A evolução da resistência de insetos-praga a inseticidas e plantas Bt (Bacillus thuringiensis) é um processo natural que é intensificado à medida que as estratégias de manejo são negligenciadas. Para plantas Bt, como exemplo em Spodoptera frugiperda, a resistência a algumas proteínas Bt foi reportada em menos de 4 anos após o uso comercial no Brasil (IRAC, 2021). Na última safra (2020/2021), danos inesperados em soja MON 87701 × MON 89788 (nome comercial Intacta RR2 PRO) foram detectados, sendo causados por insetos-praga de importância secundária, como Rachiplusia nu e Crocidosema aporema.
A soja MON 87701 × MON 89788 foi disponibilizada aos agricultores em 2013. O evento MON 87701 refere-se à expressão da proteína inseticida Cry1Ac e o evento MON 89788 confere tolerância ao glifosato. Essa tecnologia apresenta eficácia contra a lagarta-da-soja (Anticarsia gemmatalis), a lagarta-falsa-medideira (Chrysodeixis includens), a lagarta-das-maçãs (Chloridea virescens) e a lagarta helicoverpa (Helicoverpa armigera).
Devido às vantagens aos seus resultados em produtividade, a soja Bt tem sido largamente cultivada no Brasil. Na safra 2020/21, mais de 30 milhões de hectares foram cultivados com essa tecnologia no Brasil, equivalente a 80% da área de soja (Horikoshi et. al., 2021).
Em julho de 2021, a Embrapa Soja divulgou uma nota técnica informando a ocorrência de Rachiplusia nu e Crocidosema aporema em soja Bt e orientações de manejo aos produtores. Nessa nota técnica, os autores reportaram que populações de R. nu no Paraná e em São Paulo apresentavam capacidade de se desenvolver em soja que expressa Cry1Ac. Ao mesmo tempo, C. aporema sobrevivendo em soja Cry1Ac foi constatada na região centro-norte do Paraná, sul de São Paulo e em áreas de produção nas proximidades do Distrito Federal, indicando a possibilidade de evolução da resistência à proteína Cry1Ac expressa em soja (Bueno & Sosa-Gómez, 2021).
Recentemente, Horikoshi et. al (2021) reportaram o nível de resistência a Cry1Ac em populações de R. nu e C. aporema coletadas na safra 2020/21. Nos bioensaios, populações de campo de R. nu apresentaram mortalidade inferior a 26%, quando expostas a concentrações diagnósticas de Cry1Ac. Comparativamente, populações de C. includens apresentarem 100% de mortalidade, indicando que essa espécie permanece suscetível à Cry1Ac expressa em soja MON 87701 × MON 89788.
As neonatas de quatro populações de R. nu de campo expostas a discos de folhas de soja MON 87701 × MON 89788 apresentaram elevada sobrevivência, sendo similar daquela verificada em soja não-Bt (Horikoshi et. al. 2021). Por outro lado, populações de R. nu da Argentina apresentaram 100% de mortalidade em soja MON 87701 × MON 89788. Ao mesmo tempo, populações de C. aporema de Cristalina, Itararé, Perdizes e Tibagi também demonstraram mortalidade semelhante na soja MON 87701 × MON 89788 e soja não Bt (Horikoshi et. al, 2021). Para ambas as espécies (R. nu e C. aporema) os resultados indicam uma redução de base genética na suscetibilidade à proteína Cry1Ac expressa em soja MON 87701 × MON 89788.
Alguns fatores podem ter favorecido a resistência de R. nu e C. aporema à proteína Cry1Ac, dentre os quais: ampla adoção da tecnologia Bt, adaptações das espécies-praga em áreas de soja em latitudes mais baixas e condições climáticas mais quentes, presença de soja Bt voluntária, baixo uso de áreas de refúgio e aplicação excessiva de inseticidas em soja não Bt.
Os indicativos de resistência R. nu e C. aporema à soja MON 87701 × MON 89788 ressaltam a importância de se atentar aos níveis de ação para controle de R. nu, C. aporema e de outros lepidópteros desfolhadores não-alvo da soja com expressão de Cry1Ac para evitar danos econômicos. Contudo, vale ressaltar que a soja MON 87701 × MON 89788, mesmo após oito anos de cultivo comercial, continua eficaz no controle das pragas-alvo A. gemmatalis, C. includens e H. armigera. Portanto, seguir as recomendações de Manejo de Resistência de Insetos a plantas Bt é essencial para a sustentabilidade dessa tecnologia para o manejo das pragas-alvo primárias da soja no Brasil e para manter a rentabilidade dos produtores.
Autora:
Fernanda Silveira Ribeiro, acadêmica do 4° semestre de Agronomia, bolsista grupo PET Agronomia e integrante do Grupo de Pesquisa em Resistência de Insetos (G-PRI) na Universidade Federal de Santa Maria — UFSM.