A Argentina foi o segundo país do MERCOSUL a criar uma legislação que protege mulheres no âmbito familiar, em 1994, 12 anos antes da instituição da Lei Maria da Penha no Brasil. Porém, a pauta da violência de gênero ainda é urgente no país, que tem noticiado mobilizações frequentes, de mulheres e meninas, com a exigência de leis atualizadas e efetivas, que respeitem seus direitos.
Apesar de já existir uma legislação para a proteção da mulher no ambiente familiar, ainda era necessária uma lei que atendesse a todas as mulheres vítimas de violência. Por isso, após manifestações em busca de direitos, em 2009, foi promulgada a Lei Nacional 26.485. O mecanismo de Proteção Integral da Mulher busca implementar medidas concretas e efetivas para prevenir, punir e erradicar a violência contra as mulheres em todas as suas formas e em todas as áreas em que desenvolvem suas relações.
Mas as leis continuavam sem efetividade para a segurança e proteção da mulher, tanto no ambiente familiar, como fora dele. Foi então que surgiu o movimento “Ni Una a Menos”, que no português se traduz para “Nem Uma a Menos”, no dia 3 de junho de 2015, data marcada pelo momento em que milhares de mulheres argentinas se mobilizaram em busca de justiça pela morte da adolescente Chiara Páez, que estava grávida e foi vítima de feminicídio conjugal.
Frente à realidade de lutas e de pressão de movimentos feministas, sindicatos, entidades estudantis, associações de bairros e partidos políticos, em 2019 a Lei de Emergência Nacional que inclui uma cláusula sobre violência contra a mulher foi sancionada na cidade de Buenos Aires. E visa destinar verbas para o abrigo e segurança das vítimas, além de especializar equipes para atuar na prevenção e assistência aos atos de violência.
Mesmo com todas as leis, em 2024, segundo o observatório da organização não governamental La Casa del Encuentro, os feminicídios continuam crescendo na Argentina. Em 2023, o país registrou a marca histórica de 322 mortes.. Até fevereiro deste ano, o país já registrou 61 feminicídios, sendo que no mesmo período do ano passado o número foi de 56 assassinatos de mulheres.
A Argentina também vem passando por um momento difícil da sua história. Jornais locais afirmam que a nação enfrenta o aumento da pobreza e da inflação, além da incerteza política, o que afeta o custo de vida e coloca mulheres, que já estão em situação de vulnerabilidade, em um risco ainda maior. Somado ao elevado número de ocorrências violentas, a nação também vive um processo de desestruturação de políticas públicas, como a extinção do Ministério da Mulher. O novo presidente da Argentina, Javier Milei, eleito no final de 2023, justificou o ato como uma maneira de cortar custos do Executivo. Alguns grupos e movimentos sociais demonstram preocupação de que essa ação possa prejudicar ainda mais a proteção à mulher no país.
Emilia Josela Romero, 22 anos, estudante universitária em Córdoba, na Argentina, afirma que não se sente plenamente segura em seu país. “Eu não me sinto segura no país porque, apesar de termos uma legislação boa, na prática as coisas não mudaram. Os números de mortes e de casos de violências, que são assustadores, refletem a nossa realidade”, comenta.
Os dados justificam o sentimento de insegurança de Emilia e de diversas outras mulheres argentinas. A jovem considera que ainda não há tanta liberdade para falar sobre assédios e abuso em seu país. “Isso pode estar associado ao sentimento de vergonha ou com o estigma que as pessoas que passam por violências podem sentir. É comum que as pessoas que passam por processos de assédio não denunciem por medo, por existir alguma ameaça. O que implica que esse crime não seja penalizado e que esses padrões violentos se repitam ou até se convertam em crimes ainda mais graves. Também pode ocorrer que se tente denunciar, mas o caso não seja levado a sério, ou que a denúncia seja feita, mas nunca chegue a ser judicializada”, ressalta.
O que é feminicídio? Feminicídio é um termo político, e se trata de uma forma de denunciar a naturalização da sociedade perante à violência contra a mulher e o contexto de desigualdade de gênero. Ele é considerado uma das formas mais extremas de agressão neste âmbito, e retrata o assassinato cometido por um homem contra uma mulher com quem ele se relaciona, já se relacionou ou teve pretenção de se relacionar. O conceito da palavra foi desenvolvido pela escritora norte-americana Carol Orlock, em 1974, mas utilizado publicamente pela primeira vez em 1976, por Diana Russell, no Tribunal Internacional para Crimes contra a Mulher, em Bruxelas. Hoje, o termo é conhecido mundialmente. Dar nome ao problema é uma forma de fazer com que ele ganhe visibilidade e potencialidade para ser resolvido. O feminicídio é um cenário grave não só na América Latina, mas em várias outras regiões do mundo. Porém, ainda não existe um foco intenso em debatê-lo publicamente, a ponto de enfrentá-lo. |
Violência contra a mulher é crime. Denuncie!
Para denunciar na Argentina, recorra ao Sistema Único de Registro de Denuncias por Violencia de Género (URGE).
Número: 134
E-mail: denuncias@minseg.gob.ar
Está reportagem faz parte da campanha MEDUSAS, desenvolvida pela Casa Verônica como forma de visibilizar as violações de direitos humanos na universidade e combater as opressões presentes na UFSM.
Você pode acessar a série completa aqui.
Mais informações sobre a campanha podem ser encontradas no site MEDUSAS.
Reportagens: Júlia Petenon, estagiária de jornalismo da Casa Verônica UFSM
Supervisão e edição: Wellington Hack, jornalista da Casa Verônica UFSM