As conferências climáticas internacionais, conhecidas como COPs (Conferências das Partes), têm papel central no enfrentamento da crise climática global. Organizadas pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), esses encontros anuais reúnem quase 200 países para negociar metas de redução de emissões, adaptação às mudanças climáticas e financiamento climático. No entanto, seus efeitos vão além de acordos técnicos. Para países como o Brasil, as COPs representam também uma área estratégica em que a reputação internacional, o protagonismo ambiental e os conflitos internos ganham visibilidade.
O Brasil possui uma posição ambígua no cenário climático global. De um lado, destaca-se por sua matriz energética relativamente limpa e pela imensa biodiversidade da Amazônia; de outro, figura entre os maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo, sendo o desmatamento, especialmente na região amazônica, o principal vetor dessas emissões. Essa dualidade faz com que o país ocupe ora o papel de protagonista, ora o de “vilão”. O palco das COPs, portanto, torna-se também um espaço de diplomacia pública, onde o país projeta sua narrativa climática e é cobrado por coerência entre discurso e prática.
Segundo a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM Brasil), as COPs são momentos decisivos para os países assumirem compromissos concretos com o futuro do planeta. No caso brasileiro, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) preveem a neutralidade de carbono até 2050 e uma redução de 53% das emissões até 2030, em relação aos níveis de 2005. No entanto, especialistas apontam que há grandes desafios para o cumprimento dessas metas, sobretudo diante do avanço do desmatamento e da fragilidade na implementação de políticas ambientais sustentáveis.
Nesse cenário, a justiça climática surge como uma maneira para orientar os resultados das COPs, especialmente em contextos marcados por desigualdades sociais e ambientais. Como destacam Isaguirre-Torres e Maso (2023), não se trata apenas de lidar com os impactos ambientais das mudanças climáticas, mas de reconhecer os diferentes níveis de vulnerabilidade entre populações e territórios, e de garantir que as decisões tomadas em fóruns internacionais sejam construídas de forma inclusiva e equitativa. Isso significa, por exemplo, garantir que povos indígenas, comunidades tradicionais e populações periféricas, que historicamente têm contribuído pouco para as emissões, mas sofrem desproporcionalmente seus efeitos, tenham voz ativa nos processos decisórios e sejam beneficiados pelas políticas de mitigação e adaptação. Sem justiça climática, a transição ecológica corre o risco de aprofundar desigualdades, reforçar padrões coloniais de exploração e excluir saberes e práticas que são essenciais para a regeneração planetária.
Historicamente, o Brasil já teve momentos de destaque nas negociações climáticas, como na ECO-92 e na COP21, em Paris, quando era reconhecido como articulador do Sul Global e defensor do desenvolvimento sustentável. Porém, entre 2019 e 2022, o país passou por um desgaste em sua imagem internacional devido ao enfraquecimento da governança ambiental, aumento da destruição da floresta e políticas permissivas ao agronegócio predatório. Esse retrocesso comprometeu não apenas a credibilidade internacional do Brasil, mas também sua capacidade de atrair investimentos verdes e firmar cooperação estratégica com outros países.
Mais recentemente, com a confirmação de Belém (PA) como sede da COP30 em 2025, o Brasil ganhou uma nova oportunidade de reposicionamento. Será a primeira vez que uma COP ocorrerá na Amazônia, região símbolo da luta climática. De acordo com o site oficial do Governo Federal, sediar o evento “é uma oportunidade histórica de mostrar que é possível construir soluções climáticas em diálogo com os povos da floresta, valorizando os saberes tradicionais e respeitando os limites ecológicos do planeta”. A expectativa é que mais de 30 mil pessoas de diversos países participem do encontro, movimentando a economia local e intensificando o debate público nacional sobre meio ambiente e justiça climática.
Porém, essa visibilidade internacional exige responsabilidade. A retórica ambiental precisa se sustentar em ações concretas, como o combate ao garimpo ilegal, a redução do desmatamento e a promoção de políticas públicas voltadas à transição energética e à inclusão das populações mais vulneráveis. Como alerta o ambientalista e filósofo indígena Ailton Krenak, a natureza não pode ser vista como uma mera “reserva de insumos” para o progresso. Krenak nos convida a pensar a relação com o planeta de forma espiritual e comunitária, uma visão que raramente ganha protagonismo nas negociações climáticas.
Além do aspecto técnico e diplomático, as COPs também têm forte impacto na sociedade civil brasileira. Elas funcionam como catalisadoras de mobilização social, científica e política. Grupos indígenas, juventudes, ONGs, comunidades tradicionais e representantes da academia participam ativamente dos eventos e dos chamados “espaços alternativos”, que discutem justiça climática e inclusão. Essa pluralidade de vozes é essencial para que as decisões internacionais considerem realidades diversas e saberes locais.
Em tempos de emergência climática e de crescente pressão internacional, o futuro da imagem do Brasil passa, sim, pela Amazônia. Mas passa também pelas mãos de comunicadores e gestores públicos capazes de contar essa história com legitimidade e responsabilidade. A COP30 é mais do que um evento: é uma oportunidade de alinhar palavra, prática e justiça ambiental.
Por Júlia Weber.
REFERÊNCIAS:
Governo Federal. COP30 no Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/agenda-internacional/missoes-internacionais/cop28/cop-30-no-brasil ]
SAGUIRRE-TORRES, K. R.; MASO, T. F.. As lutas por justiça socioambiental diante da emergência climática. Revista Direito e Práxis, v. 14, n. 1, p. 458–485, jan. 2023.
REPAM Brasil. O ABC das Cops. Disponível em: https://repam.org.br/cop30/abc-das-cops/