema de ingresso.

Luciano: O processo de ingresso na UFSM está em constante análise e mudança. Não é um processo estanque, é dinâmico. Ao analisar o perfil do aluno atual e a nova dinâmica da sociedade, percebemos que estava no momento de repensar as formas de ingresso na instituição. Além disso, por mais que o ENEM seja uma prova nacional e de relevância para o ensino médio, temos uma crítica ao SiSU, que a cada ano muda suas regras e as universidades e os estudantes acabam por terem que se adaptar a elas. Aliado a isso, temos um preenchimento de vagas que nunca ultrapassou 43% na chamada regular. Entendemos que a diversidade das comunidades que buscam a UFSM exige uma variedade de processos seletivos que possam contemplar todas as realidades. A partir da lei de cotas foi-se percebendo a necessidade de ampliar, inclusive as formas de ingresso para incluir uma gama cada vez maior daqueles que buscam a universidade pública. Diversidade da comunidade nos leva a uma diversidade de ingresso.

Luiz Eduardo: Essa proposta apresenta problemas do pé à cabeça. A proposta que já havia sido apresentada extraoficialmente no início da nova Gestão da Reitoria ao Diário de Santa Maria nunca foi discutida realmente junto à comunidade acadêmica, e isso por si só já é um grande problema. O Seminário que ocorreu em abril de 2022 – onde se alega que foi feito esse debate – serviu muito mais para uma apresentação de dados do que qualquer outra coisa. Pautas tão importantes como essa não podem ser tratadas como discussão apenas de um alto escalão, mas sim construídas através de um intenso debate que envolva os diferentes setores da comunidade interna e também externa, como foi feito na implementação do SISU. Também há grandes erros de análise nessa proposta, baseados na desconsideração de elementos muito importantes. Entre eles, destaco dois: o primeiro é que a avaliação feita à época era a de que essas duas políticas (vestibular/PSS) foram incapazes de garantir a democratização do acesso à UFSM, sendo excludentes e elitistas. Aliado a isso, o tempo de implementação do SISU é curto, e boa parte desse período foi marcado pela instabilidade econômica, que afetou fortemente as IFES, e pela crise sanitária, causada pela pandemia. Ou seja, a questão central são as condições de permanência estudantil. Além disso, a atual proposta adicionou – sem debate prévio com os setores envolvidos, pelo que soubemos – processos seletivos para comunidade quilombola, pessoas trans, PCDs e idosos acima de 60 anos, e condicionou sua aprovação à aprovação do vestibular e PSS, o que é extremamente injusto com essas ações afirmativas que são tão importantes de serem implementadas.

Silvia: A UFSM é uma Instituição que está entre as melhores universidades do mundo, que busca por meio de suas diferentes ações e serviços nos campos do ensino, extensão e pesquisa, favorecer uma educação de forma inclusiva, tal como preconizam as atuais políticas inclusivas que prezam pelos dos direitos humanos fundamentais. Desse modo, vem desenvolvendo ações pautadas nas suas documentações legais, fortalecendo a cultura de respeito às diferenças e a diversidade. Exemplar nesse sentido, é o que está previsto no Plano de Desenvolvimento Institucional-PDI 2016-2026 : “primar pelo desenvolvimento do potencial humano, respeito aos direitos humanos e pela diversidade humana”, acreditando num futuro melhor, persistindo em uma gestão pública e inovadora, de diálogo, democrática e humanizadora. Assim a proposta de resolução das diferentes modalidades de ingresso, é caracteristicamente inclusiva, pois possibilita o ingresso de um amplo público com características diversas.

Que impacto essas mudanças podem trazer?

Anderson: A proposta de novas formas de ingresso está nascendo em gabinetes inacessíveis ao nosso povo, sem o embasamento teórico necessário e dados plausíveis. Portanto, sua forma de construção não nos contempla e revela velhas práticas de condução das decisões na Instituição. Dentre os principais impactos visa a própria regionalização da UFSM e sua relação com a educação básica. Nesta regionalização, “os de fora” da região, ingressantes pelo SISU, são tratados como o problema, estes estudantes estariam fazendo escolhas não vocacionadas e são responsabilizados pelas taxas de evasão da Instituição. Isto expõe uma visão ultra-conservadora sobre o significado da universidade enquanto bem público, assim como não reconhece a diversidade regional e nem a diversidade sociocultural trazida pelo SISU. Ao mesmo tempo, a ideia de mudança das relações com as escolas, somente pela via do ingresso é questionável. Para começar queremos saber: quais escolas, entidades ou organizações foram consultadas? Não faria mais sentido na aproximação escola-universidade o fortalecimento de projetos/programas de ensino, pesquisa e extensão; a contribuição com a formação continuada de professores; o fortalecimento de programas nacionais como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e Residência Pedagógica? Do nosso ponto de vista, seria ainda mais significativo que esta relação, se pautasse de forma dialógica, a educação antirracista, um debate ainda periférico nesta instituição. 

Ascísio: Aí depende de cada mudança, no caso de produzir inclusão para setores marginalizados socialmente, me parece interessante, como no caso dos quilombolas, desde que debatido e decidido juntamente com as comunidades interessadas e os grupos que discutem essa questão dentro da Universidade e nos movimentos sociais. O impacto pode variar, a saber “o que inclui hoje e o que exclui?” Ao meu ver, a nossa maior inclusão social dos últimos anos, no que se refere ao ingresso na Universidade, foi o sistema Enem/SiSU, sem esquecer das políticas de cotas étnicos raciais e estudantes das escolas públicas. O nosso maior problema hoje parece ser a permanência e não a forma de ingresso. Tivemos nos últimos seis anos e, especialmente nos últimos 4 anos, um processo muito grande de cortes de verbas nas Universidades (por parte dos governos Temer/Bolsonaro) e isso atingiu muito fortemente a condição dos estudantes para a permanência. Assim, entendo que no momento  a nossa prioridade deveria ser retomar, junto ao governo federal, a nossa matriz orçamentária e, desta forma, recuperar a nossa condição para a permanência e não discutirmos o processo de ingresso na instituição. Recuperar bolsas de estudos para a graduação e pós-graduação e garantia do orçamento para a assistência estudantil na UFSM.

Jerônimo: Em uma análise do cenário atual, percebemos que temos a necessidade da retomada de um processo de construção conjunta do ingresso “para” e “com” a educação básica, para além dos programas PIBID e Residência Pedagógica. Essa demanda se potencializa em face da transformação do próprio Ensino Médio (nova BNCC) e do clamor das Coordenadorias Regionais de Educação e Secretarias de Educação por um processo integrado e participativo. A UFSM já possui um histórico positivo de tais processos, a exemplo do PEIES e Processo Seletivo Seriado. Outro aspecto a ser considerado é o impacto na evasão. A média de evasão da UFSM é mais baixa que a média nacional de evasão em IFES. Todavia, vem aumentando nos últimos anos. Sabe-se que as causas são multifatoriais, no entanto, não se pode negar que após iniciarem o período de conclusão das primeiras turmas que ingressaram pelo SiSU, a evasão tem se demonstrado maior e aumentado a cada ano. O SiSU, por força das características do seu próprio sistema, muitas vezes, acaba ocasionando uma escolha não vocacionada. Na chamada regular o candidato pode escolher até o último minuto, visualizando a nota necessária para a aprovação. Este procedimento acaba por levar o candidato a escolher o curso em que é aprovado e não o curso em que apresenta a maior aptidão e interesse, levando ao abandono nos primeiros semestres. Outro ponto é que desde 2014 diversas dificuldades são relatadas pelas IFES na composição de seus calendários acadêmicos. Tal fato deve-se aos constantes atrasos na divulgação das notas do ENEM e, por consequência nos calendários extemporâneos do SiSU. Por força dos argumentos anteriores, diversas IFES têm adotado processos híbridos, possibilitando maior variedade em seus ingressos no intuito de superar a crise atual (pós-pandêmica e conjuntural do mundo do trabalho) de interesse na busca por cursos superiores. Ex: UFRGS, UFPEL, UFSC, entre outras. O número só tem aumentado nos últimos 10 anos. O SiSU apresenta dificuldades na evolução do seu sistema. Deve ser repensado por inteiro e a médio prazo para incluir potencial de uma escolha vocacionada.

Luciano: Primeiro que nos aproximaremos da educação básica através do processo seriado. Tivemos uma experiência bastante positiva na época do PEIES e do Processo Seriado. A comunidade lembra com carinho até hoje, pois estávamos presentes nas escolas desde o primeiro ano do Ensino Médio. Essa demanda se potencializa em face da transformação do próprio Ensino Médio e de uma demanda das próprias Coordenadorias Regionais de Educação e das escolas por um processo integrado e participativo, no qual o estudante tem contato com sua área de interesse ao longo de todo o Ensino Médio. Ao mesmo tempo, mantemos o SiSU e o Vestibular, além de outros tantos processos específicos (indígenas, refugiados e imigrantes, música e dança, apenas para citar alguns exemplos), diversificando nossas formas de ingresso, em função da diversidade da nossa comunidade, como coloquei anteriormente. Ao mesmo tempo em que estamos preocupados com o preenchimento das nossas vagas e com a diminuição da evasão, diversificamos as possibilidades de ingresso. Consideramos isso bastante positivo.

Luiz Eduardo: Se aprovada, já de cara o Cepe irá legitimar o esvaziamento do debate como método aceitável para pautas estratégicas da Universidade, enfraquecendo fortemente nossa democracia interna. A não aprovação dessa proposta deve servir também como um recado de que não aceitaremos que a comunidade acadêmica seja deixada de lado e desconsiderada nessas discussões. Aliado a isso, caso ocorra a volta do vestibular e PSS, com o passar do tempo a UFSM será colocada novamente numa lógica elitista, de favorecimento dos grandes cursinhos pré-vestibulares pagos e escolas privadas, e voltada ao interesse regional, perdendo sua característica de Universidade Federal, comprometida com o país e com estudantes que mesmo de fora do Rio Grande do Sul querem acessar a UFSM. Estamos construindo um longo caminho para popularizar as Universidades, e a implementação do SISU foi um dos passos mais importantes que demos para garantir isso. Queremos estudantes do Rio Grande do Sul mas também do Brasil todo estudando em nossa Universidade, em especial as e os milhares que historicamente tiveram a oportunidade de acessar ao ensino superior público negada. Se ocorrer a retomada desses processos excludentes, iremos dar um longo passo para trás. Será um grande retrocesso.

Silvia: Temos consciência de nosso lugar social no mundo, da desigualdade que nos cerca, das necessidades de desenvolvimento, e, por isso, assumimos, como educadores, o dever de pensar estratégias de ação que colaborem para o melhor enfrentamento da complexidade desse sistema educacional que fazemos parte e ajudamos a construir.  A UFSM é uma Instituição que está entre as melhores universidades do mundo, que busca por meio de suas diferentes ações e serviços nos campos do ensino, extensão e pesquisa, atender a demanda de interlocução com todos campos do saber, para refletir sobre: impactos das nossas ações, sobre processos formativos, sobre como promover inclusão. Entendemos que a produção do conhecimento e a valorização da riqueza da diversidade, do diálogo permitem compreender as facetas da teia social e assim, por sua abrangência, essa resolução pode ter impactos sociais, políticos, econômicos e éticos.

Sem data para nova discussão

Inicialmente, a reunião no Cepe estava prevista para acontecer na sexta-feira (10). No entanto, devido ao fim do semestre letivo, período de férias acadêmicas e necessidade de uma maior discussão do assunto, a reunião será remarcada para março, no início do próximo semestre.

 

Texto: Mariana Henriques, jornalista da Agência de Notícias

Fonte: ufsm.br 

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