Inferno. Dinamarca. Paris. Santa Maria.
Se algo ou alguém é capaz de unir todos esses locais, reais ou ficcionais, do passado ou do presente, com vivos ou mortos, essa é a neta de Deus. Ela, que se mostra com rostos humanos e inumanos, ora tímida, ora extravagante, corre sempre contra o tempo e sem ter um lugar para chegar. Ela, que vive em busca da alegria na tristeza e que é a metade de todo ser humano, pediu licença à Guerra, sua irmã, para iniciar uma nova construção em Santa Maria.
Canta Dante no Inferno que a Arte, sendo a filha do homem, torna-se a neta de Deus e, nela, o homem coloca sua esperança. A esperança de se refugiar do mundo, corrido e caótico. A esperança de viver histórias que a vida não permite viver. Esperança de buscar cores em locais cinzas, luz nas trevas e amor no ódio. É na neta de Deus que o homem busca uma verdade que não conhece, mas que sabe existir. É no inferno que o homem, assim como Dante, aprende que a esperança depositada na arte é mais que um sonho: é a concretização da busca pelo repouso da alma.
Quando Hamlet, aproximando de despertar do mundo por sua loucura, encontrou-a, repousou sua alma inquieta e angustiada pelo desejo de vingança e pelo amor proibido. Foi nela, também, que o desafortunado príncipe da Dinamarca viu a história do fantasma que o perturbava estampada e, assim, uma saída para seu problema pessoal. Afinal, se o desejo do poeta é que a neta aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba, indiferente do final que se sucede ao reino infortúnio dinamarquês, durante o caos ela soube ser um farol e durante a tempestade ela soube ser a calma.
Na tempestade de uma prisão fruto da fome, Jean Valjean também descobre o poder salvador da neta de Deus. Na literatura, aprende a lição mais importante: que todos são bons se existir bons cultivadores. Na música, acha uma companheira caminhada. Torna-se um sábio homem, destemido e querido. Ensinado por sua própria filha imaterial, encontra uma nova filha material, Cosette, que, nas brincadeiras cênicas, sobrevive a uma escravidão velada. E, como pai adotivo, por vontade própria ou por consequências do destino, nosso herói-miserável parisiense aprende o amor verdadeiro. Quiçá, o mesmo amor, desperto em Valjean pela pobre Cosette, seja o amor que a filha do homem nutre pela sociedade. O amor verdadeiro, que busca, sobretudo e acima de tudo, ser o acalento e a distração na rotina.
Nas dores infernais, nos delírios pela vingança ou no amor verdadeiro, a neta de Deus é o amparo da vida humana. Qual seria o futuro da Dinamarca se não houvesse o teatro para amparar Hamlet? Do que o homem tiraria seu sustento se a Arte não imitasse a natureza, tal como canta Dante? Como, enfim, Cosette e Valjean sobreviveriam sem o amparo dessa filha inumana da humanidade, de muitas faces e de várias línguas, para lhes mostrar que o homem pode, e deve, ser sempre bom?
Nas misérias sociais, a neta socorre a humanidade, cumprindo o dever de filho para com o pai. E, como um socorro para a vida corrida e regrada, na noite de ontem, 01, o PlayArt Festival trouxe a neta de Deus para Santa Maria: a Arte, que, nas suas diversas faces, rostos e corpos, celebra a vida humana com teatros, danças, exposições de murais, fotografias, shows e culinária. O evento, promovido pelo governo do Rio Grande do Sul, pela Universidade Federal de Santa Maria e pela Pró-Reitoria de Extensão da UFSM, ao longo dos próximos treze dias, celebrará as dores e as alegrias humanas pelas fantasias em diferentes locais da cidade. E, se a deusa da guerra é a mesma deusa das artes, que a mesma cidade da produção científica saiba viver a sua produção cultural.
A programação completa você pode acessar pelo site e pelas redes sociais do evento e da PRE.
Texto: Wellington Hack / Bolsista NDI PRE
Revisão Textual: Erica Medeiros / Bolsista NDI PRE
