O trigo é a principal cultura de inverno do país, a safra 2020 do cereal apresenta um crescimento expressivo de área plantada, 14,1% no Brasil e de 16,3% na região sul do país. Em 2020 estima-se que a produção ficará em torno de 6,8 milhões de toneladas e que a produtividade será maior que na última safra (CONAB, 2020). A região sul tem enfrentado dificuldades climáticas, como geadas e chuvas excessivas nesta safra. No entanto, o período reprodutivo e o fim do ciclo da cultura são mais delicados e vulneráveis a estresses e fatores bióticos e abióticos, como chuvas, granizos, geadas, doenças, insetos, entre outros.
Outro fator que tem influenciado na produção de trigo é a semeadura da soja e, por isso, tem recebido prioridade. Com o uso de cultivares precoces de soja cada vez mais comum, muitas vezes ocorre a sobreposição da colheita do trigo e semeadura da soja.
Uma alternativa, é a dessecação química na pré colheita do trigo para reduzir a exposição do cereal a fatores de estresses na cultura, obtenção de uma lavoura mais uniforme e antecipação da colheita, podendo liberar a janela de semeadura da soja. Porém, vários elementos devem ser levados em conta para que a dessecação química seja viável, não influencie na produção e qualidade da lavoura e no ambiente, são eles: herbicidas, doses, estádio fenológico e residual.
Realizar a dessecação do trigo tem como objetivo uniformizar a maturação dos grãos e antecipar a colheita, e pode ser feito após a maturação fisiológica, pois nesse momento a planta para de mandar fotoassimilados para o grão. Esse é o momento no qual há maior qualidade de vigor, germinação e acúmulo de reservas. No entanto, após a maturação ainda existe um grande conteúdo de água, o que impossibilita a colheita e nesse caso, a aplicação de herbicidas acelera o processo de perda de água das plantas. Entretanto atenta-se que essa prática quando não bem manejada pode ser prejudicial ao trigo e inviável economicamente. A escolha do herbicida e a dose são processos essenciais para a eficiência desse manejo. No Brasil, apenas o glufosinate-ammonium (Finale®) possui registro para esta modalidade. Este herbicida inibe a enzima glutamina sintetase nas plantas, essa enzima catalisa a conversão do glutamato em glutamina durante a incorporação da amônia. A ação do glufosinato resulta no acúmulo de amônia, inibe a síntese de aminoácidos, resulta na produção de radicais livres e bloqueio da fotossíntese causando a morte da planta.
Resultados apontam que após a dessecação na pré colheita do trigo com glufosinato, as sementes apresentaram taxas de germinação maiores que o controle sem
dessecação, além disso, obtiveram porcentagem de mudas normais maior em relação ao tratamento sem aplicação (Perboni et al., 2018). Torna-se importante utilizar a dose recomendada para a modalidade, visto que o excesso e a falta podem ser prejudiciais à planta. A dose recomendada para o glufosinato é 1,75 L p.c. ha-1 em 200 L de calda ha-1 (BASF, 2019) . O uso da dose média recomendada para a maioria das culturas não prejudicou a qualidade fisiológica de sementes de trigo na dessecação (Tarumoto et al., 2015).
Outro fator importante e fundamental para se levar em conta é o estádio fenológico de aplicação, este fator é o mais determinante para o sucesso do processo e deve-se ter muito cuidado. Pela escala de Zadoks, a mais utilizada, a massa dos grãos começam a se desenvolver a partir de Z 83 (início do desenvolvimento da massa), Z 85 (massa leve), Z 87 (massa dura), Z 91 e Z 92 (grãos duros) e, por fim, Z 93 (desprendimento dos grãos). De acordo com estudos, a germinação de sementes de trigo dessecadas na pré colheita com glufosinato em estádios Z-87 e Z-92, apresentou 14% de superioridade na germinação, em relação aos estádios Z-83 e Z-85. Além disso, os resultados de germinação para o glufosinato foram menores para as aplicações em Z 83 e Z 85, quando comparado a aplicações mais tardias e com a testemunha. Observou-se também que a qualidade fisiológica foi afetada em aplicações antecipadas (Fipke, 2018).
De acordo com Perboni et al. (2018), em seu trabalho com o uso de glufosinato e outros herbicidas, as maiores germinações foram encontradas nas aplicações mais tardias se comparadas com as aplicações no início de desenvolvimento da massa do grão. Nesse sentido, salienta-se a importância do estádio de aplicação para que a qualidade do grão e a produtividade não seja afetada.
É necessário levar em conta o residual dentro dos limites desse herbicida, isso porque pode afetar a qualidade fisiológica da semente e, principalmente, diminuir a segurança alimentar. De acordo com a ANVISA, o limite máximo de residual para o trigo é 0,5 mg kg-1, com intervalo de segurança de 7 dias. Perboni et al. (2018), observou o residual do glufosinato e outros herbicidas sendo detectado para o glufosinato resíduos abaixo do máximo permitido pela Anvisa. No entanto, o nível residual de um herbicida na planta depende de vários fatores que devem ser levados em consideração, como o modo de ação e as características do herbicida, o estádio de aplicação, momento da colheita após aplicação, condições ambientais e de aplicação.
A viabilidade financeira desse processo deve ser avaliada pelo produtor rural, deve-se entender se os dias de antecipação da colheita irão pagar os custos da aplicação e se a dessecação não irá afetar a produtividade e qualidade da produção de trigo. A decisão de aplicar o herbicida deve ser considerada por meio das condições climáticas, ambientais e da lavoura, avaliando a necessidade de realizar esse processo conforme a realidade do produtor rural. Fipke (2018), em seus estudos avaliou o incremento financeiro desse processo, encontrando aumento de produtividade e na viabilidade econômica em aplicações no estádio Z-92, com média de R$ 228 ha-1, em contrapartida o glufosinato aplicado em Z-83 resultou em uma perda financeira de R$ 2512 ha-1.
Evidencia-se a importância do momento correto de aplicação e as chances de variabilidade de resultados para a dessecação na pré colheita do trigo, pois é necessário que este manejo não se torne um custo, e sim priorize a lucratividade e qualidade do produto final. Portanto, cabe aos profissionais da área e aos produtores avaliar se há necessidade da realização da dessecação.
Referências:
COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO. Monitoramento Agrícola. ACOMPANHAMENTO DA SAFRA BRASILEIRA DE GRÃOS. In: ACOMPANHAMENTO DA SAFRA BRASILEIRA DE GRÃOS: OBSERVATÓRIO AGRÍCOLA — Décimo primeiro levantamento. 11. ed. CONAB: CONAB, AGOSTO 2020 2020. V. 7 — SAFRA 2019/20. Disponível em: https://www.conab.gov.br/. Acesso em: 7 set. 2020.
FIPKE, Glauber Monçon. ANTECIPAÇÃO DA COLHEITA DE TRIGO PELA DESSECAÇÃO QUÍMICA E A INFLUÊNCIA NA QUALIDADE DE SEMENTES. Orientador: Thomas Newton Martin. 2018. 97 p. Tese (Doutorado em Agronomia) — Universidade Federal de Santa Maria, Universidade Federal de Santa Maria, 2018. Disponível em: https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/15589/TES_PPGAGRONOMIA_2018_FIPKE_GLAUBER.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 7 set. 2020.
PERBONI, Lais Tessari et al. Rendimento, germinação e resíduo de herbicida em sementes de trigo dessecado pré-colheita. J. Seed Sci. , Londrina, v. 40, n. 3, pág. 304–312, setembro de 2018. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2317-15372018000300304&lng=en&nrm=iso>. acesso em 07 de setembro de 2020. https://doi.org/10.1590/2317-1545v40n3191284 .
TARUMOTO, Miriam Büchler et al. DESSECAÇÃO EM PRÉ-COLHEITA NO POTENCIAL FISIOLÓGICO DE SEMENTES E DESENVOLVIMENTO INICIAL DE TRIGO. Antecipação e uniformidade da colheita, Cultura Agronômica, v. 25, ed. 4, p. 369–380, 2015. Disponível em: https://ojs.unesp.br/index.php/rculturaagronomica/article/viewFile/2276/1749. Acesso em: 7 set. 2020.
FICHA TÉCNICA — glufosinate-ammonium (Finale®). BASF. 2019. Acesso em: 07 de Setembro 2020. Disponível em: http://www.adapar.pr.gov.br/arquivos/File/defis/DFI/Bulas/Herbicidas/finale.pdf
Informações técnicas e Limite Máximo de Residual glufosinate-ammonium (Finale®). Agência Nacional de Vigilância Sanitária — ANVISA. Acesso em: 07 de Setembro 2020. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/111215/117782/G05%2B%2BGlufosinato.pdf/de84a98a-b0ff-4f98-8724-a44a19732ce8
Autora:
Arícia Ritter Corrêa, acadêmica do 3º semestre de Agronomia e Bolsista PET Agronomia — Universidade Federal de Santa Maria .