Em um intervalo entre as aulas práticas do curso de Odontologia, a Professora Roselaine Pozzobon, coordenadora do projeto Semear Saúde, dedicou um tempo para conversar sobre a iniciativa. Nos encontramos na Clínica de Dentística, uma das sete localizadas no prédio 26F, que funciona como centro integrado do curso. De primeira, ao me guiar por uma rápida tour, a professora destacou o caráter majoritariamente prático da formação, que estimula o contato constante dos estudantes com a extensão – o que, de certa forma, justifica os mais de 60 integrantes do projeto.
Desde seu ingresso como docente na UFSM, Roselaine apura sua atenção e suas energias para a educação em saúde bucal. Para ela, a saúde integral plena é um espectro que depende, influencia e é influenciado por diversas outras saúdes, entre elas, a bucal. Esse entendimento é a base do projeto, que, além de levar conhecimento sobre a boca e os dentes, foca em promover o bem-estar integral. Afinal, como diz o ditado popular, citado pela própria coordenadora: “A saúde começa pela boca.”
Assim, por meio de ações voluntárias individuais, a docente passou a atuar em escolas municipais de Santa Maria, com foco inicial em crianças do Ensino Básico. Nestas experiências, teve contato com realidades diversas e identificou necessidades que sentiu capaz de auxiliar, podendo transformar histórias por meio da educação em saúde bucal. Por meio da troca de relatos com outros professores e estudantes interessados (que carinhosamente são apelidados como Semeadores e Semeadoras), a docente organizou uma força tarefa inicial, formada por pessoas ligadas à UFSM e às escolas, que contribuiu para o processo de institucionalização do projeto como extensionista. Neste contexto de expansão, outras escolas foram incluídas e uma parceria com a empresa Colgate nasceu, o que permitiu a doação de kits de higiene bucal para os alunos.
Até hoje, sete escolas de Santa Maria e região já recebem visitas periódicas de estudantes do curso de Odontologia para ações do Semear Saúde, são elas: EMEI Borges de Medeiros, EMEF CAIC Luizinho de Grandi, EMEF Chácara das Flores, EMEF Dom Antônio Reis e EMEF Dom Luiz Victor Sartori. Nos próximos meses, novas escolas serão incluídas, entre elas: Escola no Alto da Nova Santa Marta, EEEF de Arroio Grande, Estação dos Ventos, EMEF Maria de Lourdes Ramos Castro e EMEI Zahie Bered Farret. As visitas ocorrem semanalmente, a depender da demanda e disponibilidade de transporte e horários dos envolvidos. Neste contexto, a professora estima que mais de mil crianças já tenham sido impactadas diretamente pelo projeto.
Recentemente, com a seleção do Semear no edital do Reconstruir RS, as possibilidades de atuação aumentaram – bem como as responsabilidades. Neste cenário, ele ganhou um complemento, com a inclusão do “Saúde em conto”, projeto do PET Odontologia que leva contação de história para as crianças da rede básica. A união dos dois projetos deu origem ao “Semear Saúde pela Educação”, que une as estratégias dos dois projetos. Mas a professora Roselaine garante que segue muito gratificada em poder levar o conhecimento universitário para além do Arco por meio da extensão, gerando impacto na vida de crianças, graduandos, professores e pais. “Todos ficam energizados depois das ações e tem até disputa entre os estudantes para decidir quem vai”, destaca.
Ações lúdicas estimulam envolvimento genuíno com hábitos saudáveis – em ambos os lados
Durante a entrevista, a professora me mostrou alguns dos muitos registros das ações nas escolas, onde pude notar a presença do caráter lúdico em praticamente todas. Roselaine me explica que esta é uma forma muito eficiente de gerar interesse e engajamento dos alunos, bem como a fixação do conhecimento. De fato, ao longo da explicação, ela utilizou de recursos lúdicos para me ajudar a entender melhor a área da Odontologia e a atuação do projeto.
Ela descreve que, ao chegar nas escolas, os estudantes voluntários começam as atividades por meio de palestras informativas, que utilizam linguagem adaptada e lúdica para educar e engajar os alunos. Em seguida, utilizam outros recursos para a prática, que inclui desenhos para colorir, exibição de vídeos, apresentação de técnicas de escovação, contação de histórias (pelo projeto “Saúde em conto”) e sessões de escovação assistidas (o “Escovódromo”). Para isso, entram em ação personagens criados e encenados pelos Semeadores, como a Fada dos Dentes Lindos e Fortes, a Fada do Sistema Estomatognático, além de fantoches e macromodelos de dentes.
O destaque desse momento é a troca dinâmica de conhecimentos entre os dois lados. Ao mesmo tempo que estão aprendendo sobre educação bucal e sua importância para a saúde integral, os alunos também ensinam os Semeadores sobre habilidades básicas de sociabilidade, comunicação interpessoal e atendimento. Além de aprendizados acadêmicos, nota-se pelos registros o desenvolvimento pessoal e motivação genuína dos voluntários, que têm acesso à uma nova perspectiva da área da Odontologia, focada em humanizar os atendimentos. “Eles aprendem enquanto ensinam e se tornam profissionais da saúde, não da doença”, resume a coordenadora.
Uma particularidade do projeto, pelos relatos da professora, é a sua grande abrangência – mesmo com foco inicial nos alunos. Nas idas às escolas, Roselaine destaca a forma como pensa as visitas como ações unificadas, com o potencial de transformar realidades de todas as pessoas ligadas às crianças. Ao longo da entrevista, a docente inclusive me explicou a origem do nome Semear Saúde: “Ao serem educadas, [as crianças] funcionam como plantas em terrenos férteis e ajudam a levar (semear) saúde bucal em outros locais, como a própria casa”.
Semeando novos futuros por meio da educação bucal
Segundo a coordenadora Geral de Saúde Bucal do Ministério da Saúde, Doralice Severo, mais de 43% das crianças brasileiras possuem alguma cárie. Os dados são baseados no levantamento mais recente do SB Brasil, estudo sobre as condições de saúde bucal da população. Esta é uma estimativa que, mesmo não citada pela professora Roselaine, mostra-se presente na atuação do Semear Saúde. Alunos em situações de vulnerabilidade social são comuns nas escolas atendidas, o que aumenta a responsabilidade, necessidade e comprometimento do projeto: “Muitas vezes a criança é a única pessoa da família que tem escova de dente”.
Com esse contexto em mente, é interessante notar os esforços do projeto para ir além. Isso ocorre, por exemplo, pela capacitação continuada dos professores das escolas, que desenvolvem a inclusão da educação nas aulas e por ações diretas com pais e responsáveis, que aplicam os conhecimentos em casa e também se educam sobre a sua própria saúde bucal. Dessa forma, os cuidados bucais não se isolam nas idas do Semear Saúde, mas se integram à rotina e ao imaginário das crianças como pilar firmado de sua saúde integral.
A entrevista com a professora era voltada à entender as ações do projeto e seu foco na saúde bucal, mas ao final, percebi um detalhe que teima a passar despercebido: o potencial de transformação social. Roselaine cita o caso de crianças que, após a visita do Semear, passaram a sonhar com a faculdade de Odontologia. Apesar de não ser o escopo plenamente dito, a possibilidade de incentivar possíveis futuros é um efeito colateral positivo, principalmente em grupos vulneráveis.
Todas as ações do Semear Saúde estão disponíveis no perfil do Instagram: @projetosemearsb, que, aliás, é guiado pelos próprios alunos e supervisionado pela professora. Na rotina de publicações estão desde registros de ações nas escolas até posts com dúvidas comuns acerca da saúde bucal, o que serve como conteúdo continuado, que pode ser acessado pelos alunos, pais e responsáveis após as visitas.
Texto: Pedro Souza, da Subdivisão de Divulgação e Eventos da PRE
Revisão: Melissa Martini, da Subdivisão de Divulgação e Eventos da PRE
Imagens: Arquivo do projeto Semear Saúde.