Ir para o conteúdo Observatório de Direitos Humanos Ir para o menu Observatório de Direitos Humanos Ir para a busca no site Observatório de Direitos Humanos Ir para o rodapé Observatório de Direitos Humanos
  • International
  • Acessibilidade
  • Sítios da UFSM
  • Área restrita

Aviso de Conectividade Saber Mais

Início do conteúdo

Pobreza Menstrual: vulnerabilidade social, medidas governamentais e a luta por dignidade



A pobreza menstrual é definida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) como um conceito que reúne, em duas palavras, um fenômeno complexo, transdisciplinar e multidimensional, vivenciado por pessoas que menstruam. Ele representa não só a falta de acesso aos itens de higiene básica, mas também de infraestrutura e de conhecimento das pessoas para que consigam, em plena capacidade, cuidar da sua menstruação.

 

Relatório Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos

O relatório realizado pelo UNICEF em parceria com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), em sua introdução faz um aviso importante: a pobreza menstrual não acontece só em países subdesenvolvidos. No Brasil esse problema é mais presente do que se imagina, especialmente quando se trata de pessoas em vulnerabilidade social. 

Foto: Bianca Guimarães

Dados do relatório revelam que meninas entre 11 e 19 anos sofrem com a pobreza menstrual tanto na escola quanto em casa. Com base na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015, conduzida pelo IBGE, o UNICEF chegou a conclusão de que 321 mil alunas não possuem banheiro em condições de uso em suas escolas. Elas representam 3% do total de meninas estudantes brasileiras. Dessas mais de 300 mil alunas, o relatório destaca os dados da região Nordeste, que detém 121 mil meninas sem banheiros em condições de uso, número que representa 37,8% do total de meninas nessa situação.

Ainda sobre as condições de pobreza menstrual nas escolas, o relatório indica que, no Brasil, 1,24 milhão de meninas não têm à sua disposição papel higiênico nos banheiros das escolas em que estudam. Os dados apontam ainda para outro aspecto importante de infraestrutura que é negligenciado. 

Quase 652 mil meninas (6% do total) não possuem acesso a pias ou lavatórios para realizar a higiene das mãos após o uso do banheiro de suas escolas. Segundo o relatório, mais de 3,5 milhões de meninas estudam em escolas que não disponibilizam sabão para que higienizem suas mãos de maneira correta e efetiva. 62,6% dessas meninas são pretas e pardas, totalizando 2,25 milhões de alunas. Quando se trata da situação domiciliar, os dados não são menos alarmantes. Com base na Pesquisa de Orçamentos Familiares – POF 2017 – 2018, são 713 mil meninas sem acesso a banheiros em seus domicílios. 88,7% delas, mais de 632 mil meninas, vivem sem acesso a sequer um banheiro de uso comum na propriedade.

Foto: Bianca Guimarães

É importante lembrar que o relatório do UNICEF se concentra em um recorte de idade e gênero específico. Outras pessoas, das mais diversas idades e gêneros, sofrem diariamente com a pobreza menstrual.

Medidas Governamentais

Atualmente, o Decreto n.º 11.432/2023, regulamenta o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. O Programa, instituído pela Lei nº 14.214/21,  tem como objetivo assegurar a oferta gratuita de absorventes higiênicos e outros cuidados básicos de saúde menstrual, com vistas à promoção da dignidade menstrual. Os beneficiados pelo programa são pessoas que menstruam e que: 

  • são de baixa renda e estão matriculadas em escolas da rede pública de ensino;
  • se encontram em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema (aquelas que se enquadrarem em situação de pobreza, conforme o critério estabelecido pelo Programa Bolsa Família);
  • se encontram recolhidas em unidades do sistema prisional; e
  • se encontram em cumprimento de medidas socioeducativas (pessoas cadastradas no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – Sinase).

A partir da data de publicação do decreto, ficou definido que compete ao Ministério da Saúde, em articulação com os entes federativos (a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios) viabilizar a compra de absorventes higiênicos, preferencialmente feitos com materiais sustentáveis, para que sejam disponibilizados às pessoas em situação de pobreza menstrual.

Medidas Municipais

Em Santa Maria foi aprovado, no dia 15 de agosto de 2023, o Projeto de Lei (PL) n.º 9559/23, que autoriza o fornecimento gratuito de itens de higiene menstrual às pessoas que menstruam e que estejam em situação de vulnerabilidade social e econômica no município. São considerados como itens para esse tipo de higiene: absorventes, sabonete, papel higiênico e outros itens de uso pessoal.

Foto: Reprodução/Sobre Nós Brasil

O PL permite que o Poder Executivo Municipal realize parcerias público-privadas para cumprir os objetivos da lei, inclusive na arrecadação de itens de higiene menstrual e na captação de recursos financeiros. Além disso, o Executivo poderá incentivar a criação de cooperativas, microempreendedores individuais e pequenas empresas, preferencialmente de pessoas que menstruam, que fabricam produtos de higiene menstrual de baixo custo e/ou ecológicos. O texto do PL foi construído pela vereadora Marina Callegaro, propositora do projeto, em conjunto com a ONG Sobre Nós Brasil, que atua desde 2021 no município em defesa da vida e da dignidade menstrual de pessoas que menstruam.

A Luta por Dignidade Menstrual

Além do Sobre Nós, há diversos outros projetos e profissionais que lidam com essa temática. Para a professora e médica especializada em Medicina de Família e Comunidade, Juliana da Rosa Wendt, a pobreza menstrual é um sério problema de saúde pública. Ela explica que, mesmo sendo uma questão antiga, durante sua graduação em Medicina não teve formação suficiente para lidar com a pobreza menstrual, já que tradicionalmente a questão não era valorizada enquanto problema de saúde. Foi em sua trajetória como médica de família que aprendeu sobre o tema. “Diversas vezes atendi pessoas em situação de pobreza menstrual, sobretudo meninas e mulheres com pouco ou nenhum acesso a banheiros adequados, produtos de higiene menstrual e conhecimento sobre a menstruação”, relata Juliana.

A médica explica que a pobreza menstrual está ligada a uma série de outras vulnerabilidades sociais, econômicas e de saúde, que predispõem a pessoa a adoecimentos variados. Ela também fala sobre um complicador: “os profissionais de saúde têm pouca formação para lidar com os chamados determinantes sociais da doença, entre os quais se inclui a pobreza e a falta de acesso a recursos, como é o caso da pobreza menstrual”. Wendt acredita que projetos como o PL n.º 9559/2023 são essenciais como medidas de combate à pobreza menstrual, oferecendo dignidade e promovendo saúde para pessoas em situação de vulnerabilidade.

 

Texto: Bianca Guimarães, estagiária de Jornalismo Casa Verônica UFSM
Edição: Wellington Hack, jornalista Casa Verônica UFSM

Divulgue este conteúdo:
https://ufsm.br/r-414-2545

Publicações Relacionadas

Publicações Recentes